O jovem Alex era um degenerado, apesar da boa educação que recebera. Fazia coisas terríveis, principalmente contra as minorias. E desde muito cedo. Aos oito anos, descobrira as minorias, para nunca mais deixá-las em paz.
Não descansou, até que tivesse aborrecido a todas elas – negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus, mulheres, ô, inclusive as mulheres. Para o mal, os homens costumam ser incansáveis.
Saíam pelas noites, ele e sua gangue, formada por jovens igualmente privilegiados e podres, para encontrar suas vítimas. Geralmente, mendigos, só porque eram sujos e bêbados. Mas logo a aparente impunidade que os poupava teria fim. Pois havia muitas investigações nesse sentido, para acabar com o abuso contra as minorias, como as cometidas contra os mendigos.
Quando, certa noite, encontraram outro mendigo fedido, jogado na sarjeta, sob a marquise de um prédio do governo, que horror, puseram-se a abusar dele como se abusava das minorias em geral. Cercaram o pobre diabo e começaram a lhe contar piadas politicamente incorretas sobre negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus e mulheres burras, enfatizando que mulher burra é redundância, ha, ha.
Mas dessa vez, não sabiam eles, sua vítima era um policial disfarçado, todo sujo e bêbado, para aparentar ser mesmo um mendigo. E estava bem real. Ora, prenderam Alex e seus comparsas. Como eram menores, e era esse seu primeiro delito, os pais compareceram em juízo e responderam por eles. A sentença foi que o rapaz fosse enviado a uma instituição competente de recuperação de jovens degenerados.
O jovem Alex seria submetido a inúmeras sessões de um filminho em que um homem escorregava numa casca de banana e caía muito seguramente num sofá deixado no meio da rua pelo pessoal de uma empresa de mudança, e estava escrito no caminhão que era uma empresa de mudança, era a Granero, pois era importante que todos soubessem que era uma piada. Aprenderia assim o que era humor saudável – o simpático –, o verdadeiro humor, que não ofendia ninguém e que, de quebra, ainda fazia amigos por onde quer que fosse. E que o humor físico – desde que as carnes não ficassem à mostra, com exceção dos comerciais de cerveja e programas humorísticos para a família brasileira – era também grandemente aceito e recomendado para animar festinhas, de casamentos a batizados.
Mas, dentre os maiores benefícios que o tratamento lhe legaria, estava o que os médicos e professores da casa de recuperação chamavam DSCS, Dispositivo de Segurança para Comicidade Social. Consistia em pospor ao fim de um dito ou comentário jocoso a frase “É só uma piada”, ou suas variantes, tais como: “Isto é uma piada”, e também “Só estou brincando” ou “É brincadeirinha”.
Após três meses, Alex foi devolvido à sociedade curado. A partir de então, toda vez que lhe vinha o desejo de proferir uma observação irônica ou sarcástica, começava a babar e entrava em choque. Era preciso aproximar-lhe do nariz um pouco de vinagre para que recuperasse a consciência. Entretanto, por causa desses acessos, ele é que começou a ser vítima de piadas politicamente incorretas.
Fora apelidado “Tremelique”, e quando andava pela vizinhança, as crianças se sacudiam inteirinhas, com a boca cheia de Coca imitando a baba saindo da boca dele. Mas todo homem tem seu limite. Ele devia ter tentado o suicídio, como se espera a essa altura numa história assim, mas não foi isso, não. Ele resolveu criar um blog.
A seguir é transcrito o trecho de uma postagem de maio do ano passado:
“Estava pela Paulista, esperando uma amiga. E mais uma vez confiro que esta cidade não é absolutamente detestável, ao menos não como o divulgam no usual tom alarmista dos noticiários. Uma cidade que nos premia com visões com a clareza e o didatismo de ilustrações tiradas a um volume escolar de estudos sociais não pode ser absolutamente detestável. Pois nos quinze minutos em que estive parado por ali, vi um grupo de gays carecas e de camisetas justinhas posando para fotos, enquanto um moleque de rua, devidamente descalço como os moleques de rua fazem questão de andar, certamente para que não sejam confundidos com quaisquer outros moleques que não os de rua, os observava com o sorriso malicioso de quem, diante de tanta viadagem, se conforta imaginando que, particularmente em seu caso, um simples banho resolveria. E devo concordar com ele, pois era disso mesmo que ele mais precisava, de um banho. É o que as autoridades precisam entender e, tendo entendido, implementar: o assistencialismo do pão substituído pelo do sabão. De todo modo, os tão falados contrastes sociais jamais foram tão bem sintetizados quanto nesta cena, apesar do componente queer, francamente caricatural. Neste sentido, tenho de confessar que a cidade me surpreendeu negativamente.”
Como se vê, grotesco. Aristocraticamente grotesco. Quando ele escrevia, sentia um alívio absurdo, naturalmente seguido por espasmos, baba e coma. Mas, com o tempo, isso passou. Aparentemente, os efeitos do tratamento miraculoso estavam sendo revertidos, para horror da sociedade.
A foto destes dois gatinhos é só pra aliviar o post, cheio de piadas pesadas.
O pior, entretanto, veio quando ele escreveu:
“Só tem viado na Parada Gay”
(Isto é, nessa frase, duas coisas têm que ficar claras: a) se a Parada é gay, naturalmente se acharão “viados” nela; e b) a palavra “viado” tem o mesmo sentido ofensivo que quando empregada por um homem que preconceituosamente coloca em dúvida a masculinidade de outro. O humor resulta da aproximação desses dois fatos. Sem dizer que não tem só "viado" na Parada Gay; vão também familiares dos "viados".)
A casa veio abaixo. E-mails ameaçadores, scraps malcriados no Orkut. Ele foi novamente preso, só que dessa vez ele já era maior de idade, por isso o mandaram para o mesmo presídio em que o Nardoni estava. No dia em que lá chegou, a população indignada com o assassinato da menina Isabella dividia a calçada com militantes da causa gay, e eu vi pela televisão você lá também.
“Só tem viado na Parada Gay” virou uma divisa da campanha para o fim do humor politicamente incorreto, seguida da frase de indignação “Até quando isso?”, querendo dizer “Até quando as pessoas serão tão cruéis com as minorias?”, e não “Até quando haverá viados na Parada Gay?”.
Nos meses seguintes à prisão de Alex e à sua condenação à pena máxima, o governo ainda aprovaria uma lei segundo a qual todos eram obrigados a explicar uma piada que envolvesse qualquer tipo de ambigüidade, como constante nos parágrafos anteriores. Caso encerrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário