Este post sofreu o patrocínio da Monsanto Company.
O que a sabedoria manda fazer? Nunca confessar que se gosta de Los Hermanos gostando-se de Los Hermanos. Não discordar dos amigos em pontos que envolvam paixões virulentas. Afastar-se diante de paixões virulentas. Evitar paixões virulentas. Esconder paixões virulentas.
Mas hoje estou particularmente preocupado com generosidade e com os empecilhos para sua prática. Pois, como todas as outras virtudes, ser generoso não é talento, mas ação. Direto e reto como os bons comunicadores, vou dizer o que penso. Acho que o principal obstáculo para a generosidade é o detalhe. Deter-se nos detalhes.
Em estética, isso é fundamental. Dizem que o gênio está nos detalhes. Obras de arte são invariavelmente um acúmulo absurdo de detalhes, resultado da preocupação maníaca do artista com detalhes. Pensem num quadro. Pensem num livro. Não, O estrangeiro, não. Pensem em A educação sentimental. Remeto-me ao cancioneiro popular: “Quando Deus te desenhou, ele tava namorando”. Escrevam-me suas conclusões.
Mas, moralmente, o detalhe amesquinha. Estranho, não? Não, nem um pouco. Estética e ética são dois ramos do cerumano onde o lóbulo frontal e o dianteiro diferem. Aqui tem um esquema:
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Woody Allen me ensinou que é possível driblar a percepção de uma pequena multidão se apelarmos para as conhecidas pretensões intelectuais. Retrospectivamente falando, foi o que fi-lo quando citei A educação sentimental em detrimento de O estrangeiro. Se tivesse dito Tolstoi, o efeito diminuiria, porque não o tendo dito supus que sabiam que foi Tolstoi que escreveu A educação sentimental. Formou-se, metaforicamente falando, um pequeno clube, e a chamada cumplicidade autor-leitor foi estabelecida. Agora piscarei meu olho esquerdo, quero que o imaginem: Flaubert, Flaubert, Flaubert.
Mas isso ainda é o detalhe. Cinematograficamente falando, volto a Woody Allen. Dizia eu que ele fez algo que, a título de ilustração, mostra que a estética se fundamenta na ética. É o liame diáfano do raciocínio. Mas ó, atenção, que dá pra entender. Sem um posicionamento ético – testa no chão, tronco num ângulo de 45º em relação ao mesmo chão, pé esquerdo tocando a base da nádega e perna direita recolhida junto ao estômago – que releve o detalhe, qualquer empreendimento estético no sentido de produzir detalhes (já que é essa a natureza estética par excellence) gorará. Sim, senhores, temo que gorará.
Por exemplo Woody Allen ter filmado Manhattan, que é lindo, com Gershwin logo de cara, fotografia p&b maravilhosa e citações eruditas a cada cinco linhas de diálogo (rate fornecido pelo AFI Crazy Nuts Quotations Index). Tudo pra dissimular o fato de que Woody Allen era um judeu baixinho de 42 anos dating uma Mariel Hemingway de 17 anos. Premissa doida do caramba.
(Anatomicamente falando, prevejo dificuldades para entender o que seja a base da nádega. Ora, nada mais que o ponto em que se encontra a dita coxa com a sobredita polpa.)
Mas a audiência vulgo nós bate palmas porque funcionou graças ao fato ético de havermos esquecido detalhes como as conveções sociais sobre beleza, atração sexual e lógica clássica e acreditado na ilusão dramática de que o amor pode tudo. Os filmes do Woody Allen são sobre isso, não são? Quase todos os filmes são. Mas há filmes que falham justamente em embasar detalhes de ordem estética com a ausência de detalhes de ordem ética, compreende? Aqui cumpriria falar de Bastardos Inglórios, que era de fato o meu objetivo. No fundo da coisa toda, estava um filme de Tarantino, este gênio contemporâneo. Convém preambulá-lo.
Muita gente se engana ao dizer que Quentin Tarantino é o exato oposto de Glória Kalil, que, conforme sua descrição pessoal no twitter, é uma “jornalista, empresária e consultora de moda brasileira”, que se dedica “à consultoria de estilo e negócios ligados ao campo da moda e do comportamento”. E, a propósito, a minha descrição é: “um colchonete entre colchonetes”, que na época achei muito espirituosa. E ainda acho. Mas, praticamente falando, Quentin Tarantino e Glória Kalil são praticamente a mesma pessoa quando percebemos que ambos são interessados em estilo. Agora uma palavra sobre estilo.
Clodovil ou Pedro Bial, talvez os dois, não sei ao certo, disse que “O estilo é o homem” ou "O estilo é homem". Se a frase é do Clodovil, tendo à segunda opção. Ora, eles estão estão certos. Porque o estilo é isso aí. Mas o estilo é também a coisa mais perigosa do mundo quando priva o homem daquilo que ele tem de mais precioso: a vontade de construir um mundo melhor. Quer dizer, escrever certo por linhas tortas. Isto é, ser feliz ao lado de quem se ama. Trocando em miúdos, ganhar muito dinheiro e namorar modelos ajudando a comunidade.
O estilo pode ser o homem, mas também pode ser o que mata. E o que mata o homem.
Aos 7 anos, eu já catava lixo na rua pra ter um futuro melhor, cursando Letras e me apaixonando por você (coloque o seu nome aqui:_________). A nossa trajetória é uma história de desafios. A mesma de Tarantino. Nossos pais não nos liam Baudelaire à mesa de jantar. Nós nem tínhamos uma mesa de jantar. Nem posso imaginar mamãe, com sua sensibilidade romântica, fazendo vômito ao ouvir o lirismo da carne putrefeita da amada do Poeta. O saldo de nossa (de)formação é que hoje gostamos de cantar junto. E o critério de Tarantino é um só: fazer filmes que ele gostaria de ver. (Vide lista dos filmes favoritos de Tarantino nos arquivos imundos deste blog.)
É inegável que Tarantino é um exímio. Mas será que ele tem algo a dizer? Pois será que nós mesmos temos algo a dizer e, por que não dizer, a ouvir? Encerro aqui, deixando estas perguntas aos senhores, que espero meditarem com escrúpulos redobrados na clausura de suas cabeças.
Ótemo!
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