sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cidadão Kane: Uma Análise Profunda

Vamos brincar de Cidadão Kane? Vamos? Legal! Olha, vou analisar aspectos do filme e do personagem principal, Orson W... ops, quer dizer, Charles Foster Kane, divididos em duas categorias: prós e contras. Divertido, vai ser. Ioda, eu falo como. Star Wars, nada a ver com o tema. Louco, eu sou. Vamos lá então. Prós e Contras:


Prós:

Kane era riquíssimo. Então, era um bom provedor. Conseguiu sustentar legal suas duas esposas, além de construir um vasto império. É importantíssimo que um homem possa providenciar do bom e do melhor para a sua esposa. Que bom. Ponto para Kane.


Kane tinha boa visão empresarial. Ponto importante. Isso o ajudou a ficar mais rico do que já era (sua família já era riquíssima, ele apenas expandiu o patrimônio). Sua rede de jornais foi importante.


Suas esposas eram bonitas. Um homem rico precisa de mulheres bonitas do lado, e Kane compreendeu bem. Se fossem feias, não seria exatamente um desastre, mas também não seria bom. Melhor que fossem bonitas, então.


Kane era alto. Importante que um homem rico seja alto, embora isso nem sempre aconteça. Com isso, conseguia causar uma sensação ainda mais sufocante de domínio sobre os demais. Se fosse baixo, Kane apenas poderia exercer poder sobre seus semelhantes com o seu dinheiro. Sendo alto, já podia chamar qualquer um para a porrada, que com certeza se garantiria. Técnicas de lutas orientais poderiam ajudar? Poderiam, mas não eram moda no início do século XX. Mas tinha o boxe, esporte que infelizmente não exercia qualquer atrativo sobre Kane.

Não sucumbiu aos problemas de infância. Separado da mãe (idéia da própria) para poder ter uma educação fina, Kane poderia ter facilmente se deixado abater. Mas como não gostava muito dela mesmo, foi um alívio se ver longe dela. Pôde então, já cedo, desenvolver um intelecto abrangente e incisivo. Com a mãe do lado? Seria possível, mas um tanto quanto improvável.


Não virou boyzinho. Com uma fortuna de herança, poderia ter vivido a Doce Vida. Mas preferiu trampar duro. O trampo dignifica o homem.


Contras

Isolamento. Kane se deixou isolar dos demais ao ser engolido por suas próprias pretensões e cobiças, num mundo incapaz de compreender sua visão deliciosamente ambiciosa de vida. Enquanto todos tinham dorzinhas na consciência, Kane queria ganhar dinheiro e influenciar o pensamento dos americanos. Tipo um Big Brother midiático. A idéia era ótima, mas ele foi engolido por ela. Pena.


A segunda esposa. Ela era lindona, mas era perva. Ele deveria ter controlado ela sem maiores problemas, mas tinha absurdas dificuldades nesse campo. A burralda arruinou uma produção de ópera toda bancada por Kane somente para ela estourar, além de gerar um atrito definitivo com o braço direito de Kane no Jornal, que se recusou a escrever uma crítica positiva sobre a atuação da esposa de Kane. Uns sacodes na moleca teriam resolvido.


A queda da bolsa de 29. Gerou inacreditáveis problemas financeiros para Kane. Os impostos de Roosevelt sobre os milionários foram um soco no estômago. Preocupações que poderiam ter sido evitadas.


Calvície na velhice. Kane tinha dinheiro saindo pelo ladrão, e poderia ter dado um jeito nessa incômoda situação. Obviamente, ele nunca deve ter ouvido falar de produtos revolucionários como o Sana Hair, que promete devolver a composição original do seu cabelo em 20 dias, no máximo. Se soubesse, teria sido diferente.


O nome da gigantesca e nababesca propriedade na qual viveu isolado com a segunda esposa. Xanadu. Na época parecia ter um belo apelo, mas se Kane pudesse prever o futuro (algo que um homem tão poderoso como ele deveria ter achado um meio de conseguir), jamais teria dado esse nome. Hoje em dia, esse nome está associado de maneira irreversível ao horroroso filme da Olivia Newton John de 1981, Xanadu, que também gerou uma música horrenda e grudenta. Xanadu virou sinônimo de breguice pura. Além do filme, houve também a longuíssima e insuportável canção composta pela banda Rush, de inacabáveis 11 minutos, que também deu sua contribuição para manchar o nome Xanadu para sempre. Kane deveria ter tido mais cuidado. Eu poderia ter ajudado, darei agora sugestões de nomes mais nobres para o lar de Kane nas suas últimas décadas de vida, mesmo sabendo que elas jamais poderão ser aproveitadas (que pena):
Brr... chega a dar arrepios

-Eldorado dos Carajás- seria bom para combater a idéia de alienação social que existia quando os americanos na grande depressão se lembravam de Kane. Uma homenagem como essa teria amolecido o coração dos famintos yankees.


-Maracanã - faria jus às épicas dimensões da propriedade


-Marsilac - o maior bairro de São Paulo, virtualmente inabitado e cheio de áreas verdes, lembra muito a composição de Xanadu. Seria um belo nome também.


-Rancho da Pamonha - nome que realçaria o aspecto gastronômico da propriedade, além de poder gerar uma boa possibilidade de lucros para Kane. Se arrumasse um bom cozinheiro, poderia ganhar muito dinheiro com os viajantes que parassem por lá para comprar boas doses de currais e milhos quentes. Considerando que a nossa querida Palmirinha Onofre foi contemporânea de Kane, ele poderia ter lançado mão dos seus raros dotes culinários nessa empreitada, visto que Palmirinha é um produto do interior paulista, mais que familiarizada com a arte de verter milho em gostosuras.


Último aspecto contra: Rosebud. Não é uma boa palavra para se dizer no momento da morte, nem fica bem como última palavra dita por alguém antes de morrer. Acho que teria sido importante se Kane tivesse dito coisas edificantes como "farinha pouca meu pirão primeiro", "aonde cabem dez cabem vinte", "drogas matam", "respeite o meio-ambiente", "a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa", "Eu era fã do Wilson Simonal", e, logicamente, "timãããããão, eô!". Lamentável.
O que era Rosebud? Nós sabemos. Nós sabemos bem o que era.


Conclusão: Kane queria ser amado, com muito amor. Não foi. Tchau, Kane. Lembraremos sempre de você.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Munbutu e os lisboetas

Da maneira que o blog vai, um dia, como quando eu crescer e me tornar o astronauta mais famosos de Hollywood, teremos um público maior e mais heterogêneo. Algumas pessoas teimam em nos incentivar, obrigado todos! Há alguns ainda que caem por acidente, graças aos buscadores toscos e ceguetas, agradecemos a eles também.

Por fim, há um fator interessante cuja lógica ainda não entendi: como há tanto acessos de portugal e alguns gatos pingados oriundos do continente africano, penso da forma simplista: Google!. Por isso na nossa próxima e inviável reunião de pauta discutiremos nosso acordo ortográfico neste blog. Afinal, da maneira micro a repetir as atitude macro dos países de língua portuguesa. E que caia a trema!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Aconteceu

O Pianista

Estava passando O Pianista na televisão, ééééé. E eu fiquei olhando de vez em quando. Porque O Pianista a gente no máximo olha. Não dá pra assistir ou ver um filme desses. Você vai ao banheiro, come uma bolacha, olha todo aquele sofrimento e miséria a que o povo judeu foi submetido pelo regime nazista, brinca com o gato, tira cera do ouvido. Essas coisas.

Não é porque é “muito forte”. Não, que bobagem. Schindler era bem mais dramático e eficiente nesse sentido. Foi quando o virtuosismo vislumbrado do Spielberg melhor funcionou, diga-se de passagem.

Seth Cohen (Adam Brody em atuação que lhe rendeu uma estatueta) de braços dados com os Aliados naquela praia famosa.

Mas qual era a idéia do Polanski ao filmar O Pianista? Era o pianista? O piano não pode ser porque aparece muito pouco. Ah, era mostrar como os judeus sofreram muito. Então. O Polanski não deve ter TV a cabo em casa e por isso nunca viu na vida um documentário sobre Auschwitz. Mas a gente já, a gente já.

Confundo sempre o Adam Brody com o Adam Brody. Um fez The O.C.

É o filme mais gratuito que eu já vi. Ruim, ruim. Mas sou eu que não tenho sensibilidade, que não gosto de judeus. Posso até acabar na cadeia porque o Polanski e o moleque do The O.C. resolveram se juntar pra fazer um filme só pra me ferrar. A vida é muito injusta, muito mais do que qualquer totalitarismo.

A Questão

No sofá da minha casa, que é a resistência reaça da sociedade brasileira (tão entregue à licenciosidade) muito mais do que o Olavo de Azevedo e o Reinaldo Carvalho, minha mãe e eu vendo flashes da Parada Gay. Se bem que falar de Parada Gay, com a Parada Gay aí, é tão uó... hmm, quanto usar reticências.

Mas aí apareceu um go-go boy falando que era o Homem-Melancia porque tinha uma bunda enorme, que ele começou a sacudir num shortinho vermelho, só que a única coisa que eu e a minha mãe vimos foi o cofrinho dele aparecendo. Minha mãe horrorizada, mas eu garanti pra ela que o cofrinho do rapaz não tinha nada a ver com Parada Gay, que aquilo era Brasil. Aquilo era subdesenvolvimento. Culpa do Lula.

Ai, mas de repente fiquei tão político, e isso é tão over. Daqui a pouco estou falando do fim do preconceito, da Parada Gay como movimento social e evento político. Fazer esteira também é bem social e político. Pessoas se reunindo em torno da esteira pra discutir seu uso comum pela sociedade, a necessidade de cotas para seu acesso.

