quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

E no apagar das luzes do ano da graça de 2008, eles Foram ao Cinema ver Marley & Eu

A noite adentrava, quieta e sonolenta, no último dia do ano. E as pessoas, comovidas com o espetáculo dramático que tinham acabado de presenciar, derramavam-se em lágrimas e fungadas na escura sala de cinema. Casais em prantos, famílias inteiras em desalento, uma sinfonia de sentida comoção. Ante tamanha demonstração de transe coletivo, Camarada Progressista resolve agir, e revoltado com essa palhaçada toda, levanta de sua cadeira e aponta para a multidão, de maneira imperativa e perniciosa, bradando em alto tom e bom som: " caçamba, se esses jões estão chorando por esse cachorro mala, imagina o que não fizeram quando acabou o Lista de Schindler! Devem ter se jogado nas paredes, esmurrado as cadeiras, babado uns nos outros e o escambau!".

Marley e Eu, assim como o livro que inspirou a história (escrito pelo John Croogan, no filme interpretado pelo Owen Wilson) e que vendeu dois zilhões de cópias no mundo todo, é meticulosamente construído para provocar as bacias de lágrimas que nós presenciamos no final da projeção. As fungadas, os soluços... sério, parecia um funeral coletivo. Esse espetáculo de manipulação promovido pelos realizadores é tão deprimente que meio que acaba fazendo você quase esquecer os méritos do filme, que, mesmo longe até de ser considerado um bom filme, é acima da média da produção habitual dos filmes mainstream. Algo que também podia ser dito do filme anterior do diretor David Frankel, O Diabo Veste Prada. É, pelo jeito o cidadão tem uma queda em fazer filmes inspirados em livros de linguagem mais pop e que venderam horrores. Não que isso seja lá muito elevado em termos artísticos, mas como ninguém ai parece se importar muito, então Frankel se mostra cada vez mais um especialista em entreter o povão, como se fosse uma espécie de Adryan Line, bem menos sacana e mais limpinho, dos anos 00. Mas quais são os méritos desse filme? E quais são os motivos da sua épica derrocada? Veremos.

Rachel e Ross


Méritos

Alan Arkin é mestre. Ele faz a arte da atuação parecer brincadeira de criança. Como todo craque, não precisa de esforço nenhum para provocar os melhores momentos cômicos do filme, que falha muito nesse aspecto. Bravo, Pequena Miss Sunshine, por ressuscitar a carreira do homem.

Jennifer Aniston é muito subestimada. Ela na verdade é a grande responsável pelo turbilhão de emoções causadas na última parte do filme. Não fosse tão convincente o seu retrato da mulher-com-pretensões-de-carreira-que-abre-mão-de-tudo-em-nome-dos-filhos, o impacto do final seria bem menor. Podemos dizer que ela é o coração desse filme? Sim, podemos. Agora só falta ela parar de trocar farpas com a bocuda da Jolie nos jornais, e tudo ficará bem.

Falhas

Vocês lembram do fim dos anos 90, quando o Owen Wilson tentou emplacar como ator sério e falhou horrendamente? E ai se redescobriu nos anos 00, criando uma persona relaxada nos filmes de comédia que fez com a turma do frat pack (Vince Vaughan, Ben Stiller, Jack Black, seu irmão Luke Wilson e o Will Ferrel) e faturando horrores nas bilheterias? Pois bem, dito tudo isso e deixando os filmes do Wes Anderson de lado, concluímos que o suicida Owen não é lá muito eficente como ator dramático. E isso se faz sentir com força nesse filme. Não fosse a Jennifer Aniston... E eu volto a afirmar o que disse em textos do ano que passou: ele não parece ter se recuperado dos problemas que o levaram à tentativa de suicídio. Sério, internem o cara na primeira clínica de reabilitação que estiver por perto. Depois não digam que eu não avisei.

Eu poderia criticar a lógica do roteiro, que permite aos espectadores presenciarem um casal expor os seus filhos a um psicopata travestido de cachorro como o visto no filme. Mas ai eu lembro que isso realmente aconteceu na vida real,e vejo que o nosso querido amigo Croogan era na verdade um péssimo pai. E nos exibe, com orgulho, toda a sua falta de noção. E a angústia suburbana de Croogan, mesmo com os seus belos empregos (jornalismo é uma profissão ingrata), sua bela esposa e família, e sua bela casa, acaba atirando o espectador para fora do filme. Mas, outra vez, o problema parece ser com o Croogan mesmo. O filme sutilmente nos leva a entender que Croogan se sente muito mais à vontade com o canino do que com a sua família, e o que acontece com o cão no fim do filme acaba sendo o mote para ele finalmente lembrar que tem filhos e o escambau. Ou seja (spoilers adiante, não leia o fim do parágrafo se não viu o filme), precisou o cão capotar para ele finalmente pelo menos fingir ser um pai de verdade. Aos que duvidam, lembro de uma cena na qual ele chega do trabalho e os filhos o cercam, e eles rolam juntos na grama parecendo se divertir, e então todos se levantam e acabamos notando um silêncio meio constrangedor entre Croogan e os filhos quando se direcionam de volta para a casa, até que avistam o cão tendo dificuldades para subir os degrais da porta, e então Croogan mostra então mais uma vez todo o amor que sente pelo cão gordo. Sério, não sei a que ponto os acontecimentos do filme são reais ou não, mas eu tenho pena dos filhos desse cara na vida real, mesmo ele estando podre de rico agora. Maldito Marley! O que me lembra do último tópico, que é...


Ross, Rachel e Joey


O cachorro, Marley. A presença dele nesse filme me lembrou sabe quem? Tommy DeVito, personagem do Joe Pesci no Bons Companheiros, filme do Martin Scorcese. Sim, não estou maluco não. A presença de Pesci naquele filme é frontalmente subversiva, e ninguém, nem os personagens nem os espectadores, conseguia relaxar com ele em cena, tamanho era o efeito do seu comportamento insano e imprevisível. Mas aquilo era totalmente esperado pelo roteiro daquele filme, e os resultados eram sensacionais. Marley nesse filme provoca o mesmo efeito. Não sei se era esse o propósito do filme, mas toda vez que o cão aparecia correndo que nem um maluco e quebrando tudo em sua volta, o sentimento era de um desconforto tremendo. Mas, mesmo o personagem de Wilson afirmando a cada cinco segundos que esse era o pior cão do mundo, não sei se isso é lá muito inspirador, já que a intenção do filme deveria ser fazer os espectadores se importarem com ele, e da sua interação com a família. Sei que ninguém pareceu se importar muito com isso, mas no meu caso, fiquei absolutamente aliviado quando vi o fim do cachorro. Ufa! Já foi tarde, cão mala. Vai ver que foi por isso que fiquei incomodado com o festival de lágrimas na sala de projeção. Pô, se ao menos fosse a Lassie que tivesse morrido... ou até o Beethoven, o cão que era esperto pra cachorro... ou era o Bingo que era esperto pra cachorro? Mandem e-mails esclarecendo essa importante dúvida, por favor. Mas, por favor, sem chororô. Como dizia a minha vó, vergonha é roubar e não pode carregar. O que isso tem a ver com o resto será sempre um grande mistério.


BUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁA! Snif!

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