O fim politicamente correto da opressão depende do começo da opressão politicamente correta. Acusar o humor como refúgio de racistas e fascistas é um exemplo. Perco a libertação que os politicamente corretos buscam, mas não perco a piada. Mas isto não é um manifesto.
O que aborrece nas almas sensíveis responsáveis pela instituição do politicamente correto como conduta crítica, e não como moralismo rasteiro – o que ele de fato é –, é, no mínimo, a falta de educação. É ser presunçoso da maneira mais grosseira possível. A certeza arrogante de sua própria justiça faz cada palavra sair de sua boca no familiar tom da ameaça. Você se faz juiz do seu irmão. Primeiro sobe num banquinho e do alto da sua superioridade moral recém-adquirida clama contra o fascismo e a discriminação nas entrelinhas de recados em porta de geladeira. Ô, ele está alimentado o ódio e o preconceito contra as minorias fazendo esse tipo de piada, temos que pará-lo, temos que denunciá-lo. Vem cá, nunca ouviu falar em: o sujo falando do mal-lavado?
Me deixa ser profético agora. Ser justo aos próprios olhos acaba sendo o único pecado que cristão e não cristão cometem que vai levá-los para o inferno, se não se corrigirem. Com toda a certeza. E o humor, que é justamente o remédio contra esse tipo de postura obtusa, é o que mais tem sido vigiado e atacado por essa gente justa.
A beatitude do humor se assenta em suas intenções. Quem faz uma piada não quer convencer ninguém da superioridade ariana e/ou masculina. A piada de loira não é um panfleto incitando as mulheres a saírem e afogarem oxigenadas, como no fundo e de fato elas querem fazer. Nem contar piada de português significa que você não vai deixar o Manoel operar o cérebro do seu unigênito. Aliás, se dermos ouvido a esse tipo de correção extrema – promovida pela hipersensibilidade moral dos politicamente corretos –, olhar de cima pra baixo racistas merece a guilhotina, já que contraria o postulado da igualdade entre os homens. E maldizer o indivíduo que preenche todos os requisitos do esteriótipo da loira burra vulgar que rouba namorado é preconceito.
O que estou dizendo é que todos estão condenados. Inclusive você. Inclusive eu. Então, seja mais humilde. E não um fascista ao contrário. Porque estão simplesmente inventando um fascismo arco-íris multiculturalista para combater o fascismo old school. É a mesma imposição que suprime, com simplismo desumano, o longo e difícil processo de aprender a viver e conviver, substituído pela força da lei.
O humor serve pra gente dizer o que não pode dizer. Num lance só, você confessa o pecado e se salva da hipocrisia. Porque, sob a chave do ridículo, as coisas se veem libertas de seu poder de dominação. O humor recontextualiza o mal e assim o neutraliza. Sua função é exorcizar. É uma verdade tão velha que é constrangedor ter que repeti-la. É hermenêutica básica, que estão jogando no lixo. Feminista acusando comediante é tão fascista como quem ri da piada porque é “assim mesmo que preto faz”. Porque ambos estão levando a piada a sério – que seria uma boa definição de fascismo: a piada levada a sério.
Rir não é o problema, e muito menos a piada. O problema é por que se ri. Eis a ambiguidade do humor. Que é a ambiguidade da arte. É perigosa porque a inteligência é perigosa. Esse perigo consiste em deixar que as pessoas tirem suas próprias conclusões, em não tomá-las pela mão com condescendência paternalista ou, se não funcionar, à força mesmo, para que pensem da maneira correta.
A piada não é inimiga. A piada é na verdade o diagnóstico de que as coisas não vão bem. Ela ridiculariza o opressor, e não o oprimido. Porque humor não é desculpa pra ser cretino sem censura. É, ao contrário, autorreconhecimento. A essência da ironia. Um instantâneo do ridículo, e do ridículo da nossa mediocridade. Quem faz a piada se inclui no problema na medida em que expõe o mal, e não o pratica. O piadista não se coloca acima, mas no lugar do opressor. Essa é a humildade do humor.
Estão querendo transformar falta de senso de humor em esclarecimento. Nunca pensei que ficaria do lado dos nazistas. Mas chegou a hora. Hoje vou sair e bater nuns pretos. E comprar minha Playboy.
isso, isso, isso! clap clap clap
ResponderExcluirMuito bom o texto. Ironia, essa é a palavra-chave. Autorreconhecimento, mais que isso, é assumir sua condição, se assumir como igual. Preto fazendo piada de preto (preto, sem preconceito), japonês fazendo piada do próprio pinto... Perder "a boa" é assumir a diferença. Ser japonês e achar ruim ganhar a alcunha "JAPA", ou até "CHINA", ser negro e achar ruim a alcunha "NEGÃO" é querer se desvencilhar daquilo que se é. É preconceito, racismo contra si. É assumir que somos diferentes, e mais, é ressaltar a diferença, é esconder as qualidades.
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