Ombudsmancia

Agora, há de vir algum jagunço aqui e chiar porque eu sou preconceituoso. Se morre, meu, se morre! Lê as palavra antes de abrir a boca.

Mas pelo menos ninguém reclamou ainda da gente falar de cinema não sendo obviamente connaisseurs. Graças aos conselhos de Lady Macbeth, deixei de falar de cinema, para falar a partir de cinema.

Festival de Cannes - Au Revoir, Les Enfants

O Festival de Cannes, como tem sido costumeiro nas últimas edições, mais uma vez decepcionou. Além da grande burrada de terem escolhido o senhor de todos os malas, Sean Penn, como presidente do juri, ainda tiveram a pachorra de dar a Palma de Ouro de melhor filme para uma produção francesa (no caso, o filme Entre Les Murs, do diretor Laurent Cantet). Sabe quando o seu time vai jogar fora de casa, e o juizão rouba descaradamente em favor do time da casa, fazendo você querer jogar a televisão pela janela? Mesma coisa aqui. Bela tentativa, senhor Penn. Mas quando você dá uma olhada na lista de filmes que estavam na competição oficial, vê que o negócio estava desolador. Um filme não muito apreciado da múmia viva Clint Eastwood, o bipolar Ensaio Sobre a Cegueira do Fernando Meirelles (dividiu de maneira estranha o público), um filme elogiado pela nossa crítica tacanha do insuportável Walter Salles (que um dia resolveu sair da sua insignificância ao se achar no direito de vaiar um Elia Kazan, que deve ter ficado tristíssimo com o fato) e um filme do Soderbergh, do qual falarei em seguida, mas que acho que poderá, sim, ter grande efeito sobre as catástrofes ambientais que assolam o nosso mundo. Ai embaixo, falo sobre cada filme separadamente. Se falarei do filmeco francês que ganhou a Palma de Ouro? É lógico que não. Depois da Nouvelle Vague, tudo o que o cinema francês deu ao mundo foi o "genial" Luc Besson. Amelie Poulin o quê?

Manezão francês, cujo filme ganhou a Palma De Ouro. Esqueci o nome dele, devo ter escrito aí em cima, olhem lá



Filme do Clint Eastwood - Changeling

Depois que fez 245 anos de idade, o Clint Eastwood ficou um tanto quanto hiperativo. Dizem que isso acontece mesmo quando você dura tanto tempo, mas no caso do segundo cowboy mais famoso da história ( John Wayne, nós que cá estamos por ti esperamos), não deixa de ser um fato curioso. É um filme por ano, um atrás do outro (ou até dois, como no caso do Cartas de Iwo Jima/A Conquista da Honra). Tá ligadão, o velhote. Mas nesse caso, olha... Angelina Jolie é um parque de diversões, mas somente para o seu marido maconheiro, Brad Pitt. Nós que não podemos tirar lasca, temos de aturar as caretas da bocuda nos seus péssimos filmes. Como o filme foi recebido sem entusiasmo, pode-se imaginar que Eastwood apostou no cavalo errado. Ops....
E ai, Clint, pegou ou não pegou? Pegou que eu sei, seu velhinho pervo!

Filme do Walter Salles - Linha de Passe

Que bode... O mundo já começou a se cansar dos filmes brasileiros. A moda passou. O que ficou? As mesmíssimas histórias que nos atormentam desde o Modernismo, a idéia de "cultura de massa focando a brasilidade", os enredos envolvendo famílias de bom coração lutando contra as adversidades da vida, com muito futebol, samba e malandragem. O complexo de Gilberto Freyre, que afirma ser a cultura um bem das massas. Isso não ajuda em nada o país, já que reafirma e exalta o complexo de inferioridade que aflinge a nossa sociedade, que se conforma com o papel que lhe é atribuído, amansando e eliminando qualquer traço de combatividade, e nem faz o nosso cinema evoluir, já que estamos estacionados no binômio "cinema de arte pra gringo ver/ produções pipoquentas da Globo Filmes". A chinelagem, que é vendida como patrimônio nacional, quando deveria ser combatida com todo o ranço do mundo, já que, como já dito um milhão de vezes, serve para propósitos muitíssimos bem definidos. Se a miséria e a cultura que nasce dentro dela é exaltada, fica mais difícil para a camada menos favorecida da nossa sociedade se rebelar contra essa situação, e mais fácil para as velhas figurinhas carimbadas continuarem enchendo a bucha de dinheiro em detrimento do povo. Salles mais uma vez faz papel de trouxa, o que lhe cabe muito bem, considerando toda a sua arrogância, já que o sujeito realmente pensa pertencer à elite do cinema mundial. O seu papel é outro, e é parecidíssimo com o dos Seus Jorges, Carlinhos Browns, Marisas Montes e Bebéis Gilbertos da vida: rebolar pra gringaiada aplaudir, enquanto o status quo é mantido por essas bandas. Pena que esse sons andam ficando cada vez menores...


Filme do Fernando Meirelles - Ensaio Sobre a Cegueira

Duas diferenças separam e favorecem Fernando Meirelles ante seu colega Walter Salles. Primeira: não tenta vender mentiras, sabe bem o seu papel como cineasta, e seus filmes existem por si mesmos, sem dependerem nem se beneficiarem de um pretenso contexto sócio-político por trás. Segunda: ele realmente é talentoso. Mas a idéia de filmar um livro assim, que qualquer pessoa minimamente sã desse mundo que tenha colocados seus olhos nele sabe ser quase que impossível de se converter para a liguagem do cinema, realmente foi estúpida. Maldita hora que foram dar o Nobel para o escritor português. A recepção dividida que teve o filme (fria por parte da crítica, e efusiva por parte do público) apenas evidencia melhor os problemas de um projeto desse tipo. E o elenco está cheio de figurinhas que andam me dando nos cornos, como o Mark Rufallo e a Julianne Moore (que cada vez mais pensa que atuar significa ficar bocejando o filme todo). Para os paulistanos, valerá a curiosidade de ver a cidade ser cenário de diversas cenas do filme. Imagino ir ver o filme com um colega pervo, e o chato ficar apontando pra tela gritando "olha lá o Minhocão!", "putz, é a Juscelino Kubistchek!" e "nossa, Higienópolis, meu!". É, seria dose.


Filme(s) do Steven Soderbergh - Che: The Argentinian e The Guerrila

Imaginem um filme do Steven Soderbergh. Putz, deu calafrios. Mas vai ficar pior. Imaginem que esse filme é a biografia do Che Guevara, interpretado pelo insuportável Benicio Del Toro. Agora, imaginem que, não contente em levar um projeto assim adiante, Soderbergh faça um filme tão longo, que resolva dividi-lo em dois, alá Kill Bill, e que os filmes juntos atinjam a inacreditável metragem de 258 minutos. 258 minutos de um filme sobre o Che Guevara, dirigido pelo Soderbergh e interpretado pelo Benicio Del Toro. O que é, Cleópatra dois, a missão? Por favor, alguém faça isso parar! Sério! Bush, invadir o Iraque? Invade é a casa do diretor careca e dá um belo dum sacode nele, caramba! Taca a mãe pra ver se quica.
Eu era neném, não tinha talco; mamãe passou açúcar em mim!


Depois desse show de horrores, é válido dizer qual filme despertou o maior número de aplausos e críticas positivas no festival, mais até do que o ganhador da Palma. Era um filme que estava fora da competição oficial. Kung Fu Panda. Sério. O desenho da Dream Works sobre um Urso Panda que luta Kung Fu, dublado pelo Jack Black, foi o filme que despertou o maior carinho do público e críticos do festival. Para o mundo aí, que o Progressista vai descer. Tchau e benção.

sábado, 24 de maio de 2008

Fomos ao cinema ver Control

Cinebiografia musical é coisa de idiota. Amadeus é só meio burrinho e se salva porque fala de um negócio que cinema e cineastas não entendem, arte. Se bem que não dá pra ser mais burro que a música, a coisa mais próxima da pura forma. Pura forma é tipo a Isabeli Fontana ou também nome de academia em bairro de classe média. Ao passo que a escrita, essa coisa eminentemente cerebral, é a mais gentinha das artes.

Dito isto, fomos ao cinema ver Control, sobre Ian Curtis, vocalista suicidado do Joy Division.

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.

Fez sucesso em Cannes ano passado. Até pior, ganhou prêmio em Cannes, o que nunca é bom, porque o júri de Cannes, como de qualquer outro festival de cinema, é formado por atores, e atores não prestam.

Sean Penn adverte que só vai premiar um filme político, antes mesmo do festival começar. É um filisteu. Deve por acaso queimar edições da Divina Comédia porque a obra defende uma visão de mundo medievalista. Cretinice.

Pior que ator, só músico. No primeiro, o ego é maior que a sensibilidade, isto é, a frescura. No segundo, é o contrário. Ninguém me compreende, buáááááááááááá, e sai daqui, seu pobre.

Os únicos músicos que têm direito de ser uns cretinos são os cantores líricos. E só as mulheres. Aliás, só algumas, as mais bonitinhas. Tipo, a Tebaldi e a Callas, pra ficar nas canônicas. E não me fala do nariz da Callas, se não eu te meto a mão na Callas, ha, ha, ha.

Cozinho, lavo, passo, costuro e canto “Casta diva”, da Norma de Bellini.

O filme é p&b, recurso muito comum pra fazer coisas ruins parecerem artisticamente ruins. É ingênuo, mas funciona com o público de filmes do tipo, gente que gosta de “cinema alternativo”.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Um post polêmico

O jovem Alex era um degenerado, apesar da boa educação que recebera. Fazia coisas terríveis, principalmente contra as minorias. E desde muito cedo. Aos oito anos, descobrira as minorias, para nunca mais deixá-las em paz.

