quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Nosotros fuimos al cine

1 O fantástico Senhor Raposo estreou sexta passada por aqui, mas nós já tínhamos visto durante a Mostra numa sessão muito especial porque contou com a presença de Pablo Villaça. Foi preciso controlar meu acompanhante, que teve acessos de tiete. Gostamos muito. A estética e o humor de Wes Anderson encontraram seu lugar na animação. É seu melhor filme desde Os excêntricos Tenenbaums, que vocês devem imaginar que é dos meus favoritos. Uma tarde dessas, assisti o Senhor Raposo uma segunda vez com uma amiga do serviço e ela dormiu a maior parte do filme.

2 Também vi, com a amiga mencionada, Cidadão Boilesen, um filme necessário. Cidadão Boilesen, um filme necessário, é um documentário sobre Henning Boilesen, que dá seu nome a uma rua na zona Oeste da capital e foi presidente da Ultragás nos anos 1960. Era dinamarquês e se mobilizou, junto ao empresariado paulistano, para patrocinar a tortura na época do regime militar. Chegou a participar de sessões muito privativas no clube DOI-Codi, convidado especial do coronel Brilhante Ustra, que também conta sua versão da história. O nome de Sergio CAMARGO CORRÊA também é citado, além, é claro, da Folha de S.Paulo como empenhados patrocinadores da tortura. E muitos outros que não ousam dizer o nome, mas que estão por aí alegres a cantar, como afirma um militar reformado, também entrevistado. Um filme necessário.

3 E ontem mesmo vimos uma sessão tardia de Um namorado para minha esposa, espécie de Se eu fosse você argentino, sem o histrionismo e o mau-gosto que só Daniel Filho e grande elenco podem fazer por você. Noveleiro que é, Daniel Filho não está cometendo nenhum crime, mas dando o que o povo quer. Mas, como eu e você nos achamos mais que povo, fiquemos com o cinema argentino, sensível e contido, mesmo ao mostrar que nuestros hermanos son más bregas que nosostros. Inclusive endosso quem diz que espanhol é só um português ridículo. Pantalones e preguntas é que não me desmentem.

4 E falando em cinema nacional, discutimos os problemas da maior parte da produção atual (e desconfio que da passada, como também da futura) e identificamos uma causa principal, chamada Fator Clóvis Bornay. Trata-se do exagero e da pompa que marcam e que, na maioria das vezes, deformam qualquer expressão cultural no Brasil. Foi descoberto enquanto víamos, aos risos, o trailer de Ouro Negro, filme com Danton Mello sobre a fundação da Petrobras. Siiiiim. O projeto obviamente exigia uma superprodução para a qual, no entanto, faltava orçamento. Resultado: overacting, que na cabeça dos atores brasileiros compensa o déficit épico da mise-em-scène pobretona, e efeitos especiais de Trapalhões, rendendo uma grande sessão de humor involuntário. A estrear.

5 The Conversation, um Coppola de 1974, é provavelmente melhor que Apocalypse Now, mas esse é o tipo de controvérsia que não me interessa criar quando o barco já está afundando. Mas é outro FILMAÇO que assisti nesse interlúdio gostoso longe de vocês. Procurem pela internet, porque não foi lançado nem em VHS, nem em DVD, entrando numa longa lista de títulos essenciais que aguardam a boa vontade das distribuidoras, que precisam lançar antes edições comemorativas de Vovozona para aquecer o mercado, ui.

6 Li também muitos livros, porque os blogs que eu acompanho deixaram de ser atualizados. Aparentemente blogueiros entram em “crise criativa” ou “se cansam do formato”. Tudo se passa como se estivessem escrevendo Anna Karenina. São divas que perderam a hora da pedicure. Recomendo Lady Macbeth do distrito de Mtzensk, uma novela russa em que muita gente é assassinada e você sente que é o próximo. Das melhores coisas que li. E esta passagem aqui de um texto da jornalista Vanessa Barbara, porque de repente dei pra citar texto de jornalista: “O tempo corria para trás nas aulas de francês do mosteiro São Bento – como se fosse sempre à tarde e nós usássemos chapéus.” Sei lá, posso andar sentimental, mas esse “como se fosse sempre à tarde” me pareceu tão bonito quanto um haicai sem ser. Grato.

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