Você agora vai ler um post inédito do Camarada Fundamentalista depois que ele foi desmascarado pelos comparsas malfeitores da Fada Malvada dos Dentes. Atualmente, o Camarada Fundamentalista se encontra nas mãos de gnomos psicóticos que chantagearam o Supremo a fim de desvalidar a obrigatoriedade do diploma em Jornalismo para o exercício da profissão, só pra enfiar um pouco de atualidades neste texto, inclusive a morte de Michael Jackson, cabendo a nota digressiva seguinte.
(Quando Michael Jackson morreu, confirmou-se que esta geração estava destinada a enterrar todos aqueles que eram conhecidos highlanders, como Leonel Brizola e Dercy Gonçalves. Era no mínimo estranho que tantas cabeças estivessem sendo cortadas em plena luz do dia sem que ninguém fizesse nada a respeito. Quedou-se melancólico e meditabundo. E veio a tarde, e veio a manhã. Decidiu blogar.)
He, he, blog arte, né?
O amor não é ecológico
Não fosse meu amorzinho, eu estaria hoje vivendo tranquilamente com uma miséria de dignidade em algum lugar obscuro. Mas acontece que ela não gostava de passarinhos, na verdade os detestava a ponto de querer realmente exterminar todos que cruzassem seu caminho, todos que – em suas próprias palavras – a desafiassem. E desde sempre tenho ouvido que qualquer pessoa com o coração no lugar certo adora passarinhos, de modo que minha educação me colocava num impasse que amigos já avisavam que havia de se resolver da pior maneira possível, mas não quis ouvi-los achando que apenas exageravam, quando eram verdadeiras Cassandras em sua precisão. Mas não vou lamentar ter conhecido o meu amorzinho, que com apenas seu perfume me fez mais feliz que todos os livros de que eu vivia cercado, aprendendo sutilezas que na defesa de meu amor de nada serviriam. E agora sei que mesmo correndo na frente e olhando pra trás apenas quando pensava ouvir um carro, e pisando sobre a minha cabeça com muito cuidado, ela vale mais que todo o esforço de cadáver a que eu me dedicava, pesquisando temas que não interessam em absoluto a um homem de verdade.
Agora ela não precisa mais se preocupar com os passarinhos, pois eu acabei com todos eles. Eu explodi o lugar onde eles se ajuntavam “desafiadoramente”, depois queimei os escombros e os restos da destruição e espalhei cal em cima. Eu não perdoei ninhos nem filhotinhos, mas dei cabo de tudo, inclusive de outros animaizinhos vivendo na proximidade, porque queria estar certo de que não incomodariam nunca mais meu amorzinho, que não teria mais dores de cabeça nem de estômago. E assim meu amorzinho poderia ficar comigo quando eu voltasse cansado do emprego horrível que eu tinha no centro, depois de enfrentar ônibus e metrô cheios de pessoas que haviam se tornado repugnantes em sua insipidez.
Era assim que deveria ser. Eu deveria acordar mais jovem a cada dia a seu lado, com ela coberta apenas pelo lençol branco, que me deixava adivinhar completamente seu corpo deitado de lado, como se estivesse prestes a rolar da cama, no balanço da respiração. Pois eu sempre acordava antes dela, como num ritual, para observá-la e depois ir até a janela e olhar na rua as pessoas saindo pra trabalhar encapotadas num dia completamente borrado pela chuva, só para que eu me sentisse ainda mais privilegiado por poder ficar aqui, com ela, e voltar a me deitar e acordar muito depois das dez da manhã.
Mas o mundo se encheu de passarinhos enquanto eu voltava pra casa com as mãos machucadas, com farpas nos dedos e cortes profundos na junção das falanges, prestes a sangrar de tão secas. O mundo se encheu de passarinhos de todas as cores mais extravagantes, que contra a luz me ofuscavam, e eu tombei cobrindo em vão os olhos, atraindo a atenção indesejada de transeuntes entorpecidos, com caras amassadas e narizes cheios de gomos, o que me desesperava, porque eu só queria que o meu amorzinho me socorresse. Mas ela certamente deveria estar dormindo no apartamento da mãe, depois de ter se entopido de chocolate e bolachas caras, que eu sempre trazia pra ela, mas que acabavam estragando em nosso armário.
Ela não podia nem queria saber que neste momento eu estava sendo acudido por gente que me odiaria se descobrisse que eu faria qualquer coisa pra alegrar o coraçãozinho torto do meu amor. Poluiria todos os rios, mataria todos os filhotes do mundo, queimaria florestas inteiras, porque a biodiversidade não me importa quando o meu amorzinho não consegue pensar direito, quando a vida faz tanto barulho que não deixa o meu amorzinho deitar-se quietinha e descansar como se estivesse morta, pra eu olhar pra sempre como ela é, em cada detalhe.
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