Neste Natal, tomaram minha masculinidade, e ainda estou em via de resgatá-la. Foi num encontro às cegas. Tá, nem tanto assim: eu já tinha visto a menina. Mas o constrangimento era o mesmo, com você encontrando a pessoa e pensando “onde é que eu estava com a cabeça?”. O encontro às cegas, que é das reminiscências arcaicas mais pronunciadas na atualidade, aponta para um tempo em que as pessoas não tinham escolha, quando o amor não acontecia nos termos e condições democráticos que agora acreditamos imprescindíveis.
Regressivos assim, ela e eu nos dispusemos inconscientemente a uma dança de morte, em que um tentava conquistar a supremacia sobre o outro. Não, não foi com essa clareza de termos que a coisa toda se manifestou pra nós. Na verdade, ainda que vocês não acreditem, eu costumo dar espaço às pessoas, contanto que eu tenha o controle da situação. Em outras palavras, ritualisticamente ocupo a posição masculina, macha. É necessário que eu conceda esse espaço; do contrário, como quando o outro o toma por si próprio, como dessa vez, eu me perco.
E o pior de tudo: ela o fez naturalmente, como se devesse ser assim. E parece que devia mesmo. E eu fiquei confuso e assustado como uma menininha.
Eu simplesmente não sabia o que fazer. E ela era extremamente compreensível com a minha situação, mas ao mesmo tempo não me dava brechas. Porque ela estava, afinal de contas, usurpando a posição macha, agora posso compreendê-lo claramente. Deixem-me caracterizá-la sucintamente, assim vocês concordarão comigo. 1) Ela determinava se sentávamos (e onde sentávamos) ou se andávamos. 2) Ela sugeria os tópicos da conversa e os desenvolvia. 3) Ela falava de questões e momentos difíceis da vida dela já superados. Já superados. 4) Ela citava filmes, peças e músicas que eu desconhecia. 5) Ela não ria dos meus comentários engraçadinhos. 6) Ela era mais prática do que eu.
Agora, da minha parte: 1) eu acatava; 2) eu olhava pra baixo, pra ponta dos sapatos, e chutava pedrinhas; 3) eu gaguejava, perplexo; 4) eu balançava a cabeça concordando, totalmente ignorante; 5) eu me desesperava; 6) eu queria fugir.
Em resumo, ela fez com que eu sentisse completamente dispensável, como uma garota. E ainda piora, pois eu estou em casa, doido pra vê-la novamente, sob o único argumento de que “ela tem uma coisa que eu não sei explicar o que é”. E eu acho que estou a fim. É, eu devo estar a fim. Idiota. Eu me transformei vocês sabem no quê. E eu acho que estou atraído por uma moça porque ela me lembra um vocês sabem o quê. Não que eu tenha alguma coisa contra quem se sinta atraído por vocês sabem o quê, mesmo sendo fundamentalista e tudo, porque o meu fundamentalismo é, nesse sentido, bem limitado.
Presumo que os bons espíritos do Natal, cuja missão é redimir os aparentemente incorrigíveis, querem que eu me arrependa da minha inócua misoginia e do meu machismo auto-indulgente. Camarada Fundamentalista é, afinal, um título comum aos dois gêneros.
Eu preciso que ela me diga algo. Eu não ligo se ela continuar ocupando a posição masculina, contanto que ela me trate com a mesma condescendência e maciez que eu costumava dispensar às mulheres. Na verdade, seria perfeito. É tudo que eu sempre quis – que elas fizessem tudo, porque eu sempre estou tão, tão cansado –, apesar de nunca haver imaginado que isso significasse ter de renunciar, em parte, à minha masculinidade. Mas, também, a gente acaba percebendo que não era tão importante, que dá pra se viver sem. Que é só o estúpido orgulho masculino! E que é o masculino, enfim? Uma convenção! Chocolate, bebês, cuidar do cabelo, fazer as unhas, não é tão ruim assim.
Eu de vestido. Eu de saltos. Eu falando que nem criança. Eu magoado. Eu frágil. (Espero que ela esteja lendo isso.) Eu me fiz de difícil. Eu disse que não estava rolando. Mas é que eu estava inseguro, só porque, no final das contas, ela está no controle. Você está no controle. É um milagre de Natal. Ho, ho, ho.
a-d-o-r-e-i o post!
ResponderExcluira melhor parte: "porque eu sempre estou tão, tão cansado"
sinceridade é o canal! hahahaha...
acho q vcs vão se dar bem, hahahahaha...