Não descansou, até que tivesse aborrecido a todas elas – negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus, mulheres, ô, inclusive as mulheres. Para o mal, os homens costumam ser incansáveis.

Saíam pelas noites, ele e sua gangue, formada por jovens igualmente privilegiados e podres, para encontrar suas vítimas. Geralmente, mendigos, só porque eram sujos e bêbados. Mas logo a aparente impunidade que os poupava teria fim. Pois havia muitas investigações nesse sentido, para acabar com o abuso contra as minorias, como as cometidas contra os mendigos.

Quando, certa noite, encontraram outro mendigo fedido, jogado na sarjeta, sob a marquise de um prédio do governo, que horror, puseram-se a abusar dele como se abusava das minorias em geral. Cercaram o pobre diabo e começaram a lhe contar piadas politicamente incorretas sobre negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus e mulheres burras, enfatizando que mulher burra é redundância, ha, ha.

Mas dessa vez, não sabiam eles, sua vítima era um policial disfarçado, todo sujo e bêbado, para aparentar ser mesmo um mendigo. E estava bem real. Ora, prenderam Alex e seus comparsas. Como eram menores, e era esse seu primeiro delito, os pais compareceram em juízo e responderam por eles. A sentença foi que o rapaz fosse enviado a uma instituição competente de recuperação de jovens degenerados.

O jovem Alex seria submetido a inúmeras sessões de um filminho em que um homem escorregava numa casca de banana e caía muito seguramente num sofá deixado no meio da rua pelo pessoal de uma empresa de mudança, e estava escrito no caminhão que era uma empresa de mudança, era a Granero, pois era importante que todos soubessem que era uma piada. Aprenderia assim o que era humor saudável – o simpático –, o verdadeiro humor, que não ofendia ninguém e que, de quebra, ainda fazia amigos por onde quer que fosse. E que o humor físico – desde que as carnes não ficassem à mostra, com exceção dos comerciais de cerveja e programas humorísticos para a família brasileira – era também grandemente aceito e recomendado para animar festinhas, de casamentos a batizados.

"Aprenderia assim o que era humor saudável – o simpático..."

Mas, dentre os maiores benefícios que o tratamento lhe legaria, estava o que os médicos e professores da casa de recuperação chamavam DSCS, Dispositivo de Segurança para Comicidade Social. Consistia em pospor ao fim de um dito ou comentário jocoso a frase “É só uma piada”, ou suas variantes, tais como: “Isto é uma piada”, e também “Só estou brincando” ou “É brincadeirinha”.

Após três meses, Alex foi devolvido à sociedade curado. A partir de então, toda vez que lhe vinha o desejo de proferir uma observação irônica ou sarcástica, começava a babar e entrava em choque. Era preciso aproximar-lhe do nariz um pouco de vinagre para que recuperasse a consciência. Entretanto, por causa desses acessos, ele é que começou a ser vítima de piadas politicamente incorretas.

Fora apelidado “Tremelique”, e quando andava pela vizinhança, as crianças se sacudiam inteirinhas, com a boca cheia de Coca imitando a baba saindo da boca dele. Mas todo homem tem seu limite. Ele devia ter tentado o suicídio, como se espera a essa altura numa história assim, mas não foi isso, não. Ele resolveu criar um blog.

A seguir é transcrito o trecho de uma postagem de maio do ano passado:

“Estava pela Paulista, esperando uma amiga. E mais uma vez confiro que esta cidade não é absolutamente detestável, ao menos não como o divulgam no usual tom alarmista dos noticiários. Uma cidade que nos premia com visões com a clareza e o didatismo de ilustrações tiradas a um volume escolar de estudos sociais não pode ser absolutamente detestável. Pois nos quinze minutos em que estive parado por ali, vi um grupo de gays carecas e de camisetas justinhas posando para fotos, enquanto um moleque de rua, devidamente descalço como os moleques de rua fazem questão de andar, certamente para que não sejam confundidos com quaisquer outros moleques que não os de rua, os observava com o sorriso malicioso de quem, diante de tanta viadagem, se conforta imaginando que, particularmente em seu caso, um simples banho resolveria. E devo concordar com ele, pois era disso mesmo que ele mais precisava, de um banho. É o que as autoridades precisam entender e, tendo entendido, implementar: o assistencialismo do pão substituído pelo do sabão. De todo modo, os tão falados contrastes sociais jamais foram tão bem sintetizados quanto nesta cena, apesar do componente queer, francamente caricatural. Neste sentido, tenho de confessar que a cidade me surpreendeu negativamente.”

Como se vê, grotesco. Aristocraticamente grotesco. Quando ele escrevia, sentia um alívio absurdo, naturalmente seguido por espasmos, baba e coma. Mas, com o tempo, isso passou. Aparentemente, os efeitos do tratamento miraculoso estavam sendo revertidos, para horror da sociedade.

A foto destes dois gatinhos é só pra aliviar o post, cheio de piadas pesadas.

O pior, entretanto, veio quando ele escreveu:

“Só tem viado na Parada Gay”

(Isto é, nessa frase, duas coisas têm que ficar claras: a) se a Parada é gay, naturalmente se acharão “viados” nela; e b) a palavra “viado” tem o mesmo sentido ofensivo que quando empregada por um homem que preconceituosamente coloca em dúvida a masculinidade de outro. O humor resulta da aproximação desses dois fatos. Sem dizer que não tem só "viado" na Parada Gay; vão também familiares dos "viados".)

A casa veio abaixo. E-mails ameaçadores, scraps malcriados no Orkut. Ele foi novamente preso, só que dessa vez ele já era maior de idade, por isso o mandaram para o mesmo presídio em que o Nardoni estava. No dia em que lá chegou, a população indignada com o assassinato da menina Isabella dividia a calçada com militantes da causa gay, e eu vi pela televisão você lá também.

“Só tem viado na Parada Gay” virou uma divisa da campanha para o fim do humor politicamente incorreto, seguida da frase de indignação “Até quando isso?”, querendo dizer “Até quando as pessoas serão tão cruéis com as minorias?”, e não “Até quando haverá viados na Parada Gay?”.

Nos meses seguintes à prisão de Alex e à sua condenação à pena máxima, o governo ainda aprovaria uma lei segundo a qual todos eram obrigados a explicar uma piada que envolvesse qualquer tipo de ambigüidade, como constante nos parágrafos anteriores. Caso encerrado.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Fomos ao Cinema ver O Homem de Ferro

Heavy boots of lead
Fills his victims full of dread
Running as fast as they can
Iron Man lives again!

Ozzy Osbourne, Geezer Butler, Bill Ward e Toni Iommi - Da Black Sabbath, dol! See ya!

Assisti ao filme Homem de Ferro. Porque eu amo vocês, embora vocês duvidem disso. Eu não sei se gostei ou não. Vou fazer assim: falar sobre cada aspecto do filme em mini-tópicos, e ai no final decido o que achei.



Homem de Ferro
Um herói coadjuvante! Precisa de um ator coadjuvante, de um diretor coadjuvante, e de atores do elenco de suporte acostumados a sempre serem.... coadjuvantes! Olha o exército de coadjuvantes aqui embaixo:

Robert Downey Jr.
Pô, bom ator! Tá limpaço, sem drogas, só na saúde, exercícios matinais, cereais no café-da-manhã, alimentação saudável e balanceada, muita água. Mas, olha... posso falar uma coisa, bem baixo, pra ninguém ouvir? Preferia quando ele atuava drogado. Foi até indicado ao Oscar na época! Chaplin, em 93, lembra? Perdeu pro Al Pacino, ceguinho no Perfume de Mulher. Mas foi quase. Coisa de uns 25 votos, pelo o que fontes me contaram. Nesse filme, O Homem de Ferro, domina bem a tela, mas... way over the top! Exagerado, jogado aos nossos pés! As drogas traziam o Betão Downey Jr. para um estado de introspecção agitada, era como se ele não estivesse lá, mas sim num mundo tão colorido, psicodélico! ELE VOAVA SOBRE AS NOSSAS CABEÇAS! Pega ele, lá em cima, pega! No Iron Man, não rola. Tá lá, e não deveria estar. Tira o pé do chão! Mas o que importa, o que realmente importa, é que ele tá benzão. Vai se adaptar! Vamos nos acostumar com ele assim, legal!

Gwyneth Paltrow
Muié do Chris Martin! Pô, ela traz o Homem de Ferro pro campo do amor! O que somos sem o amor? Não somos. Não estamos lá. Ela faz isso com o Homem de Ferro. Traz. Faz mal? Lógico que faz. Insossa! Desbotada! Você pegava? Mulheres, desconsiderem! Lapso! Odiei ela, mas sempre odeio ela, só no Tenenbaums não odiei ela! Gostei pacas dela lá. Aluga pra mim? Há, o Fundamentalista tem. Empresta! Empresta! Empresta!

Terrence Howard
Grande ator! Nova geração ai, pegando geral, e ele no comando! Coadjuvante de classe. Gostei da escalação; Função dele no filme é nula! Eu sei! Mas ele diz as linhas que lhe são cabidas com background! Um barato!

Há, se eu tivesse uma dessa na prisão... toma essa, Johnny Boy!


Jeff Bridges
Chegou a hora de falar do Jefferson Pontes! Ele é o vilão, bad guy, bad ass motherf#$5&*! Carecaço, barba na cara! Cadê a motivação do personagem? Vilão sem motivação? Maldade por maldade? Não! Ai entra outro aspecto: o...

Roteiro
Isso! Roteiro. Não importa num blockbuster de verão? Importa, não me decepciona! Lógico que importa! Tenta ser que nem o Batman Begins: pés no chão. Não, tá tudo errado! O cara veste uma armadura biônica para combater o mal? O cara coloca uma fantasia de morcego com cueca por cima para combater o mal? Os dois milionários? Não! Tá errado! Pega o Tim Burton! Chama ele pra mim! Se for assim, faz um negócio pra teenagers, cheio de ingenuidade e fantasia bonita, que nem o Homem-Aranha! Adulto burro compra! Adulto cabeça, esperto: tá fora!

Direção
Jon Fraveau! O Gordinho bacana de tantos filmes, virou diretor respeitado! Elf com o Will Ferrel, eu lembro! Zathura! Que aventura, que filme bacana, quanta fantasia! Iron Man agora. Fez um bom trabalho? Lógico que fez! O roteiro não era Cidadão Kane não, jão! Ele tentou. Mas não é um Kubrick! Não é um Antonioni! Não é nem um Bryan Singer, coitado! Diretor gente fina, todo mundo adora, eu gosto pacas. Mas não salva o filme! Pô, finalzinho chinfrim! Show me what you've got!

Efeitos Especiais
Bons! Os de Matrix Revolutions também eram! Não, não eram não. Mas vocês entenderam? É que, deixa eu falar! Pera que eu preciso falar! É que, tipo, efeitos especiais deveriam ser um retoque de luxo! Para não tirar o espectador do filme, se eles fossem toscos que nem no Howard the Duck! Herói pato? Só você, George Lucas!

Conclusão final
Eu odiei! Eu adorei! Eu quis embora! Eu quis ficar! Eu... eu... preciso de um...

When i hold you, in my arms
And i feel my finger on your trigger
I know, nobody can do me no harm, because
Happiness, is a Warm Gun, mama!

John Lennon

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Conversa de Boteco: O Anti-Camaradagem


Cena interna, Camarada Aposentado sentado no bar, cerveja no copo, fuma compulsivamente. Daí chega o Anti-Camaradagem, vulgo, o engraçadinho, igual um bozonildo; junto do seu amigo Apêndice.

Camarada Aposentado: Opa, como está?
Anti-Camaradagem: Opa, vou bem e o senhor? Fiquei sabendo das novas, parabéns!(cutuca sorrateiramente Apêndice)
Apêndice: Ah,pois sim, parabéns!
CA:(Envergonhado): Bem, não sei o que vc ouviu mas as coisas vão bem sim, sabe né... mulher em casa, dinheiro para cerveja, a molecada na escola: tudo está em ordem. Vocês não vão sentar e tomar uma?( CA procura um cadeira, no boteco para oferecer a dupla, porém todos os lugares, tanto no balcão quanto as cadeiras das mesas estavam ocupadas)
AC: Calma, sem problemas, meu caro colega, Apêndice!(mostrando o chão e jogando um pedaço de uma bolacha maizena na direção apontada)

Apêndice, como uma boa montaria, se pôe de "quatro" mascando o pedaço da iguaria deixada pelo seu mestre. Uma cena proibida para menores: AC monta nas costas de Apêndice, mostrando suas esporas novas. As pessoas com mais preocupações nem percebem a cena. Só CA olha de uma maneira assustada. AC percebe e antevê a pergunta

AC: Não se preocupe, ele está mais que acostumado; já alimento bem esse garoto( dá um leve esporada..), sempre do bom e melhor: Habib's, Mcdonald's e Burguer King. Sei o que está pensado, mimo demais o garoto, mas agora ele já está acostumado. E não só comida também , educo, dou cultura: as vezes jogo um Sarte, um Camus, sabe?
CA: Entendi, acho. Mas como é vc sai com ele, leva pra passear e talz?
AC: Justamente, caro colega. Duas vezes por dia, no parque. Sabe, sou preocupado com o meio ambiente, logo recolho os dejetos e levo para o lixo mais próximo. Como o senhor, caro colega e próximo, também sabe, sou um humanista, preocupado com as mazelas da sociedade, e, lógico, bem humorado.

Apêndice balbucia alguma coisa , não se sabe ao certo

CA:
Então, mudando de assunto(pigarro) ainda acredita naquela baboseira de pós-pós-modernidade?
AC: O senhor novamente começa com essas acusações e logo depois declinará suas bravatas, sei onde isso vai parar. afinal somos todos pós-humanos não? O homem não está mais no centro das coisa, ora, digo e quero que o senhor reflita, agora é ora das tecnologias no centro, não as tecnologias como evolução social, e sim a alma das tecnologias, abolindo Deus e sua concepção antropomórfica.
Apêndice:
Isso, fora Deus e todas as coisas do homem...
AC(interrompendo Apêndice): voltando, da maneira como vemos o mundo é errada, reina o caos e a ordem não será estabelecida pela internet, ela é apenas um instrumento qualquer, igual a televisão ou o rádio, principalmente pelo seu pouco acesso a todos, pois um computador é caro. Enfim, o mundo em ruínas, na destruição de si mesmo, como disse o cientistas(agora ele emposta a voz): o mundo tende a se expandir até voltar ao nada, a lava primordial(força um momento dramático).
Apêndice(sem bater palmas): Bravo! Bravo!

CA faz um sinal para mais uma cerveja ao garçom, quando chega enche os dois copos e a tigelinha de Apêndice.

CA: Deixa eu ver se entendi, acredita que a gente tá ferrado e ao mesmo tempo que a tecnologia tem que ser colocada no centro das coisas, hum e o que vai adiantar isso? Se tudo tah ferrado, não precisa mudar de centro(toma um gole), pelo menos eu acho.
AC: Sim sou um relativista, sabe disso, tudo é válido e possível, todos os conhecimentos abarcarei e todos estão certos.
CA:
Hum, então eu to certo também, eu um velho universalista careca pra caramba?
AC: Não, pois tu acreditas ser melhor que os outros homens, pois acreditas que tua cultura é melhor que as outras, não tolera como eu faço, apenas acha-te melhor que os outros homens.
CA: Pode ser mas eu não tenho isso(aponta para o Apêndice), esse negócio que vc fica nutrindo.
AC:Hehehe, vou te contar, cada uma, essa sua falácia, meu amigo. Veja bem ele é uma tecnologia, um instrumento do qual usufruto, como disse considero meu associado igual os escravos eram considerados na grécia: instrumentos tecnológicos.
CA: Mas a grécia não é, tipo, o homem no centro das coisas, então ela não tem nada a ver com sua idéia? Não entendi.

AC se levanta, limpa as migalhas de maizena

AC: Vou me embora, logo vejo que o senhor está nervoso hoje, não quero argumentar com o senhor, ora, não gosto do que o senhor fala, mesmo acreditando que tudo é válido, justamente sua leitura, em suma, sua cultura parece não fazer bem para minha gastrite e pode me causar mais calvíce, vê aqui, já está avançada, meu caro, mesmo que nunca li nada do que vc defende, para mim não serve, sou um culturalista de elite, no máximo assisto um episódio de Senfield, com tua licença, até Breve.

AC puxando Apêndice pela coleira sai sem pagar nada da conta










As Inúteis Dissertações do Progressista: Humor

Esse blog anda carecendo de senso de humor. Pessoas tentando explicar a invenção da roda, como se estivessem em palcos ecumênicos rodeados de aprendizes babando como babavam os seguidores de (olhem só, vejam vocês) Platão e aqueles barbudos e sapientíssimos filósofos da escola de Atenas. Muito chocado com tudo isso, venho aqui propor um brevíssimo estudo de humor, usando a figura mais representativa da velha arte de fazer rir: os palhaços. Falarei de dois deles, e quem sabe, ao voltar para as origens, possa então despertar um sentimento de galhofa e malandragem que anda mortinho em muitos, por aí e por aqui?

Primeira Foto: Palhaço brasileiro


Esse é o palhaço Carequinha. Um mito no circuito dos circos mambembes do interior do nosso Brasil. Ele fazia a criançada dar belas risadas com suas flores que jorravam água, suas guerras de tortadas na cara com os palhaços assistentes, e suas encenações cômicas, nas quais invariavelmente era o alvo. Os adultos também compravam, e a graça ingênua e doce de Carequinha alegrou as noites dos sertanejos de todo o nosso país. Isso até Carequinha morrer no ano passado, para o choque de todos. Tchau, Carequinha.

Segunda Foto: Palhaço francês


Esse é o palhaço Sartre. Ele alegrou e entreteu rodas de intelectuais e marxistas por décadas na velha França. Suas hilárias e gloriosamente ingênuas utopias, suas ficções propositalmente baratas e torpes e suas encenações e joguetes de amor com suas palhaça-assistente Beauvoir foram motivo de risos por gerações. Gerou fãs inverterados que tentariam reproduzir fielmente seu estilo em outros meios de entretenimento, como o palhaço Godard, que também usou um intelectualismo piegas e ingênuo para causar risos em diversas gerações de franceses. Sartre foi alvo de impiedosas perseguições por pessoas que não compreendiam sua arte faceira e caipiresca. Pessoas como Albert Camus, intelectuais que corroiam o humor de Sartre com suas ironias ácidas e maldosas. Mas Sartre, assim como Carequinha, viverá sempre no coração dos puros e justos.


