segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Fomos ao Cinema ver Sangue Negro

Paul Thomas Anderson, parte um:

Negócio de Risco, 1995: estréia promissora, futuro mais ainda. Era pós- Pulp Fiction somente começando, oportunidades aos borbotões para os realizadores alternativos, e Anderson surgia como grande promessa. Melhor momento, impossível
Boogie Nights, 1997: egos ao alto. Uma overdose de travelings, sequências sem cortes, close-ups secos e abundantes, diálogos inspirados e muita, mas muita, vontade de colocar a carroça na frente dos bois. Querer mostrar todos os truques de uma vez, para ninguém duvidar de nada. Parcimônia, aonde estava você?
Magnolia, 1999: egos no limite. Robert Altman sabia contar várias histórias de diferentes personagens de maneira coesa e sem alienar seu público. Anderson não. Lindo se ver, cheio de simbolismos (chuva de rãs, bíblia e o escambau), mas 180 minutos de muita embalagem para pouco conteúdo. Messiânico, como eram messiânicos os Engenheiros do Hawaii. Péssimo sinal.
Embriagado de Amor, 2001: o começo da mudança. Menor, mais focado e sem as dispersões que tanto irritaram nos dois anteriores. Ainda não era o ideal (Adam Sandler, com toda a boa vontade do mundo, não dá), mas algo parecia estar em movimento.


Paul Thomas Anderson, parte dois:
Depois de Embriagado de Amor, Anderson tirou seis anos para realizar seu próximo projeto. Seis anos que fizeram muita diferença. Era chegada a hora do diretor finalmente usar seu raro talento para fazer filmes que se fizessem sentir sem a mão pesada das realizações anteriores. Depois de achar em Londres um livro de Upton Sinclair chamado Oil, de 1927, Anderson sentiu o potencial da história e sua ressonância nos dias atuais, e resolveu então realizar a sua mais nova película, Sangue Negro (There Will Be Blood no original). Teve em mente apenas um ator para o projeto, o único que ele inteligentemente sentiu ser capaz de refletir as nuances e a tempestuosa natureza do personagem Daniel Plainview. Justamente o ator mais escorregadio e difícil de se contatar de todo o mundo do cinema. Mas, sorte grande, o cara tinha adorado o Embriagado de Amor, e resolveu embarcar a bordo. Sim, Daniel Day-Lewis, mais conhecido como melhor ator em atividade. Então, colocou as mãos na massa e fez um filme cujos arcos em nenhum momento convergem para resoluções convencionais ou definitivas. Das exibições de virtuosismo dadas por Anderson em filmes anteriores, vemos, finalmente, usadas com inteligência. Nunca pulando por cima da história, mas sim sempre complementando estados de espírito, conflitos silenciosos ou explosões dos personagens. A natureza do filme é reflexiva, e o domínio narrativo alcançado por Anderson figura desde já ao lado de grandes obras do passado. Fazia tempo que não via um filme assim. O filme vem sendo bradado como um resgate dos momentos de ouro do cinema americano, vivido em filmes como Chinatown e Taxi Driver, que se negavam a seguir quaisquer tipos de convenções narrativas ou concessões estúpidas. Não se pode adivinhar o desfecho de nenhuma tomada. Não se pode adivinhar os caminhos seguidos pelos personagens. A primeira cena mostra Daniel Plainview, personagem de Day-Lewis, absolutamente isolado no meio do nada, trabalhando num poço de minério no qual acha uma pedra de petróleo, ignorando uma fratura no pé para continuar o trabalho. O filme jamais explica o que levou o personagem a tal isolamento, nem explica a profunda aversão que o personagem sente pelo gênero humano, o que o leva a fingir simpatia com todos ao seu redor em nome apenas da sua vontade de prosperar no negócio petrolífero.


