A avó de um amigo meu me perguntou outro dia o que significava “filisteu”. Com um sorriso cheio de dentes podres, respondi à velhinha incauta, que já olhava apalermada o infinito, esquecida de que perguntara algo, esquecida mesmo de que eu estava ali ao lado dela:
“A senhora tem tempo?”, e nem deixei que dissesse mais nada. Chamei o neto dela e pedi o DVD de A Lula e a Baleia (The Squid and the Whale), esse Fanny & Alexander nova-iorquino, com um gostinho de clipe do Paviment, o que definitivamente não é um elogio. 80 minutinhos que passariam voando.
Tive de cutucá-la umas seis, sete vezes durante o filme, principalmente na cena que nos interessava, quando Jeff Daniels – com cara de urso ou, pelo menos, de biólogo da National Geographic que corre atrás de ursos – chama de filisteu o professor de tênis/amante de sua esposa. Seu filho pergunta, então, o que é um filisteu, e ele explica que se trata de alguém que não gosta de bons livros e bons filmes. O moleque conclui que é um filisteu, afinal de contas.
Tá, eu podia ter simplesmente respondido isso pra ela. Mas seria fácil demais, filistino demais. Além do mais, era privá-la de saber se ela mesma era ou não uma filistéia. Pois, vejamos, a questão toda se tornara uma missão pra mim, e do tipo civilizatório. No dia seguinte, eram umas dez e meia da manhã, quando apareci (o meu amigo não estava; quem atendeu a porta foi a própria velhinha).
“Tudo bem com a senhora?”
“Quem é você, rapazinho?
“Ah, eu sou amigo do seu neto; me deixa entrar aí.”
Debaixo do braço, eu tinha uma tela da Vista de Delft, do Vermeer, que, se não era a melhor reprodução que eu já tinha visto, pelo menos passaria pelo crivo das retinas tão fatigadas daquela avozinha. É claro que vocês sabem por que eu escolhi justamente esse quadro, é claro que sabem.
Falei:
“Senta aqui, vovó, e olha pra cá”, e aguardei.
“Senta aqui, vovó, e olha pra cá”
Mas, passados cinco minutos, nenhuma comoção, lágrima ou desmaio.
Eu estava frustrado, profundamente frustrado. Peguei o Vermeer e me fui, com uma amargura indescritível; suponho que saía como Proust, ao se dar conta de que, apesar de seu monumental esforço, a Busca inteira não valia um murinho; ou como um carnavalesco deixando a Sapucaí, a maquiagem borrada pela chuva e pelo suor, e a certeza da desclassificação, porque um dos carros alegóricos quebrara, malgrado os meses de trabalho extenuante, malgrado a genialidade da concepção artística da Gioconda indígena, com uma arara azul no regaço.
Essa dona merece um "tetéia da semana"
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