quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Fomos ao Cinema ver Ensaio Sobre a Cegueira




Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.


Camarada Progressista acorda. Camarada Progressista toma café, e liga para o Camarada Fundamentalista.

C.P -Alô. Vamos ver o Ensaio Sobre a Cegueira

C.F. -Vamos. Vamos ver o Ensaio Sobre a Cegueira

C.P. -Vamos chamar aquela amiga que leu o livro e achou bala?

C.F. -Vamos. Vamos chamar aquela amiga que leu livro e achou bala

C.P. -Eu sei a história do livro. Todo mundo fica cego, do nada. A sociedade começa a entrar em colapso, e todos acabam descobrindo -depois de muita sujeira e sacanagem- que o ser humano somente pode aproveitar o relacionamento com os seus semelhantes de uma maneira harmônica e civilizada quando ele não pode enxergá-los, livrando-se assim dos preconceitos e pré-julgamentos em relação aos seus iguais. O negócio segundo o velho batuta é todo mundo colocar uma venda nos olhos e sair amando todo mundo. Bem que eu achava que os cegos sempre tinham muito amor para dar mesmo. O filme deve ser a mesma coisa. Um monte de simbolismos bonitos e ingênuos. O Saramago, velho comuna que é, acredita mesmo nessas bobagens.

C.F. -É verdade.

C.P. -Né?

C.F. -É

C.P -Marca ai, e vamos.

Marcamos, e fomos

Depois do filme:

C.P -Pô, esse filme é uma porcaria

C.F. -É

C.P. -Teríamos aproveitado melhor se tivéssemos visto com uma venda nos olhos. Você sabe, apenas com o áudio, não teríamos de ter aturado o anacronismo Stoneano do Meirelles, ou então a desagradável sensação de ver a nossa cidade usada como um símbolo do colapso da civilização ocidental, da inadequação humana, e de todo o resto.

C.F. -Mas isso não seria deveras metalinguístico?

C.P -Talvez fosse essa a intenção do cara, percebemos que a melhor maneira de entender o espírito do filme fosse vê-lo com os olhos fechados ou obstruídos. Vamos tentar ver o filme de novo dessa maneira? Com uma venda nos olhos?

C.F. -Não, pombas. Isso seria deveras constrangedor. Vai você, que eu fico. Leva a amiga que achou o filme bala.

C.P. -Ela aceitaria a experiência?

C.F. -Não sei. Liga lá. Hi - 5

C.P. -Hi-5



Liguei. Ela não aceitou. Fui então sozinho. Entrei normal na sala de cinema, sussa. Ai, quando as luzes se apagaram, peguei minha venda e coloquei nos olhos. Magia. O filme aconteceu para mim. Emocionante. Jamais havia notado o quanto podemos evoluir como seres humanos quando colocamos uma venda nos olhos. Liguei então para o Fundamentalista


C.P. -Alô

C.F. -Alô

C.P. -Vi o filme com uma venda nos olhos. Transcendi.

C.F. -Você é um idiota.

C.P. -Você diz isso agora. Se ficasse com os olhos fechados, perceberia o quanto uma afirmação dessas pode ser carregada de ódio e pré-julgamentos. Vamos fazer assim: feche os olhos, e eu falarei mais uma vez sobre a experiência que tive, e você verá que a sua reação anterior foi equivocada.

C.F. -Ok. Fechei os olhos.

C.P. -Bom. Vamos tentar de novo. Oi, Fundamentalista, eu assisti de novo o Ensaio Sobre a Cegueira, dessa vez com uma venda nos olhos. Transcendi.

CF. -(Segundos de silêncio depois) Você é um idiota. Nossa, chamar você de idiota com os olhos fechados foi uma experiência única. Transcendi.

C.P. -Bah. Será que eu consigo as 10 pratas que paguei?

C.F. -Não sei. Tente pedir a grana de volta com uma venda nos olhos.

C.P. -Ha ha. Nessas eu já tirava a venda e te mandava uma nas fuças. Mudando de assunto, você viu o casamento da Sandy?

C.F. -Vi. Também tenho acompanhado todas as notícias relacionadas ao casório, lua de mel e tudo mais. Estou gastando um dinheirão com as Contigos da vida. Mas vale a pena. A Sandy é realeza.

C.P. -Digo o mesmo! Será que o cara que ela casou será um bom marido? Qual é o nome dele mesmo? Joca, Jonas, Lúcio, André, Márcio... putz... deu um branco..

C.F. -Não é Ricardo? Ele era daquela grupo meio Hanson com violinos, não era?

C.P. -Era sim. Mas o pai dele fazia parte. Então, era um grupo meio Hanson com violinos e com o pai junto. Mas arrisco dizer que era melhor que o Hanson. Liga pra nossa amiga, ela sabe o nome do carinha, parece que ela acha ele um pão.

C.F. -Ligo sim. E a crise econômica, você tem se informado a respeito?

C.P. -Putz, não... é que, tipo, dá um bode de ler sobre... Mas conta aí pra mim o que está rolando!

C.F. -Estou por fora também. Pena.

C.P. -Pena.
O telefone tocou. Era outra linha.

A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava.

Um comentário:

  1. http://comentandosa.blogspot.com/

    Um novo jeito.
    Historia, Direito, Cinema.
    O que vc quiser saber.

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