Os dez primeiros minutos sem diálogo mostram o quanto a comunicação para ele não significa nada perto das suas ambições. E é assim até o final. Plainview encara tudo o que faz como concessões em nome do bem maior. Vemos no começo que ele trata afetuosamente o filho de um mineiro que morre numa escavação e que ele adota como se fosse seu. Para então, vermos depois o quão falsa e descartável era aquela afeição toda, dizendo mais à necessidade do personagem de estabelecer um chão do que em realmente bancar uma imagem que não correspondia à realidade. Seu relacionamento com o jovem pastor interpretado por Paul Dano, Eli Sunday, revela sutilmente dicas sobre o seu profundo desgosto. Ele percebe desde o começo que Eli é tão ambicioso quanto ele, e o ambiente no qual eles se encontram, as áridas, miseráveis e paupérrimas áreas petrolíferas no interior da Califórnia do começo do século XX, totalmente desprovido de pessoas com as mesmas "qualidades" dos dois, cria uma estranha e conflituosa empatia entre os dois personagens, que reconhecem mutualmente e silenciosamente as mesmas intenções. Mas ao ver que Eli não tem a mesma transparência, tentando se mostrar para si e para os outros como um ser verdadeiramente predestinado, Daniel se sente exposto indiretamente, tendo de fazer concessões insuportáveis para o seu código de vida para seguir com suas ambições adiante, algo que no decorrer do filme cobraria um preço carissimo. Hoje, a política de George W. Bush usa um verniz de intenções cristãs (Bush sempre diz que age em nome de Cristo) para mascarar suas verdadeiras intenções, os bilionários negócios petrolíferos no oriente médio. Paul Thomas Anderson estuda então, pacientemente, a natureza desses sentimentos que definem praticamente a geopolítica contemporânea. E Plainview, com sua dissimulada simpatia e desprezo pelos seus semelhantes que nutre no seu íntimo, sempre voltado para nutrir seus desejos, sendo fiel apenas a si mesmo, poderia representar o modus operandis das megas corporações que comandam o nosso mundo hoje, voltadas que são para manipular friamente os consumidores. Duas verdades que deixam um gigantesco vácuo emocional no nosso mundo, gerando frustrações que se dissiminam cada vez mais entre os nossos semelhantes. E Daniel Day-Lewis consegue, com imensa habilidade, refletir todo esse vazio, demonstrando todas as facetas desse personagem brutalmente complexo.

Não chora não, Daniel. Eu achei o Gangues de Nova Iorque shaggadelic! Yeah, baby!

Uma cena em especial demonstra o talento colossal do irlandês. Quando em determinado momento Plainview precisar mostrar arrependimento por um ato diante de Eli e dos fiéis da igreja por ele criada, o personagem precisa se ajoelhar humilhantemente e declarar sua culpa aos berros, fervorosamente, sempre forçado por Eli de maneira brusca. Com apenas jogos de olhares e sutis mudanças de expressões, podemos notar que o personagem faz tudo aquilo apenas por conveniência, em nenhum momento mostrando acreditar realmente nas confissões que bradava a plenos pulmões. Só mesmo o Daniel Day-Lewis conseguiria algo assim. Imaginei depois de ver o filme um Ben Affleck fazendo a mesma cena. Tá, eu sei, é que nem comparar o Pelé e o Betão, mas é reconfortante saber que o Thomas Anderson tinha em mente que tal complexidade somente seria realçada com brilhantismo se Day-Lewis aceitasse fazer o filme. Antes, Anderson se achava tanto que se dava ao luxo de enfiar um Adam Sandler na nossa goela. Hoje, ele espera por um Daniel Day-Lewis, e realiza um filme que é, sem dúvida, o merecedor do Oscar, até mais que o brilhante Onde os Fracos Não Têm Vez. Seria essa a verdadeira chuva de rãs de Paul Thomas Anderson, então? Há, tá, tem gente achando que o Juno merece o prêmio na verdade. Aqueles que querem "abraçar" o filme. Se isso acontecer, aí sim que there will be a lot of blood. A lot. I'm finished.

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