quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Fomos ao Cinema ver: Tropa de Elite

Eu confesso, estava louco para descer a lenha nesse filme. Don't believe the hype, dizia para mim mesmo. Vá, veja com os seus próprios olhos, e salomonicamente desfira o implacável veredicto. Todo esse ceticismo chegava às vias da raiva quando ia num stand center da vida e me deparava com cópias piratas do filme em todos os cantos, chegando até a ver uma versão chamada "Tropa de Elite 2", que seria, acho eu, uma versão com edição diferente das cópias normais, ou mais atualizada perante as que circulavam havia meses no mercado informal. Sim, o pessoal estava se dando ao requinte de editar o filme ao seu bel-prazer, juntando as partes do filme que circulavam na net para fazerem a famosa"camelô's cut", uma beleza. Quando descobri que estimativas chutavam que haviam sido vendidas um milhão de cópias piratas do filme, percebi que era impossível escapar. Era o filme sair nos cinemas para eu ir conferir e vir aqui contar para vocês. Pois bem, posso dizer que no final dos 118 minutos de exibição do filme, sentia como se tivesse levado uma surra. Eu e o Fundamentalista, que vimos a película num cinema afrescalhado na mais paulista das avenidas (problemas logísticos, nós somos do povão, jão!), sáimos atônitos, desconcertados da sala de exibição. Basicamente, o roteiro, escrito pelo diretor José Padilha em parceria com o roteirista Bráulio Mantovani (Cidade de Deus) e com o ex-sargento do BOPE Rodrigo Pimentel, conta a história de três personagens que dividem a vontade de mudar uma realidade acachapante, mas que, tomados por uma sufocante sensação de indignação e impotência, acabam cedendo a comportamentos de extrema violência e inadequação dentro de valores sociais.

