Eu não gosto dos americanos. E não, não tem nada a ver com Bush, imperialismo e a opressão dos povos. Os povos que tratem de arranjar trabalho, fazer MBA e ter um caso com a secretária. Eu não gosto dos americanos porque eles desistiram de ser americanos, andam com remorso e por isso se envolvem em ativismo. Todo o mundo é ativista nos EUA. Se a Penelope Cruz com aquele sotaque horrível dela quisesse se passar por nativa, em plena Times Square, era só levantar um cartaz dizendo “Salvem as baleias”, pra citar um hit, porque há opções mais underground, como “Planejamento familiar”.
Desistiram de ser americanos desde que acabou a Classic Hollywood, se você for ver. Aliás, quem mais sofreu com o ativismo foi o cinema. Como se tivéssemos passado da Ilíada diretamente para a desconstrução e fragmentaridade do livro daquele seu vizinho sobre o cara que corta as unhas do pé se questionando sobre Suicídio, Injustiça Social e Linguagem, tudo caixa alta no texto.
O ativismo no cinema é responsável pela exaltação dos losers. Só é legítimo, relevante, cool quem filma losers. Losers no shopping, losers assaltando bancos; losers no trabalho, mas principalmente desempregados, porque “é mais real”; e losers diante dos conflitos gerados pela diversidade étnico-cultural e pela intolerância, pra ganhar o Oscar.
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Pior que a desgraça atravessou o oceano. Apenas uma Vez (Once, 2006) é esse filme independente, de baixo orçamento, que ecoa, no Velho Mundo, o declínio do norte-americano babaca orgulhoso de si, em favor do norte-americano babaca envergonhado de suas ações de americano babaca orgulhoso de si. Só que o filme é irlandês, então é como se os losers falassem de si mesmos como se fosse de outras pessoas, porque estão seguindo o modelo opressor-arrependido dos ianques de fazer cinema independente. Esquizofrênico.
Play it again, Sam. (And this time I really said it.)
Once é também uma desculpa para dois músicos fracassados, mas de bom coração, ganharem um Oscar for Best Achievement in Music Written for Motion Pictures, Original Song. Em resumo. Porque, desenvolvendo, seria um musical, um musical moderno, como as resenhas a respeito sugeriram, esquecendo talvez propositalmente que “musical moderno” é o mesmo que videoclipe.
E aqui começa a minha agonia. Porque clipe é clipe, e filme é filme. Quando o diretor-equilibrista-trapezista quer fazer filme e música, geralmente, ficam os dois medíocres. Câmera que abre, se afastando da personagem, que, toda suspirante, fica olhando pela janela, é coisa de clipe. Personagem caminhando pela rua, à noite e de roupão, enquanto canta canções de amor à Belle & Sebastian, também.
O triunfo da emoção – assim mesmo, “emoção”, sem especificar qual – inevitavelmente implica maquiagem borrada, vexame, vergonha. Tudo o que mexer com o seu coração, e não for arritmia ou sopro, não pode prestar. C’est avec les beaux sentimens qu’on fait de la mauvaise literature. Et de le mauvais quelque chose. Enfim, não precisa assistir ao filme. Baixe a trilha sonora. Markéta Irglová cantando “If You Want Me” contém em si todo o encanto dessa gente que compra geladeira à prestação, mas ama com um coração puro e sincero.
A sinopse? Dois cidadãos da União Européia, unidos pelo amor à música, apaixonam-se, infelizmente estando já comprometidos com a política econômica interna de seus respectivos países.
O triunfo dos suburbanos. É então um tanto belo ser suburbano, uma beleza singela, mas frágil, constantemente ameaçada pelo fim do seguro-desemprego ou pelo cerco da imigração. A classe média sempre tão auto-indulgente, se querendo a si mesma como é, como está, obrigando-nos a pagar para assistir a filmes que se passam no Terceiro Mundo, filmes exóticos, filmes com imigrantes e/ou refugiados do Leste Europeu. Porque são convenções atuais do cinema que: Paris não seja mais romântica, mas excludente, um “caldeirão de tensões étnico-culturais”; e que filmar a Europa é filmar o Leste Europeu. Como se o cinema, cheio de culpa, tivesse criado o Leste Europeu. E não criou?
Adorno venceu; o que, pra ele, por causa das condições determinadas pelo trabalho and all that stuff, equivale a perder. Mulherzinha, nunca se satisfaz.
(E para onde eles vão, carregam consigo o espírito singelo e a dignidade de seu filme. A música interrompendo Markéta Irglová resume tudo, e os românticos não o ignorarão.)
muitas vezes acho que sou uma drag queen aprisionada no corpo de mulher, pois eu queria que todos os oscars de melhor música, ou trilha, fossem para aqueles musicais escadalosos com periquito e papagaio, onde todo mundo no final da música, fica de joelhos com os braços abertos...
ResponderExcluireu sou uma bixa mesmo...
telefone fora do gancho:
ResponderExcluirse eu tivesse apenas um cart�o com duas unidades, ligaria para o an�nimo, dizendo obrigada, obrigada, me liga. E � srta. do coment�rio acima, rapidinho: se joga pintosa, p�e rosa. Tamb�m fa�o parte do time de travecos mais-do-que-realizados, imagine, al�m de bixa nascer mulher?! A gl�ria, n�m.
(tu tu tu).
Agora sim, sobre apenas uma vez: totalmente video clipe.E para onde eles v�o? Ah, tudo bem, cinema fraquinho, mas eu chorei no fim. N�o era isso o que eles queriam? 16 reais por uma l�grima compriiiida.
Chamada para Camarada Empolgada:
ResponderExcluirCamarada, continuo firme e forte na campanha Maiara Gouveia para Camarada do Fomos ao Cinema. Resta saber se os outros Camaradas vão ceder à pressão popular e vão permitir que você poste oficialmente aqui, deixando este blog mais charmoso.
E então, Camaradas? Vocês não têm nada a dizer sobre o assunto? Moderado? Fundamentalista? Progressista?
(alô? tem alguém na linha ainda?)
Sobre o filme, ainda não o vi. Mas soube que já o compararam com Antes do Amanhecer - duas pessoas que se conhecem e vão se apaixonando aos poucos - a diferença é que neste filme substitui-se os diálogos pelas canções.
Se for minimamente parecido com o filme do Linklater é provável que eu que vá gostar. Talvez eu me decepcione, mas eu prefiro pensar que não.