Terceira Foto: Privada

Essa é uma Privada. Ela vem alegrando gerações e gerações de... bem, isso é desnecessário. Ela tem uma função importantíssima. Não, uma outra função importantíssima, seus pervos. É nela que você vai jogar todos os livros do palhaço Sartre que tiver em casa. Preparados? Um, dois, três, vai! Agora, existe em toda e qualquer privada que se preze, uma alavanca ou botãozinho em cima das mesmas. Chama-se descarga. Você vai apertar, se for um botão, ou puxar, se for uma alavanca. O que isso vai acarretar? Simples: por um complexo sistema de canos, os livros de Sartre irão fazer uma bela viagem rumo às estações de tratamento de esgoto da sua cidade, onde finalmente estarão em casa, descansando ao lado de companhias realmente merecedoras da sua presença. Pronto. Depois disso, você vai ligar para 190, e denunciar por insanidade temporária um certo Camarada Progressista, que escreve num blog chamado Fomos ao Cinema. Fiquem tranquilos, o elemento é mais do que conhecido pelas autoridades locais, figurinha cativa do sistema penitenciário paulista. Cumpram os seus deveres como cidadões.

sábado, 17 de maio de 2008

Meu amigo McLuhan: Mister X e a Dança do Quadrado

Caro Amigo do gelado Canadá,

agora vai ficar feio: eu dizer tudo isto depois que vc já se foi. Lembro das boas companhias, das cervejas, das mulheres canadenses, até do hamburger com maionese trago boas lembranças. Eu não sei se é porque a gente sempre estava bebendo, logo, sempre parecia divertido. Lembro uma vez quando você, após expulsaram-nos de todos aqueles bares de Toronto, vc, ironicamente, gritou :

"O meio é a mensagem"

O barman tentou jogar o casco da cerveja na sua cabeça, caímos na neve e rimos da besteira que falara. Algumas pessoas na universidade te levavam à sério, sempre nós esquecíamos disso. Era 1964, tempos de mudanças afinal, todo o mundo girava dentro de um liquidificador chamado revolução. Não esperava que tivesse tamanha repercussão, mundo estranho.

Nas vindas e idas, chegamos sem vc na década de 80: nos deixaste de maneira esperta, não viu a merda que fizeram com tudo. Com a música, sobretudo. Se estivesse vivo provavelmente morreria só com as roupas do Elvis Costelo, sem dúvida.

Mas, na maioria da vezes, algo se salva, um feixe de esperança que dá forças pra continuar( isso é alguma música, não é?): os quadrinhos, falecido camarada, tiveram sua explosão nessa famigerada era.

Já dei alguns exemplos nesse próprio blog, mas faltou alguns detalhes, em verdade amigo, falta bastante coisa que vou colocando aos poucos, da maneira que vou adentrando nessa coisa de arte sequencial. Enfim, gostaria de comentar sobre "Mister X", obra de Dean Morter e Paul Rivoche. O resumo da pendenga: homem projeta uma cidadela retro-futurista onde perambula por ela analisando como a cidade influencia as pessoas. Além disso há uma pitada de noir: crimes acontecem, tramas complexas e "Mister X" busca salvar sua cidade,as pessoas que vivem nela e talvez a si mesmo nesse processo. Um personagem em busca de redenção e sua obra. Conceito interessante.

Tanto Dean quanto Paul eram designers, inclusive tinham um estúdio. Conceberam a história e o conceito gráfico juntos; Dean escreveria enquanto Paul desenharia. A idéia do conceito por trás de Mister X era criar uma obra que cumprisse uma premissa: através de referências de designers( Bauhauss e Contrutivismo Russo, por exemplo) criar uma história interessante e uma narrativa válida, porém acabou saindo errado. Dean brigou com Paul e todo o projeto do desenho, exceto as capas, ficaram na mão de artistas competentes, contudo tais artistas estavam longe de entender o conceito criado pela dupla. Conceito esse interessante, mas mal aplicado, usado talvez também na mídia errada, meu caro colega. O que acha?

Aí que volto a sua frase, bêbados estávamos, mas vc falou aquela frase. Na época não levamos à sério. Mas será que tem que se enquadrar pra escrever num blog? Existe uma função e uma forma de fazer isso? Besteiras, lembranças minha. Tudo isso é saudades de Toronto, eu sei. Saudade: uma palavra que você nunca entendeu.

Entender, não é? Outro problema com as palavras e o dizer. Parece que muito mais do quero ou não dizer é determinado em qual meio eu aplico a mensagem e não por aquilo que quero dizer,ou seja, o meio é a mensagem e voltamos aquela conversa de bar: o Mobral de comunicação daquele dia.

Enfim, parece que cada coisa tem seu devido lugar, não é amigo? Os filmes, no cinema; os livros, na impressão; os blogs, na internet. Ora, se cada um tem o seu lugar, um blog não pretende ser Machado de Assis, Sarte, cia. Um blog, parece, é um blog mesmo que ele abarque o universo. E costuma abarcar mesmo. Acho que é por isso que temos dificuldades de ler textos concebidos em livros quando estão em formato digital, não é? Isso sem falar na temporalidade, pois aquele dia fica pra outro post, ainda não sei o porquê de você ter chamado o Kerchcove para sair com a gente. Enfim, tudo dentro do seu quadrado.

Falando nisso recomendo ver a Dança do Quadrado: além de ter a ver com post é engraçado. Sei, tem coisa pra pensar sobre isso, coisas além do riso e dos reflexos no texto( o video é bem engraçado, pena que vc não pode ver, eu acho). E sei, camarada canadense, que eles apelaram colocando um anão( lembro vc falando disso: "Filme com anão é apelação"), mas dá muito mais texto, video, game, torpedo para discutir e posteriores masturbarções intelectuais. Sem mais, por enquanto. Pena que a gente não pode beber mais.


Abraços,
Camarada Moderado



sexta-feira, 16 de maio de 2008

Quando o Amor Vem a Caráter

Sob as bênçãos do Código Hays, uma deliciosa comedy of remarriage:

Quando o Amor Vem a Caráter.

Estrelando Katharine Hepburn como Mulher-Aranha,



Camarada Fundamentalista como Homem do Campo de Força Invisível,



James Stewart como Hipnótico,

Cary Grant como C.K. Dexter Haven.



E introduzindo Ruth Hussey como Coisinha Fofa.

.

E participação especial de Gary Cooper como o Reverendo.


(Filadélfia, 1940. Sala de estar sudoeste da mansão dos Lord. Ao fundo, uma grande janela que revela o jardim. Trace Lord, ou Mulher-Aranha, de pé, bem atrás da poltrona onde está sentado o Homem do Campo de Força Invisível, com os sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido empilhados sobre o colo, mostrando como ele é erudito e tudo.)

Homem do Campo de Força Invisível: O velho Lord já sabe que você é uma mutante do mal, Trace?

Mulher-Aranha: É claro que não. Se soubesse, eu não teria o controle das empresas. Seria um escândalo para ele se descobrissem que eu, sua filhinha amada, sou uma mutante com os poderes e a força de uma aranha.

HCFI: Não sei até quando você vai conseguir sustentar essa farsa, minha querida. De qualquer forma, pode contar sempre comigo. Desde a primeira vez que eu te vi, eu quis te encher de beijo. E não vou te deixar na mão, não.

MA: (Beija-o) Obrigada, eu sei que sempre vou poder contar contigo, Homem do Campo de Força Invisível. Mas o que me preocupa mesmo é Dexter, que talvez queira impedir nosso casamento.

HCFI: C.K. Dexter Haven pode até ser seu primeiro marido, mas não tem mais direitos sobre você, desde que o bom juiz do Estado da Filadélfia lhe concedeu o divórcio. Com ou sem a preciosa ajuda do Hipnótico, a decisão não poderia ter sido outra, afinal, ele enfiou a mão na tua cara.

(Entra o Hipnótico.)

Hipnótico: Os dois pombinhos falavam de mim quando deveriam estar falando do casamento? (Cumprimenta Trace e o Homem do Campo de Força Invisível)

MA: Ah, Hipnótico, falávamos de como você nos ajudou no julgamento com seus olhos hipnóticos poderosíssimos.

Hipnótico: É mesmo. Mas a verdade é que nos arriscamos muito no tribunal. Mesmo meus poderes de hipnose sendo incríveis e devastadores, quase me pegaram naquele dia. É claro que se não houvesse outros mutantes do mal ali, ninguém teria desconfiado. Uma grande concentração de superpoderes se formou dentro da sala, desencadeando muitos efeitos colaterais terríveis. Mas tudo correu bem, graças ao bom Deus. (Senta-se) Mas e o casamento?

HCFI: Os convites foram enviados ontem, não é, querida?

MA: Sim. E é claro que Dexter não foi convidado. Nem ele nem seus mutantes criados em laboratório, muito diferentes de nós, que nos tornamos mutantes depois da explosão da usina nuclear. Foi quando meu relacionamento com Dexter começou a se desgastar. Não conseguimos lidar com o fato de eu ser uma mutante e ter estes enormes poderes. Não foi nada fácil. Eu, uma aranha, uma mulher. Uma mulher-aranha. (Com olhar melancólico) Com os poderes e a força de uma aranha. Insaciável, mas solitária como uma aranha em sua teia de desejo.

HCFI: (Volta-se para Trace) Mas agora você tem eu do seu lado. (Para o Hipnótico) A aranha é realmente uma criatura fascinante. São mais de 40.000 espécies diferentes. É um erro comum acharem que elas são insetos, mas, diferentes dos insetos, que possuem seis patas, as aranhas possuem oito patas. Além disso, elas produzem uma teia muito poderosa, cinco vezes mais forte que o aço.

O elenco de estrelas de Quando o Amor Vem a Caráter.

(Entra C.K. Dexter Haven, acompanhado da Coisinha Fofa, sua assistente na revista Spy.)

C.K. Dexter Haven: Vejo que a galera do mal está toda reunida.

