segunda-feira, 26 de maio de 2025

Ninguém Sai Triste de Cannes

 Não, não é a epidemia de dança de Estrasburgo em 1518, mas é bem parecido

 

Ninguém pode negar a vocação para inovação que o festival de Cannes sempre demonstrou. Por décadas referência de premiações mais voltadas para o circuito de arte do que mainstream, o prêmio era considerado um selo de qualidade instantâneo para seus ganhadores. 

Só que os tempos mudam. Na realidade que vivemos desde a pandemia, então, aí você pode escolher seu acelerador quântico preferido e se esbaldar. A velocidade e alcance com o qual vemos instituições e conceitos antes sagrados sendo transformados em piada está atingindo níveis assustadores.

O que vimos em Cannes na última semana foi digno de um espetáculo circense. Sem querer entrar no mérito do caráter cada vez mais predatório que as premiações do mundo do entretenimento tem exibido nesses tempos de redes sociais e influencers, e tentando olhar para os acontecimentos do festival de maneira isolada, posso dizer que fiquei chocado com a quantidade de risadas que dei acompanhando as notícias e eventos que se desenrolavam na Riviera Francesa. 

Foi tudo absolutamente espontâneo. Acreditem, não era minha intenção ou agenda cair na risada acompanhando o festival. Simplesmente foi algo que aconteceu de maneira constante nessa semana. Ver as intermináveis sessões de aplausos para todo e qualquer filme que estivesse sendo exibido, as caras de felicidade e humildade ensaiadas à exaustão pelos artistas, esses que metem os pés pelas mãos por estarem sempre em pânico com a eterna ameaça de serem os próximos alvos da Inquisição Espanhola das redes, culminando em manobras de RP que foram ficando exponencialmente mais ridículas e absurdas à medida que o festival caminhava para sua fase mais aguda, criando um inesperado cenário cômico para aqueles que, como eu, esperavam uma semana de celebração da combalida sétima arte.

Um desastre completo. As benditas palmas foram tão exageradas e fora de lugar que acabaram basicamente criando uma polêmica sobre a legitimidade das mesmas, algo que mancha de maneira brutal o legado histórico do festival. Ficou um troço ridículo, brega, cafona, para chutar o balde logo de uma vez.

Volto então a considerar o contexto global do negócio todo. Cannes é um navio sem rumo, perdido nas tormentas desses terríveis anos pós-Corona, mas isso não pode ser, de maneira alguma, uma justificativa para o espetáculo tragicômico que presenciamos. Eles teriam a obrigação de tentar pelo menos fazer o simples e entregar uma premiação digna, que não provocasse surtos de risadas e escárnio entre aqueles que consomem cultura, tanto de arte quando de massa. 


 

 

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