O Natal, essa época cinematográfica, suscita vilanias e heroísmos na mesma proporção. É provavelmente a nota solene de que se revestem todas as coisas durante as festas que torna a data particularmente inspiradora de grandes e terríveis ambições, convocando respostas altruístas por parte daqueles que viremos a chamar nossos heróis. Cada ato ganha, então, uma eloqüência singular.
Por isso, tantas explosões, tantos terrorismos de última hora, ameaçando acabar com a mais ocidental das celebrações. De um contexto como esse é que nascem episódios inesquecíveis, momentos que se assomam à mente dos contadores de histórias muito adequadamente iniciados pela épica fórmula “Como fulano salvou o Natal”. Obviamente, não negligenciaremos tais heróis, nos quais, de fato, se deposita o melhor do espírito humano, e de forma tão concentrada que é inevitável que transborde num feito memorável.
E para abrir nossa infelizmente reduzida galeria (por falta de tempo dos colaboradores deste blog), como não poderia deixar de ser – John McClane. Trata-se de uma espécie de Heracles moderno. E, com efeito, supera o semideus, considerando-se que este levou, para realizar os Doze Trabalhos, muito mais tempo do que dispôs McClane, que salvou o Natal, por duas vezes, em apenas algumas horas, e sem qualquer patrocínio divino. (Notem que, curiosamente, quando o cenário não era o Natal, como nas duas seqüencias de 1995 e de 2007, o brilhantismo da série Die Hard se perdeu. O que ilustra a estreita ligação entre o significado desta época e o personagem.)
É, contudo, principalmente a motivação de John McClane que o faz maior que Heracles. Se um é levado a atender os pedidos de Eristeu, rei de Argos, talvez por uma penitência imposta pelo Oráculo de Delfos, ou seja, compulsoriamente; o outro cumpre com sua vocação heróica de maneira completamente altruísta, sob circunstâncias casuais. Isto é, se quisermos denominar acaso o nobre chamado para salvar milhares de vidas inocentes em perigo.
Neste ponto muitos talvez objetem, alegando que se trata de diferentes concepções de herói, inexistindo um termo de comparação suficiente. A estes, respondo que o espírito humano é o mesmo em todo o tempo, apesar de se colorir distintamente e que, se querem um exemplo de sacrifício semelhante ao do herói moderno, mas contemporâneo a Heracles, pensem em Antígona, que caiu em desgraça por amor a seu irmão Polinices. E nem menciono seu pai, Édipo, que, na verdade, agia movido por interesse particular, por orgulho.
Inesquecível!
Heracles obteve, como recompensa do cumprimento de seus Doze Trabalhos, a imortalidade e, assim, ascendeu ao Olimpo. Ora, o Olimpo de John McClane são as nossas mentes e corações, onde ele viverá perpetuamente incensado por nossa gratidão e admiração.
Quando coração era mais importante que músculos.
Nos dias de hoje, quando o obtuso Jack Bauer (que parece agora servir de parâmetro para composição de personagens de filmes de ação, inclusive para o último Die Hard) vem usurpar, em nosso imaginário, o sagrado lugar reservado aos heróis, é mais do que necessário que nos voltemos ao passado, à figura original de John McClane, a fim de recuperar nossos valores e repensar que rumo queremos dar à própria trajetória do gênero humano.
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