MA: Não venha com seus sarcasmos, Dexter. Estávamos até agora entre amigos, até você chegar.

C.K. Dexter Haven: Por favor, desde quando éramos casados, eu temia ser picado por essa aranha ou por qualquer um desses mutantes horríveis. Não queria ser infectado. Podia ser um vírus, como a dengue ou a lequitospirose. Seja gentil pelo menos uma vez.

MA: Está bem. O que o traz aqui, Dexter?

C.K. Dexter Haven: Esta é Coisinha Fofa, eu a conheci em minha viagem à Itália. Ela estuda as Artes.

Coisinha Fofa: As Artes me interessam muito.

HCFI: Qual das Artes mais te interessa, senhorita Fofa?

Coisinha Fofa: Ah, todas as Artes me interessam muito. O Dexter aqui, ele sempre fala que detesta cinema, mas eu adoro ver filmes, muitos filmes.

HCFI: Pois Fomos Ao Cinema ontem mesmo. (Para Trace) Que filme vimos, querida?

MA: Não vamos aborrecer os convidados com nossas miudezas cotidianas. (Caminha em direção ao gramofone) Vocês já ouviram essa nova banda, Siouxsie and the Banshees? Parece que tem um ex-padre na formação. Particularmente acho o teclado em “Kiss Them For Me” sublime. Querem ouvir um pouco?

C.K. Dexter Haven: Agora me lembro por que costumava enfiar a mão na tua cara.

(Furiosa, Trace se transforma em Mulher-Aranha. Duas de suas patas gigantescas atravessam a parede do jardim. Avança sobre Dexter Haven.)

Coisinha Fofa: Mas eu adoraria.

HCFI: (Limpando os escombros do terno) Não se exalte, querida. Vamos, não quero ter que apelar aos poderes de hipnose do Hipnótico. Coloque a música para que todos possamos ouvir.

MA: (Para Dexter Haven) Pelo menos, sua amiguinha tem mais educação que você. (Para Coisinha Fofa) Querida, você é mais um casinho do Dexter ou uma de suas mutantes de laboratório a serviço dos desígnios de um louco?

Coisinha Fofa: Imagina, nem superpoderes eu tenho. Na verdade, estou aqui por sua causa, Mulher-Aranha.

Hipnótico: (À parte) Hum, será que vai rolar um beijinho? He, he, he.

C.K. Dexter Haven: (Assustado) Olhe o que você vai dizer, Coisinha Fofa.

Coisinha Fofa: (Maliciosa) O que foi, Dexter? Não quer que eles saibam que eu trabalho pra Polícia Especial dos Estados Unidos?

C.K. Dexter Haven: Não, que você trabalha comigo na revista Spy. (Dando-se conta do que ela acaba de dizer, fica confuso) Mas o que você disse? Polícia Especial dos Estados Unidos?

HCFI: A mesma que caça mutantes do mal como eu e minha querida Trace. Ora, ora.

MA: Como você pôde, Dexter? Trazer esta mulher aqui? Mas que golpe sujo!

C.K. Dexter Haven: Mas Coisinha Fofa trabalhava comigo na revista Spy. Eu não sabia que ela era uma polícia disfarçada.

Coisinha Fofa: Exatamente. Disfarçada. Agente Especial Coisinha Fofa, da Polícia Especial dos Estados Unidos. Vocês estão todos detidos.

MA: Hipnótico, use seus poderes de hipnose sobre ela e nos salve mais uma vez com suas fantásticas habilidades!

Hipnótico: Pode deixar. (Para Coisinha Fofa, desafiador) Quero ver você resistir aos meus poderes hipnóticos, benzinho!

(Coisinha Fofa saca o revólver e o aponta para o Hipnótico.)

HCFI: Vamos ver se suas balas podem atravessar o meu campo de força invisível, senhorita Fofa.

(Coisinha Fofa dispara. Mas as balas se chocam contra o campo de força invisível.)

MA: Vou prendê-la com a minha poderosa teia cinco vezes mais forte que o aço. Ela não conseguirá se soltar.

(Mulher-Aranha lança sua teia. Coisinha Fofa fica completamente imobilizada.)

Hipnótico: Vou agora hipnotizá-la e fazer com que ela esqueça que nos conheceu e que somos mutantes do mal vivendo como aristocratas no grande e próspero Estado da Filadélfia.

HCFI: Faça isso, Hipnótico.

(Hipnótico sai, carregando Coisinha Fofa nos braços.)

C.K. Dexter Haven: (Angustiado) Eu sinto muito por tudo isso. Eu só queria me vingar de você, Trace, por você ter se divorciado de mim, porque eu não tinha superpoderes como o Homem do Campo de Força Invisível, que pode criar terríveis campos de força invisíveis e nos proteger de balas de revolverês. Por isso vim aqui fazer uma matéria para a revista Spy sobre o seu casamento.

MA: Mas Dexter, você é mesmo um bobo. Eu não me separei de você por você não ter superpoderes. Você é que não conseguia lidar com o fato de eu possuir esses incríveis superpoderes. Dexter, na verdade, eu ainda te amo. (Recolhe suas gigantescas pernas de aranha)

C.K. Dexter Haven: Eu também te amo, Trace Lord. (Beijam-se)

MA: (Para Homem do Campo de Força Invisível) Ô, meu querido Homem do Campo de Força Invisível, nós não podemos nos casar. Eu ainda amo o Dexter.

HCFI: Acho que eu sempre soube disso, mas só esperava ter mais tempo para conquistar seu coração e fazê-la esquecer de C.K. Dexter Haven.

(Hipnótico volta acompanhado de Coisinha Fofa restabelecida, mas visivelmente confusa, e do Reverendo.)

Hipnótico: Achei melhor trazer o Reverendo.

Coisinha Fofa: Quem são todos vocês?

HCFI: Não se preocupe, querida. Meu nome é Camarada Fundamentalista, e você está entre amigos. Com certeza nenhum deles um mutante abominável. (Todos riem) Agora, tratemos de começar essa cerimônia. (Para Trace) A noiva não se importa de casar em roupa de dia de semana?

MA: De jeito nenhum. Tudo o que me importa é poder passar o resto da minha vida com este homem maravilhoso.

HCFI: E o noivo?

C.K. Dexter Haven: (Para Trace) Por que me importaria, se você está absolutamente linda?

Reverendo: Bem, se todos estão portanto de acordo, vamos começar.

Hipnótico: Um momento, Reverendo. (Para o Homem do Campo de Força Invisível) E você, camarada? Temos aqui a senhorita Fofa, afinal de contas?

HCFI: O que acha, senhorita Fofa?

Coisinha Fofa: (Hesitante) Bem... mas é claro!

Hipnótico: Do contrário, eu dava um jeito, afinal eu tenho poderes de hipnose. (Todos riem)

Fim.

Fade out. Créditos.

Resenha: Rockferry

Rockferry (2008) é o primeiro álbum da cantora galesa Duffy, sensação entre a imprensa internacional. “Comprei” ontem e já o ouvi umas três vezes. De recepção muito fácil, aliás. Com excelente produção e uma sonoridade deliciosa que nos remete à encantadora vida dos mendigos, Duffy realmente tem uma voz “mais branca” que a de Amy Winehouse, a quem é naturalmente comparada. A batida é também mais suave, com uma levada bem característica desse pessoalzinho que revira lixo atrás de restos de comida e assim tira a barriga da miséria.

Baladenha de mindingo.

Eu me vi encapuzado numa noite fria, caminhando pelas ruas ainda molhadas pela chuva e vendo o rosto da minha amada nas vitrines, nos outdoors, em toda a parte. Quando, de repente, um mendigo me estende a mão, mas eu digo que não tenho nada e sigo adiante, transtornado, com as mãos no bolso. Mas então surge outro mendigo, e depois outro, e depois mais outro. Num instante, estou cercado por uma multidão de mendigos com as mãos estendidas em minha direção, e eu tentando me desvencilhar deles. É quando começa a tocar “Stepping Stone”, quarta faixa de Rockferry.

Os mendigos que dançavam na minha análise impressionista de Rockferry.

Todos nós cantamos. Rola uma coreografia básica, e começa a circular um fuminho pra rapaziada relaxar. E na última faixa, “Distant Dreamer”, já tá todo mundo bem doido. Jogando os braços pro alto, daqui pra lá, de lá pra cá, a gente canta “I'm a dreamer / A distant dreamer / Dreaming for hope / From today”, antes da polícia vir e dispersar a gente na base da porrada. Bem bonito.

Esse espírito gregário se traduz principalmente na voz de Duffy, que seduz tanto o povo das ruas como engravatados querendo chegar logo em casa. O lirismo soul, falando de amores mal curados, completa o pacote aquecendo os corações solitários debaixo dos trapos enxovalhados.

Vale por uma obra social. Recomendado.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O Nada

THE SOUP

Sejamos sinceros, sem brincadeira. Você já reparou que, nos rodízios de carnes por aí, os garçons que cuidam da picanha são uns safados exibicionistas? Chegam na sua mesa com aquela cara de "chegou o que vocês queriam!', como se estivessem carregando o Santo Graal ou coisa que o valha, e ai, se você recusa um pedaço, fazem aquela cara de incredulidade, como se fossem mortalmente ofedidos, tendo ainda a pachorra de soltar épicos "certeza?" em seguida. Pô, eu tenho ou não tenho o direito de não gostar do negócio? Qual é o crime? Tá, é o corte mais famoso do pedaço sempre, mas não preciso necessariamente seguir o instinto dissonante. O paladar é meu, e dele faço o que quiser.