Os três roteiristas acabaram usando um artifício inteligente para conseguirem surpreender os espectadores. Ao permitirem que a película seja vista e transmitida ao espectador pelos olhos do Capitão Nascimento, comandante do BOPE, a famosa Tropa de Elite do título e braço das forças armadas no contigente policial carioca, um sujeito de valores fortíssimos, que sente verdadeiro desprezo pelas fileiras policias contaminadas pela corrupção que permite a proliferação do tráfico, mas que ao mesmo tempo usa de métodos condenáveis para realizar o seu trabalho, os roteiristas acabam nos jogando dentro daquela realidade torturante, sem meias palavras ou romantizações desnecessárias e covardes. Cada palavra dita pelo Capitão na narração é como uma bela pancada no estômago, já que geralmente são intermediadas com cenas de torturas de jovens, estudantes e mulheres, e suas discrições irrepreensíveis do cenário e das relações entre o tráfico acabam nos levando a, ainda que incoscientemente e instintivamente, compactuar com os métodos do sujeito, já que a polícia, que deveria trabalhar para coibir essa situação, corronpe com absurda facilidade e impede o combate às drogas, e a classe média é talvez a maior vilã do filme ao cobrir de hipocrisia uma situação provocada pelas suas próprias necessidades. É aí que reside a questão principal do filme, que o levou a ser acusado de fascista pelos ignóbeis sociólogos e jornalistas "formadores de opinião". O fato do filme ser narrado pelo incorruptível e violento Capitão Nascimento, e do filme trazer uma suposta visão "romanceada" dos membros do BOPE, não significa, em momento algum, que compactuam-se com os métodos e a visão daqueles homens. Seria, porcamente comparando, como se o Stanley Kubrick compactuasse com o comportamento do personagem Alex no filme Laranja Mecânica. Afinal, o personagem narra o filme todo e todos os acontecimentos do filme são permeados com suas observações, que geralmente eram chocantes justificativas dos seus atos brutais e chamados patéticos de pena e compreensão, afogados em cinismos e sarcasmos. E digo isso como mero efeito narrativo, não entrando no mérito da validade ou não dos atos dos policiais do BOPE. Entendam, burros e incautos: um bom filme levanta questões e confia na nossa capacidade intelectual e de discernimento. Ele não julga os seus personagens, não os divide em maniqueísmos baratos, não usa de efeitos de trilha sonora para acetuar bondade ou maldade nos mesmos. Ele simplesmente conta uma história e deixa a nossa bagagem de vida cuidar do resto.
É o caso do Tropa de Elite. Capitão Nascimento, Matias e Neto, os três personagens principais, são homens que tomam a decisão de se manterem fiéis a princípios de honra e caráter, julgando os seus deveres com a nação e com a sociedade maiores do que qualquer tentação ou saídas fáceis, mas que somente conseguem atravessar todo o mar de lama que os rodeiam incorruptíveis na base da porrada. Não conseguem admitir a propensão de seus colegas a cairem nos braços da corrupção, nem toleram a passividade dos moradores da favela e dos mais favorecidos que condenam abertamente mas ao mesmo tempo fazem uso velado dos serviços dos traficantes. Por isso, vemos o Capitão Nascimento sendo cruel e implacável com policiais corruptos no curso que administra para escolher o seu sucessor no BOPE. Por isso que vemos o Matias interromper uma manifestação de paz em memória de uma patricinha morta pelos traficantes, surrando raivosamente um companheiro de faculdade que vendia drogas na instituição e participava da manifestação, e bradando contra a hipocrisia daqueles jovens que não abriam mão dos seus baseados e queriam ainda bancar uma máscara de indignação. E também vemos no final Nascimento e Matias irrompendo com o BOPE numa favela à procura de um traficante, não hesitando em ameaçar inocentes moradores, que na visão deles, compactuam e se mantém impassíveis diante dos traficantes. A capacidade de indignação que eles sentem não encontra pares em todos esses cenários, e eles, embrutecidos e coléricos, desferem golpes contra suas próprias afirmações de vida e caráter. Ao menos, eles pensam assim. Impôem-se pelo medo e pelo temor. Ao agirem dessa maneira extrema , nos jogam outra questão: o próprio desrespeito ao ser humano e ao valor de uma vida não os colocam junto daqueles traficantes e policiais corruptos? Afinal, um homem que coloca em risco a vida de inocentes, que usa da violência como método de coibir a própria violência, que usa da tortura como principal método de investigação, não estaria apenas propagando o fogo de um incêndio dantesco? E afinal, indo mais longe: seria essa a única maneira de combater esse cenário doente? Afinal, os únicos homens capazes de seguirem linhas de comportamento capazes de lutar contra os traficantes são também os homens que não hesitam em matar e torturar seus semelhantes. O filme levanta todas essas questões, traz personagens inesquecíveis, como o patético Capitão Fábio, que parece ter esquemas de corrupção em todos os cantos da cidade, mas ao mesmo tempo é um ser fraco e patético, incapaz de encarar de frente a gravidade e os efeitos de seus atos. Matias e Neto, interpretados com correção pelo estreante André Ramiro e pelo subestimado Caio Junqueira, respectivamente. A nossa ex-tetéia, Fernanda Machado, não pareceu em sintonia com a sua personagem, ou como ela deveria ser, mas como ela é linda, estamos pouco se lixando, é só pedir mais atenção da próxima vez. E, lógico, o já icônico (para o bem e para o mal) capitão Nascimento. Já zoei nesse blog o fato de 95% dos filmes nacionais terem o Wagner Moura no elenco, mas isso não diz respeito ao talento do cidadão. O cara é bom mesmo, fazer o quê, só devia usar com mais parcimônia seus talentos e não embarcar em duzentos projetos por mês. Se ele não for indicado ao Oscar de melhor ator (sim, você entendeu bem, OSCAR), será um absurdo. Seu domínio cênico e sua caracterização precisa e imponente de um homem sério tomado pela indignação e pela brutalização ficarão para a história do nosso cinema. Uma das melhores atuações que eu já vi na vida. Méritos para o diretor José Padilha, estreiando em ficção depois de dois documentários. As cenas de tiroteio humilham todo e qualquer filme hollywoodiano, e a história, mesmo tendo diversos flashbacks e idas e voltas narrativas, jamais deixa de soar envolvente e brilhantemente agonizante. Eu queria falar mal. Mas, infelizmente, esses playboys que vão assistir filmes com idéias pré-concebidas são o caô. CAMARADA PROGRESSISTA, VOCÊ É O NOVO XERIFE! E AGORA, SEU MOLEQUE?

2 comentários:

  1. Muito boa sua crítica, especialmente o elenco de questões levantadas e a caracterização do Capitão Fábio. Os atores que fazem os estudantes são mesmo o ponto fraco do filme, inclusive a belezura. É pena...

    E a verdade é que não se tem respostas - o filme é uma espécie de monumento a nossa perplexidade.

    Estreante se escreve assim...

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  2. "peço pra sair, peço pra sair"

    hehehehe...

    o wagner sabe usar a voz como ninguém!

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