Semana passada, o ator estadunidense Owen Wilson, protagonista de filmes como Anaconda (blargh!), Bater e Correr, Starsky e Hutch e Penetras-Bons de Bico, cometeu uma tentativa frustrada de suicídio ao cortar o pulso e tomar uma dose elevada de remédios e pílulas. Socorrido a tempo, acabou se safando da morte. Tal ato chocou profundamente os fãs do ator, já que a sua persona cinematográfica sempre se constituiu de seres imaturos, ingênuos e engraçados, os famosos "de bem com a vida", como se diz no jargão. Por isso, os fãs demoraram para absorver a idéia de que aquele cara, que sempre se mostrava tão, como poderia dizer, relax nas telas, poderia chegar a tamanho ato de desespero na vida real. Esse acontecimento surpreendente trouxe-me lembranças de um grande filme do começo dessa década. E esse filme, sua criação e seus personagens podem, sim, trazer elucidações à respeito do extremado ato tomado por Wilson semana passada.
Mas vamos ao filme. Os Excêntricos Tenenbaums, fruto de mais uma parceria do diretor Wes Anderson com o Owen Wilson. Os dois, como já tinam feito nos dois filmes anteriores de Anderson, Pura Adrenalina e Rushmore - Três é Demais, escreveram o roteiro em conjunto. A história versa sobre uma família absurdamente disfuncional de intelectuais e prodígios. O pai é um advogado malandro, auspicioso, separado há muito tempo da esposa, mas que, ao se ver afundado em dívidas e despejado do Hotel aonde morava, resolve tentar conquistar de novo seus filhos e sua esposa, apenas para conseguir arranjar um teto de novo. Os filhos, todos atormentados e sufocantemente instrospectivos, vêem com reticência a volta do pai. . O filme é claramente inspirado na saga da família Glass, personagens criados por J.D. Salinger, escritor americano e também autor do colossal O Apanhador no Campo de Centeio. A história dos Glasses se desenvolve em diversos contos e livros. O filho mais velho no filme, interpretado por Luke Wilson, um tenista que nutre uma paixão excentricamente dolorosa pela sua irmã mais nova, que é adotada e casada, é um sujeito afável e gentil, sendo único que acaba aceitando a volta do pai sem maiores conflitos. Ao descobrir as aventuras amorosas da irmã, e saber que ela tem um caso com seu melhor amigo, um escritor chamado Eli Cash (interpretado por... sim, Owen Wilson), ele acaba tentando o suicídio, sem obter êxito, ou apenas usando o seu ato para uma tentativa desesperada de chamar a atenção da família para os seus problemas. A irmã adotada, interpretada pela Gwyneth Paltrow, é uma dramaturga que enfrenta uma crise de depressão no seu casamento, fruto de sua inedaquação perante o mundo, algo que somente piora quando o pai volta a conviver com a família, já que ele não perde a oportunidade de ressaltar que ela não é do seu sangue, mesmo que de forma não intencional. Na família Glass de Sallinger, eram sete irmãos, todos também prodígios. O mais velho, Seymour Glass, era descrito como sendo um sujeito calmo, amável, o mais tranquilo de todos os irmãos, e o favorito de seus pais. Pois ele comete suícidio numa das histórias, devastando a família. A irmã mais nova dos Glass, Franny, é uma jovem universitária que enfrenta uma violenta crise de identidade ao ler um livro religioso, e também mostra um avisão absurdamente crítica e ácida frente o mundo e as pessoas. Apesar das diferenças, a referência é clara.
Assim como os Glass, os Tenenbaums são gênios que, por não conseguirem canalizar tamanho potencial para coisas não-destrutivas, acabam dilacerando todo o mundo que os cerca, uma sinalização clara de falta de maturidade. Owen Wilson (agora começam as suposições absurdas) deve ser um fã de Sallinger, e o seu personagem no filme,o escritor, imagino eu que seja, ao mesmo tempo, uma homenagem à Sallinger e uma amostra do vazio que Wilson deva sentir, por ser um artista amado pelo seu público, mas que não sente isso como algo saudável. A inadequação e a total aversão aos valores falsos e deturpados da sociedade, fatores sempre mostrados pelos personagens de Sallinger, devem vir frontalmente de acordo com os sentimentos dele. Por isso, a sua tentativa de suicídio não me surpreende. Não que apenas o fato de alguém ler Salliger seja prova irrefutável de qualquer coisa. Mas Owen Wilson mostrou no seu roteiro justamente indicado ao Oscar que é um homem que se preocupa com questões existenciais fundamentais. E a velha e perigosa combinação, sujeito problemático que acaba encontrando alívio em interpretações errôneas e equivocadas de grandes clássicos da literatura, e com um empurrão da depressão e das drogas acaba levando esses questionamentos existenciais ao seu nível mais extremo e trágico, a solução mais burra e simples: o suicídio. Agora, eu já sei o que vocês vão dizer: e aquela cena no Penetras Bons de Bico, que o personagem dele acaba lendo um livro cujo título era "como evitar o suicídio", logo depois de uma desilusão amorosa? E os rumores que ele teria se suicidado pelo fim do seu romance com a atriz Kate Hudson? Essa não seria uma triste coincidência? A resposta é: não.
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