Enquanto isso, os pobres coitados que levam os tenders com abacaxis (corte que ocupa a honrosa lanterna na ordem de preferência da clientela de qualquer estabelecimento) chegam na mesa quase pedindo desculpas, como se estivessem interrompendo algo importantíssimo para trazer algo que, com certeza, ninguém vai querer. São recebidos com uma agressividade brutal pelos clientes, chutados feito cão sem rabo. Sério, eles não se contentam em recusar o prato, ainda o fazem com uma raiva totalmente desproporcional. Sempre de cabeça baixa, andando entre as mesas, quase que implorando para não serem notados, e invariavelmente voltando para a cozinha com o espeto cheio. Imagine esses pobres espíritos chegando nas suas casas, olhando para os seus filhos, encarando suas esposas, as reuniões de família, com os cunhados sacanas celebrando seus empregos maravilhosos e suas vidas perfeitas, e eles lá, jogados num canto, mudos, ignorados por todos. Não é fácil, mesmo.


THE SWITCH

Inacreditável. Eu não entendo essa celeuma toda quando tem o Mc Dia feliz, aquela data na qual todo o dinheiro arrecadado na venda dos Big Macs vai para trabalhos de caridade. Nunca gostei do bagulho, sempre preferi os quarteirões da vida, e por isso evito como o diabo fugindo da cruz ir na lanchonete junk nesse dia. Quando tive a infelicidade de ir no famigerado dia, e pedir um lanche que não o Big Mac, caramba, parecia que eu tinha ofendido a mãe de todos os presentes, clientes E funcionários, me olhando como se eu fosse um alto general do comando nazista, ou coisa que o valha. Senti o peso de todas as mazelas do mundo nas minhas costas.

Na mesa, a tortura continuou, com todos os olhares de desaprovação do mundo na minha direção. Imaginei as pobres criancinhas das instuições de caridade beneficiadas com o negócio, me olhando, tristes e inconsoláveis com os 8 reais e pouco (descontando impostos) que elas não puderam aproveitar porque um infeliz como eu não optou por comer um lanche tão saboroso e deglutivo como esse. Pura birra, elas devem ter pensado. Guilhotina!, gritariam os partidários de Robespierre. Crime: gostar de comer Quarteirão com Queijo.


THE CONTEST

Fôra de brincadeira. Algumas mulheres acham que o mundo deve algo para elas, como se a simples presença das mesmas nessa terra fosse merecedora de tributos e homenagens eternas. Josefines, desfilando para nós, Napoleões babões. Sério, juro que isso me deixa esguiniçado muitas vezes. Outro dia fui comprar um DVD numa livraria gigantesca na Avenida Paulista (livraria que pretende passar, digamos, muita CULTURA para os seus clientes, se é que vocês me entendem), e fui atendido por uma caixa, que tinha uma certa distinção, mas nada que fizesse você perder sua cabeça, nem coisa que o valha. Ela passou o cartão, pegou a nota, colocou o DVD num saco plástico e me deu, dando o famoso "obrigado, e boa tarde" de praxe e pediu pro próximo cliente vir, tudo da maneira mais seca possível, como se eu estivesse fazendo um favor ao comprar na livraria, e como se ela estivesse fazendo um favor maior ainda ao me atender.

Eu fiquei parando olhando pra ela, pois algo estava faltando. Ela falou de novo o "muito obrigado e boa tarde", da maneira mais estúpida possivel. Repetiu então, antes de eu poder falar algo, pela terceira vez, com um tom de fazer a Greta Garbo vibrar, como se eu fosse um bandido, ou coisa que o valha. Como eu ousava ficar parado ali? No mínimo devia estar flertando com ela, e ela não é lá mulher de ficar tendo de suportar gracejos de qualquer um, ainda mais num ambiente de trabalho. Pois bem, quando a diva ficou quieta, pude enfiar soltar o meu tão desejado "eu acho que você não devolveu o meu cartão". Ela então olhou em volta, e lá estava o meu cartão, em cima do teclado do computador. A cara dela, vocês não têm nenhuma noção. Pediu desculpas, e eu desacreditei, meu, bem Boça mesmo. Disse um "imagine, acontece" carregadíssimo, e soltei um épico, um glorioso, um Cecil B. De Milleânico "muito obrigada, e boa tarde!' e me mandei de lá. PRÓXIMO!

Ante as ruas desertas, Frank era levado embora. It turned out so right, for Strangers in the Night



THE OPPOSITE

Lindo mesmo. O que acontece com as propagandas de pasta de dente? Por que todas elas são passadas em praias paradisíacas, cheia de gente jovem e bonita surfando, paquerando e tirando onda? Com toda a sinceridade do mundo: alguém já viu qualquer pessoa que seja escovando os seus dentes numa praia? Tipo, todo mundo jogando um futiba na areia, sol a pino, ai o cidadão para o negócio no meio e diz pra rapaziada, "pera aê, gente, vou ali no guarda-sol escovar os dentes e já volto". O cara ia ser tirado pra vacilão, com certeza. O quê, eu estou errado? Na verdade, essas propagandas se justificam por propôrem uma alegoria subliminar (imaginada pelos geniais publicitários fãs do Men At Work de plantão), que se constituiria em criar uma correlação entre a sensação de refrescância que essas marcas supostamente provocariam nos consumidores, e a imagem de bem-estar passada por uma praia ensolarada? Quer dizer então, que quando eu uso a pasta, vou sentir nos meus dentes um monte de gente fazendo xixi na água, comendo frango na areia, enterrando o tio cachaceiro de brincadeira na areia, e tudo mais? É isso mesmo, que eles querem que eu imagine que eu sentiria usando aquela marca? Boa tentativa, mas não vejo a menor vantagem. Ponto para as poucas marcas que colocam aqueles atores entediados fingindo-se passar por dentistas, dizendo sempre recomendar para os seus pacientes aquela determinada marca, que limpa muito mais e não deixa resíduos de sujeira, além de se ajustar ergonômicamente para cada tipo de dentição, inclusive a sua. Vai dizer que aqueles tonhos são dentistas mesmo? Sei. Mas é mais justo, isso é fato.



THE MERV GRIFFIN SHOW

Dos blogs aos blogs. Sério, qual o problema com eles? Melhor, qual o problema com os incautos que escrevem nesses lugares cheios de códigos binários, hexadecimais e o escambau? Eles realmente acham que alguém se importa com o que eles escrevem, com suas opiniões e preocupações acerca do mundo? Com suas poesias porcas, sujas como celeiro de cavalos? Com todas as preocupações que ocupam as mentes do homem moderno nesse mundo moderno e contemporâneo E pós-capitalista-neo-liberalista? Quando você tem toda a literatura universal à sua disposição, em qualquer biblioteca na esquina, para aliviar as suas dores? Por que suas palavras interessariam a alguém que um dia colocou seus olhos num Shakespeare, num Proust, num Machado de Assis da vida? Sério, existe muita arrogância no simples fato de se dar ao trabalho de criar um espaço assim. Por isso, glorifico os blogs das meninas tonhas que descrevem suas inúteis atividades do seu dia-a-dia, tipo, "ai, hoje levei o meu Chiuahua Justin Timberlake pra dar uma voltinha na rua, e ele estava impossível, viu? Menino mau, cada poste era um show". Essas garotas são o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band dos blogs. E elas esperam, com todo o coração, que vocês tenham apreciado o show.


14/05/1998 - Era tudo aquele nada

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Mim minus Mim?

Perdido. Tal palavra basta para me definir, com certeza. De qualquer maneira, os trâmites findam nesse mesmo caminho. São 23, 24 anos e continuo com o mesmo papo de adolescente reclamão: que no mundo não encontro lugar, meu espaço dissolve-se no tempo e vêm todo aquele processo pós-moderno previsível; mas deixo de lado, ora, não sou padre e nem virgem pra brincar de vida interior. Se existe algo que me incomoda ela existe além de mim, algo que não tenho controle total, como se a cabeça se estendesse para o meio exterior: seja pelo meio da consciência coletiva, seja pela comunicação. Sinto constantemente embriagado, por isso fora de um controle social rígido e diário, na qual as pessoas se habituam, querendo elas ou não.



Uma pianola no meio da rua? Mas ninguém por perto, será que posso toca-la?Uma música, um sentido?



Não vou falar que tudo isso me atrapalha, uma grande massa disforme que interage comigo. Posso dizer uma náusea, agora fui exagerado e literário; sim, uma náusea me atrapalha, vomitei tudo aquilo que o Sarte repete desde 48: "sinto ali na parede, nos suspensórios, por todo lado ao redor de mim. Ela forma um todo com o café: sou eu que estou nela". Já disse, o problema é meu mas não está ao meu alcance, ele me cobre, me tange, me cega, pois não vejo na sua totalidade. Que melhor forma de busca-la, pra resolve-la que um diário, anotar todos aqueles pensamentos sobre tudo e todos. Problema pessoal resolvido? Nem precisou comprar "Quem roubou meu queijo"?

Se não me encaixo como posso ter um diário? Todos tem um diário; algo entre um blog ou um confessionário, pelo menos todos aqueles reprimidos, reprimidos até por alguma coisa que não sabem o que exatamente seja: repressão silenciosa que toma forma. Gosto de pensar nos escritores como um bando de "não-fiz por-isso-escrevo", talvez não esteja tão longe de um definição, assim como uma generalização brutal; um pensamento universalista, portanto definidor, pautado pelo isso ou aquilo, dicotomia do velho mestre Platão. Dois mil e quinhentos anos depois e volto pro grego barbudo que falava do professor em diálogos, que patético...



Momentum, o tempo importa... o sentido, mas que sentido, meu caro, tudo vira pra direita...


