segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Fomos ao Cinema ver Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2 encostou em Dona Flor e os Seus Dois Maridos como filme com maior presença de público na história do cinema nacional. Foi o segundo filme mais visto nos últimos 20 anos no Brasil, perdendo apenas para o Titanic. Resultou em mais edições especiais de revistas do que a saga Crepúsculo. Todo esse espetáculo de cifrões deixou a mídia brazuca alvoriçada. O Capitão Nascimento e sua fúria republicana (versão canarinho-de-lagoa) rende. Corte para Charles Foster Kane, querendo que o povo pensasse o que ele quisesse que o povo pensasse, e criando guerras de mentiras para dar ao povo o que pensar, pois o povo pensando na sua guerra de mentira compraria ao borbotões os seus jornais com suas notícias sobre a guerra de mentira, gerando lucros muito, mas muito reais. Mais um corte, e vemos o Exército, o BOPE (caveira no uniforme) e a Polícia Militar (aquela que, segundo o Capitão Nascimento no filme, deveria acabar) invadindo o Morro de Alemão, com transmissões empolgadíssimas ao vivo para televisão e  internet, e com o criador do mito Rodrigo Pimentel comentando tudo para você na sua Rede Globo de Televisão. E as caveiras da bandidagem se atropelaram, e o Morro foi "libertado", com direito a bandeira do Brasil empunhada no topo e tudo mais. Mais Iwo Jima do que isso não seria impossível.
Ficou bem de terno, parceiro
 Ontem eu estava vendo o Pânico na TV, um programa que você normalmente não associaria a um panorama como esse, e nele vimos um capitão da Polícia Militar do Rio (aquela que, segundo o Capitão Nascimento no filme, deveria acabar) todo orgulhoso, levando dois humoristas do programa travestidos de Lula e Marina Silva (a última sendo interpretada pelo cara que criou o Freddie Mercury prateado, que foi capa da Trip, essa revista que um dia fez o Mano Brown incentivar um sequestro ao Ronaldo  Fenômeno, o que teria sido de grande valia aos corintianos, analisando agora pelo retrospecto) para o topo do morro, mostrando como está agora o local que era totalmente dominado pelos traficantes. 

Corte para o filme Tropa de Elite 2, no qual, em mais uma frase que entra para o rico folclore do Capitão Nascimento (esse deve ser o nome inteiro dele, no RG e tudo mais), "o inimigo agora é outro, parceiro". O primeiro filme foi acusado de ter uma ideologia levemente fascista. Então o seu cabeça, o excelente diretor José Padilha, tremeu nas pernas, e mudou o tom na continuação, colocando os políticos e a elite como inimigos, e não os moradores dos morros, que no primeiro filme se mostravam compactuantes com o tráfico. Então vemos saltitantes o Capitão Nascimento dando porrada em um político corrupto, apontando o dedo para o Governador carioca (o ator escolhido para interpretá-lo é uma sósia quase perfeita do Sérgio Cabral, mas falem isso bem baixinho) e para um apresentador de televisão e vereador cheio de mutretas e segundas intenções. E, principalmente, vemos o Capitão Nascimento esculachar (usando um termo do próprio) a Polícia Militar do Rio de Janeiro, que usou uma invasão do sempre infalível, imaculado e incorruptível BOPE a uma favela para tomar conta da mesma e montar as famigeradas milícias, que se mostram no filme ainda mais opressoras à população local que os queridos traficantes.  E ai, mais pro final do filme, o Capitão Nascimento diz que a "Polícia Militar do Rio de Janeiro tem que acabar". 
Perder a mulher para ativista social bundão não pega bem para um caveira, parceiro
Corta outra vez para o Morro do Alemão, com os policiais militares cariocas sorrindo orgulhosamente e empunhando a bandeira do Brasil, ao lado dos caveiras (como são carinhosamente chamados os membros do BOPE, que é a única organização de combate ao crime no mundo que ostenta o símbolo, algo que nem a querida SS nazista fez) e dos soldados do Exército, a glória da Pátria nacional. Eles esculacharam os traficas, e agora o Morro do Alemão está livre dos criminosos. A Hebe chorou, o Gugu disse "GANHOOOOUUUUU!!!!!!", o William Bonner franziu a testa e disse "Boa Noite!", e os moradores do Morro do Alemão agora estarão sobre a agradável tutela do poder público, lendo-se nas entrelinhas a Polícia Militar do Rio de Janeiro. Aquela que, como visto na trama do filme, que é baseada em uma bem real ação de milícias de policiais em morros cariocas livres do tráfico, se aproveitou de uma invasão bizarramente parecida e bem sucedida para explorar uma favela e oprimir os seus moradores. E aquela que, segundo o Capitão Nascimento, "tem que acabar". O roteiro do filme foi escrito por Padilha, baseado no livro A Elite da Tropa 2, que foi co-escrito por Rodrigo Pimentel, que é o ex-BOPE que criou o Capitão Nascimento à sua imagem e semelhança, e que, servindo como comentarista na Rede Globo de Televisão, elogiou a conduta de todos os envolvidos na operação de retomada do morro, INCLUSIVE A DA POLÍCIA MILITAR DO RIO DE JANEIRO. Aquela mesma que, segundo palavras saídas da boca de um personagem criado por ele e que é obviamente a sua contraparte ficcional, "DEVERIA ACABAR". E com elogios deslavados à política de contenção do Governador Sérgio Cabral. Aquele que se parece fisicamente com o ator que interpretou o fictício e corrupto governador carioca no filme Tropa de Elite 2. 

Nada de saco na cabeça para o filho maconheiro, parceiro
 Corte para Cláudio Lembo, que foi Governador do Estado de São Paulo por 5 minutos, minutos esses que incluíram o agradabilíssimo dia 15 de Maio de 2006, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital, organização irmã das cariocas que controlavam o Morro do Alemão) parou a cidade de São Paulo. O sortudo homem - que substituiu o vampiro brasileiro José Serra, que pela milésima vez saia de um cargo recém assumido para buscar um outro de maior importância -foi entrevistado ao final dos ataques, e disse a seguinte frase:  "-Isso é culpa da elite branca". Uhm... quem sair de uma sessão do filme A Tropa de Elite 2 pode achar que o filme pega essa frase do ex-governador paulista de coração. Mas o BOPE subiu de novo ao morro. E a Polícia Militar do Rio de Janeiro não acabou. E o governador distribuiu gracejos a jornalistas e vedetes. E o Morro continua em pé. E seus moradores estão com as paredes cheias de buracos de bala. Pois, veja só, parceiro: o inimigo agora é outro. Missão dada é missão cumprida, parceiro.

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