quinta-feira, 2 de outubro de 2008

De como Jewel e eu salvamos a Augusta

Jewel e eu. A Jewel de 95 é um dos meus 14 grandes amores. É uma lista fixa que foi inaugurada muito antes de eu saber que seria uma lista, quando eu vi um dos irmãos Hanson, aquele, e achei que era uma garota, pelo que me lembro, mas isso não vem ao caso.

Depois mais equívocos, quando eu me apaixonei pela Victoria (então) Adams, ainda Posh Spice, por causa de “2 Become 1”, que eu cantava junto, em falsete, apontando com o dedinho que nem ela fazia no clipe.

Mas se é natural sentir atração por um homem, achando que é uma mulher, e mesmo depois de descobrir, não querer acreditar, bem, e gostar de Jewel?

Em Pieces of You, seu debut, ela expôs sua alma dilacerada, ecoando a dor de multidões que comprariam o disco, garantindo um colinho milionário para suas lamentações intermináveis, mas totalmente justificadas. Porque ela não negociaria seus sentimentos para agradar ninguém. Aqui, o paralelo com Marilyn Mason é evidente e inevitável, como muito bem assinalado pelo Wikipedia.

Mas Jewel e eu. Talvez nossa história tenha começado apenas por causa da rua Augusta. Sim, acho que é isso mesmo. Já posso me lembrar...

Jewel de 95.

De como eu desci a Augusta, sentido centro, e provei um pouco do mundo cão. Como descesse a Augusta, sentido centro, muito, muito longe de casa, logo ficou claro pra mim que seria difícil viver o lado Coca-Cola da vida ali. E a coisa só piorou, quando a Bichinha Pobre, perto de mim, disse detestar cinema nacional. Nesse instante, devastado, pela quinta vez naquela semana jurei vingança ao Capital, que fazia do homem proletário, e do proletário consumidor, e do consumidor bichinha, aquela bichinha.

Um menino como eu, criado a leite com pêra, conhecia lugares como a Augusta apenas de ver Amarelo Manga ou Baixio das Bestas. Aliás, assistir Baixio das Bestas é um tipo de obra social.

De como eu me juntei com o dono do Feliciano’s Bar para trazer Jewel pra Augusta e salvar aqueles desgraçados. Com essas noções de degradação social do cinema brasileiro misturando-se na minha cabeça, é que eu me lembrei do clipe de “Who Will Save Your Soul”, em que a Jewel salvava um bando de excluídos incontinentes num banheiro público só tocando violão. Foi aí que eu tive a idéia de trazê-la pra cá, e então era só ela tocar violão e fazer aquele bando de pederastas e meretrizes mudarem de vida.

Parei pra tomar uma Coca num boteco, eu, um menino criado a leite com pêra, mas que, àquele ponto, já não tinha mais escrúpulo algum. O dono do bar, que era uma espécie de Paul Newman paraibano, chegou-se pro meu lado e disse: – Eu sei o que você tá pensando, que isso aqui não tem jeito. Mas você, um menino criado a leite com pêra, não veio parar aqui por acaso. Não podem imaginar como aquelas palavras me devolveram toda a vontade de mudar o mundo. Puxei na hora um santinho do Glauber Rocha que eu carregava comigo, junto ao peito, e beijei-o.


Terminei a Coca de um só gole e disse àquele clarividente comerciário:

- Eu acho que sei o que fazer, mas preciso da sua ajuda.

- Opa – ele respondeu e bateu o paninho encardido contra o balcão.

Contei então pra ele o meu plano de trazer Jewel pra Augusta. Nessa hora fizemos o Hi-5.

De como eu não tinha idéia de como trazer Jewel pra Augusta e salvar aqueles desgraçados e acabei desacreditado pelo dono do Feliciano’s Bar. Então, o dono do bar me perguntou como traríamos a “Jiu” e seu violão pra Augusta. Respondi que eu não era um indivíduo particularmente prático. – E não particularmente? – ele me perguntou. Desconversei, falando que uma coisa dessas não acontecia assim, da noite pro dia, a-ham.

De como o acadêmico falha miseravelmente em alcançar o Homem Comum. O problema todo do Homem Comum é esse: a incapacidade de deter-se no plano das idéias, viver uma experiência puramente teórica, por mais paradoxal que pareça. Ele quer ver logo os resultados, quer partir pra ação quando não é hora. E, aliás, quem pode saber qual é a hora? Era o que eu procurava explicar ao dono do bar. Inutilmente.

De como tudo acabou inesperadamente comigo cantando pro dono do Feliciano’s Bar “Who Will Save Your Soul”, porque também ele era um desgraçado. Então, eu comecei a cantar, arriscando inclusive um falsete:

People living their lives for you on TV
They say they're better than you and you agree
He says "Hold my calls from behind those cold brick walls"
Says "Come here boys, there ain't nothing for free"
Another doctor's bill, a lawyer's bill
Another cute cheap thrill
You know you love him if you put in your will
Who will save your soul when it comes to the flower
Who will save your soul after all the lies that you told, boy
Who will save your soul if you won't save your own?

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