Certos filmes precisam ser explicados pelas mais diversas razões. Às vezes por seus pressupostos teóricos ou estéticos pouco evidentes ou muito sofisticados; às vezes por suas contribuições tão fundamentais à cinematografia que hoje muito banais para serem reconhecidas e portanto apreciadas. Esse último é o caso de Cidadão Kane, que sempre que é citado antecede alguma cretinagem das grossas, expectativa que não frustraremos.
O novo filme de Michel Gondry, Be Kind Rewind, também precisa ser explicado. É que algumas piadas são simplesmente sutis demais. A operação Barbarossa, em 1941, por exemplo, ou a volta do Smashing Pumpkins, sem James Iha e D’Arcy, em 2007. E 24 Horas? E as novelas da Record? E o Dollynho? E toda a programação da RedeTV!? Alguém riu?
Ou de uma hora pra outra todas as pessoas se tornaram sérias demais, sérias demais como Fernando Bonassi, metaleiros, comentadores de blog malcriados e as irmãs do grupo de oração, ou algo estava errado. E muito errado.
Terei de dar o braço a torcer e admitir que algumas piadas têm que ser explicadas. Como os trinta minutos iniciais de Be Kind Rewind, e Jack Black girando no ar por força de um choque elétrico, e Jack Black. Trabalhando com hipóteses, vamos à fundamental: o filme começa sofrível, de dar vontade de levantar e ir embora no meio da sessão, de propósito. É o seguinte:
A tese:
A premissa idiota, genialmente idiota, a primeira meia hora, Jack Black e o final Cinema Paradiso: é tudo naïf de propósito.
Um dos tantos mantras de Hollywood, que Rob Lowe já tinha me revelado em sonho, é que, como o verde é o novo azul, Danny Glover é o novo Morgan Freeman. Anotado e conferido em Be Kind Rewind. Mas os senhores devem estar curiosos sobre meu sonho com Rob Lowe. Bom, ele vestia jeans preto e uma camisa I love NY, e tinha penas saindo de trás dele, e uma luz púrpura, que só não ressaltava as rugas no rosto dele por causa da maquiagem glam. Mas não foi um sonho gay, é o Rob Lowe que estava gay. De qualquer forma, muitos outros segredos e planos de Hollywood para a Terra me foram revelados naquela noite, e quando perguntei sobre mim, ele deu de ombros e disse que eu seria roteirista de uma série inspirada na vida de Philip Seymour Hoffman que só duraria duas temporadas e me casaria com Rachel Bilson, divorciada e frágil. Ah, bom, eu respondi.
My fiancée Rachel Bilson.
Me pergunto se daqui a cinco anos Rachel Bilson ainda será tchutchuca. Whatever.
Às vésperas do Natal, celebridades obscuras, por mais paradoxal que venha a ser a expressão, nos aparecem em sonhos auspiciosos. Foi assim quando Kennedy foi assassinado, foi assim comigo, antes de ir ver Be Kind Rewind.
I like nice, simple girls.
E Rob Lowe ainda me preveniu da seguinte maneira, colocando a mão no meu ombro e me fitando (isso mesmo, ele me fitou e tudo) com olhos paternais: - E antes de ir ao cinema ver o novo filme de Michel Gondry, não esqueça de entrar num mercadinho e comprar umas Ruffles. Quando eu perguntei por quê, ele ignorou e me respondeu com uma pergunta: - Você vai fazer isso? – e apertou o meu ombro até doer. Tá bom, falei.
Rob Lowe conhecia o Segredo. Rádios de supermercados de bairro tocando MPB e pop 90s pra trás. Por causa dos rituais pequeno-burgueses das Festas, você entra mais preocupado com o chester e a espumante Peterlongo e de repente se pega cantarolando “Ainda Lembro”, todo serelepe e sem culpa. Marisa Monte e Ed Motta num dueto lin-do. Rob Lowe sabia. Eu estava pronto.
“e quando eu perguntei
ouvi você dizer
que eu era tudo o que você sempre quis
mesmo triste eu tava feliz”
Mesmo triste eu tava feliz, entende? Pode vir Michel Gondry. Chamo a Bjork? Ursinhos! Kiss in your heart! Europeus pensam assim. Exatamente. Quando eu era europeu, pensava assim. Tinha relações com todo o mundo e pensava assim. A mesma coisa com um tio meu que também era europeu. Dizíamos relações. Quando se é europeu, naturalmente se pensa assim. Mas gosto da Capela Sistina, que fica na Europa. Eternal Sunshine of the Spotless Mind, por exemplo, era uma comédia de costumes, com o médico tarado e o perdedor pegando a Kate Winslet, que não estava gordinha nem nada; mas todo o mundo achou que era romance.
O filme é bom.
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