Tivesse eu uma mulher namorada tudo se resolveria, não é mesmo? Transaria mais, pensaria menos; pensar, parece que quando penso, tento resolver as coisas. Se algo se impõe, não respondo e quando tento, me frusto. Continuo, ora de que maneira mais fácil é esta: existo, logo continuo; caminho caindo, batendo nas paredes, adentrando no labirinto; por enquanto sozinho, fugir junto é sempre mais complicado. Poderia culpar a arte, sim esta sim, tudo movimento, ams tudo se movimenta e as pessoas continuam, a culpa minha de certa forma. Se existo, o mundo que me sufoca o qual não controlo, também é culpa minha. Não é a arte, a falta de comunicação, a sociedade, enfim, algo se impõe, vou esbarrando, batendo a cabeça, cedo eu ou o meu obstáculo. Como gosto da minha pessoa espero que seja o segundo.

Da total inexpressão a quase esquizofrenia, gosto de pensar como alguém a ser salvo, por mim mesmo assim espero. Burguês esclarecido, vai, empina a bunda, mostra o suor no rosto, as mãos cheias de calos e, sim, todo aquele dinheiro amassado. Sou daqueles chatos que querem construir alguma coisa, ver um trabalho meu, digo também, chato e egocêntrico; pois, além de tudo, quero ver o que consegui construir: penso em erguer um puxadinho; filho é muito custo e responsabilidade e nem fale dos feijões, não sou um bom criador de toda forma, por isso vou erguer um puxadinho na minha casa, vai ser minha marca.





Deite e relaxe...imagine, se vc não existisse?


Depois de montar meu puxadinho, talvez me sinta meio perdido, menos esvaziado; menos desfocados, com uma identidade menos deformada, desinformada, passo para a ficção: imagine o mundo sem vc? Do cinema para a vida, da vida para outro meio, mediando tudo. Quero dizer, já pensou nisso, é psicologia de boteco ou de filme barato, mas é um argumento interessante que pras pessoas perdidas, é um último escape, já que as palavras bastam, segue um rumo fora do blog.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Complexo de Orfeu

Mes amis, ainda na esperança de civilizá-los, quero compartilhar mais uma teoria muito fina que acabei de conceber. Diagnostiquei, para horror da comunidade médica, que negligenciou fenômeno tão gritante, mais um complexo, que ora chamo complexo de Orfeu, para preservar a tradição freudiana de se remeter à vigorosa potencialidade simbólica do mito, apesar de Freud ser um filisteu. Adiante.

Camarada Fundamentalista demonstrando, por meio de fotos, como o complexo de Orfeu prejudica nas práticas esportivas.

Conhecem a história de Orfeu e Eurídice? Creio que não. De todo modo, facilitarei para vocês. Diz a Wikipédia: apaixonados, Orfeu e Eurídice se casam. No entanto, em razão de sua grande beleza, Eurídice começa a ser assediada por Aristeu, apicultor (profissão em voga naquela época), cujos favores são por ela recusados, o que o leva a persegui-la. Fugindo dele, Eurídice tropeça numa serpente, é mordida e morre. Em desespero, Orfeu toma sua lira e desce aos infernos para trazer sua amada de volta. Nesse meio-tempo, terá ele de convencer Caronte, o barqueiro, a conduzi-lo pelo rio Estige; enfrentar Cérbero, o cão de três cabeças; e, finalmente, apelar junto a Hades pela vida de Eurídice. Perséfone, esposa do deus, intercede em favor de Orfeu, e Hades se compadece. Sob uma condição, entretanto: ao longo de todo o caminho de volta, Orfeu irá à frente de Eurídice, sem poder, em momento algum, olhar para trás. Mas, quase ao fim do trajeto, para se certificar de que Hades não o enganara, Orfeu se vira. No mesmo instante, o fantasma de Eurídice dissipa-se na escuridão. Bravo.

Toni Garrido e Patrícia França no filme de Carlos Diegues, Orfeu (1999).

Mes amis, o que eu chamo de complexo de Orfeu integra a própria constituição da masculinidade dos homens decentes, incluindo os cafajestes de bom coração, como as mulheres crêem existir, porque não é o momento para derrubarmos falsos ídolos. Trata-se de um complexo de salvador, quando o indivíduo pretende que sua parceira (efetiva ou em potencial) corre algum perigo e que ele é responsável por protegê-la. Observem que o fenômeno é estreitamente ligado ao já exaustivamente assinalado papel de protetor que primitivamente o macho exerce em relação à fêmea. No entanto, enfatizamos a diferença, sendo o complexo de Orfeu uma especialização, ou refinamento. Uma especialização das sociedades complexas, em que o perigo quase sempre não é real. Mas não nos adiantemos.

Para que fique claro, preparei uma pequena lista de sete filmes que exemplificam o fenômeno. Espero que vocês tenham visto todos, pois não vou incluir sinopses para os ignorantões.

Como disse, e creio ser essa a característica distintiva do complexo, o suposto perigo a que está submetida a mulher, no caso, Eurídice, é em grande parte construído na mente do homem, no caso, Orfeu.

Eurídice costuma ser indiferente ou mesmo resistente à salvação, como em Au Hasard Balthazar. No final do filme, Marie foge das únicas pessoas que lhe quiseram bem em toda a sua trajetória auto-destrutiva. Infelizmente, nesta singela obra-prima de Bresson, Orfeu é um bundão.

Orfeu e Eurídice, de Bresson.

Convidei uma feminista, perspectiva a mais distinta possível da minha, para assistir comigo a cada um dos filmes, a fim de referendar a isenção das minhas observações. Coçando o queixo peludo, ela assentiu. Ao final das sete sessões, realizadas ao longo de uma semana, tendo eu feito minhas considerações, concluímos ambos o seguinte:

“A mulher precisa ser salva.”

“O homem é o salvador da mulher.”

Foi o que a filmografia selecionada propunha e o que o complexo de Orfeu por mim identificado circunscrevia com a elegância peculiar às teorias geniais. O complexo de salvador responde ao príncipe encantado que as mulheres fantasiam. São tolices complementares.


***


Superestimado: como se James Stewart pudesse com duas Kim Novak, pff!

Em Vertigo, de Hitchcock, e Solyaris, de Tarkovski, vamos encontrar a mulher morta e seu duplo, introduzido como uma segunda chance para Orfeu. No entanto, em ambos os casos, o duplo se mostra falho em substituir a original, e a insistência nessa última constitui um estado doentio, com conseqüências trágicas, ainda que libertadoras. Embora eu sempre tenha preferido Judy Barton, claro que sem a sombra verde, por favor, a Madeleine Elster, muito governanta alemã pro meu gosto.


Há que se salvar Eurídice de muitas coisas, inclusive da confusão mental. Para tanto, em Hiroshima, mon Amour, Orfeu torna-se terapeuta e faz sua Eurídice elaborar indefinidamente, até que se tenha libertado da amargura do passado. A breguice enrustidíssima dos franceses, isto é, de Duras e Resnais. Se filme de nouvelle vague tivesse final, diria que, aqui, Orfeu foi bem-sucedido.

Eis agora um filme que ameaçou derrubar completamente o conceito do complexo de Orfeu, que a princípio admitia exclusivamente a devoção de Orfeu a Eurídice. Com Rocco e i suoi Fratelli, percebi que Eurídice não é o elemento nuclear da fabulação que o complexo engendra, óóó, engendra. Antes, ela é só uma peça da constante aspiração humana ao Ideal.

A fantasia corre independentemente de Eurídice, que é uma resposta idealizada a uma existência confusa, sem perspectivas; a mulher é tomada como um escape e ao mesmo tempo como uma promessa de ventura, como a Sylvia, de La Dolce Vita. Na cena mais célebre do filme, na Fontana di Trevi, Marcello Mastroianni faz juras de amor a uma mulher que não entende uma só palavra do que ele diz. Nessa mesma linha, temos o protagonista de La Prima Notte di Quiete, de Valerio Zurlini, interpretado por Alain Delon, um professor que se apaixona por uma aluna na qual ele enxerga um ideal de pureza, contra todas as probabilidades. Nhami, nhami.

Ah, perva mia! Perva mia!

A propósito do filme de Zurlini, fica também claro que Orfeu é um idealista sem ideologias. Não raro acontece de ser um cético, próximo ao niilismo, como é o personagem de Alain Delon, ainda que a contragosto. Pois céticos são freqüentemente senão idealistas radicais, e niilistas invariavelmente se refugiam na estética. Acreditam na Beleza. E como lhes é fácil, principalmente para os desgostosos, ir da Beleza à Pureza, ao Bom, e daí ao Transcendente, o que secretamente buscavam. Mas noto que já bocejam, meus beócios leitores.

Assim, em Rocco e i suoi Fratelli, as obrigações familiares ficam à frente de Nadia, que é inutilmente sacrificada por Rocco em lugar do irmão canalha, Simone. Porque o anseio de se fazer salvador é constantemente indiferente a quem será salvo. E há quem ache justo colocar a família acima da justiça. Deixo que vocês mesmos o julguem, meus caros.


Annie Girardot e Alain "Filhinho-da-Mamãe" Delon.

Pretender que a mulher precise ser salva é uma forma de se tornar merecedor do Ideal que ela representa. Mas, melancólico epílogo, o desejo de salvá-la não se concilia com o desejo de possui-la. Como o mito e os casos – sim, os filmes são casos – mostram, Orfeu sempre fracassa. Por isso, quero encerrar com aquele que considero o anti-Orfeu, na medida em que não fracassou: Rick, de Casablanca. A ética do “Sempre teremos Paris” nos diz que, para merecer o Ideal, é preciso renunciar a ele. Nossa.