Como uma criança gorducha, que, acompanhando seus pais, vai à casa de um desconhecido e lá vê uma vasilha cheia de um delicioso creme, que sem dúvida deve ser o mais doce dos doces, para ser comido puro, passado no pão ou de qualquer outra forma que sua imaginação e apetite dispuserem. Pois assim foi o Camarada Progressista assistir à pré-estréia de Juno, salivante, perigosamente excitado. E, no entanto, terrível anticlímax, a vasilha estava cheia de gordura hidrogenada, de banha, para ser futuramente convertida em ingrediente de um algum quitute divino: mas as mãos e o coração gordinho do camarada podiam esperá-lo, sua mente gordinha podia supô-lo?
O que é um filme? Cidadão Kane é um filme. O romance da empregada é um filme. E, bem, Juno é um filme. Um filme qualquer. Sabe-se isso quando você conclui que o poderia ter escrito. Mas os críticos têm se desmanchado pela história da garota muito cínica, sarcástica e emancipada, que tem de lidar com o fato de estar grávida aos 16 anos. A conhecida bolha se formou em torno de Juno, diante do qual todos se admiram e passivamente celebram. O senso crítico fica de lado, quando nos tornamos empáticos.
Há séculos as pessoas são cínicas e ácidas. Até na curta história do cinema, é um fenômeno antigo. No entanto, para o grande público (eufemismo da mídia pra patuléia), alguém ser cínico é ainda incrivelmente subversivo. No mínimo, capricho adolescente porque o mundo não é do que jeito que eu queria que fosse e ninguém faz a minha vontade. Tanto que quando você viu um personagem de novela sendo cínico e não morrer em queda de avião ou atropelado, porque, nossa, era o vilão?
Mas aí eles resolveram revolucionar. Colocaram uma menina de 16 anos – 16 anos – protagonizando um filme grávida e cínica. Revolucionário. Cinismo de blogueiro, sim, mas cinismo. E aí é que está a chave para Juno e para a aversão do Camarada Progressista ao filme: Juno é um blog. É o blog da Juno, no qual ela comenta, cheia de sorrisinhos, como engravidou, como foi transar com o namoradinho pouco emancipado dela, como ela está pouco se lixando pra opinião dos outros, tudo muito irônica e independentemente. E que isto fique só aqui entre nós, mas o camarada não gosta de blogs. Um choque, eu sei.
Mas Juno é uma garota. O blog dela tem muito potencial: um dia ela pode ser tão cínica que vão confundi-la com um homem. Mas não agora, porque, além de garota, ela só tem 16. Por isso, ainda é uma indie muito auto-satisfeita, muito condescendente consigo mesma e com seu mundinho. E ela está certa. Só não é certo que façam filme disso, pra gente ir correndo assistir na pré-estréia em sessão da meia-noite.
Um filme que quer ser espirituoso a cada linha do diálogo, com todo o mundo, de cara, desferindo muitas falas cortantes e ácidas, mas que esquece de contar uma história cínica e ácida. O sarcasmo da Juno (que, diga-se de passagem, nunca se aplica a ela mesma) tem, então, uma moldura bem inexpressiva e convencional, mas miguxa, aliás, aparentando uma espécie de prevenção contra conflitos reais e resolvendo uma situação complicada com uma facilidade que pode até ser possível, mas não verossímil. Contraste esse que suponho tenha sido decisivo para arrebatar as audiências. Quer dizer, exceto o Camarada Progressista.
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