



O Pianista
Estava passando O Pianista na televisão, ééééé. E eu fiquei olhando de vez em quando. Porque O Pianista a gente no máximo olha. Não dá pra assistir ou ver um filme desses. Você vai ao banheiro, come uma bolacha, olha todo aquele sofrimento e miséria a que o povo judeu foi submetido pelo regime nazista, brinca com o gato, tira cera do ouvido. Essas coisas.
Não é porque é “muito forte”. Não, que bobagem. Schindler era bem mais dramático e eficiente nesse sentido. Foi quando o virtuosismo vislumbrado do Spielberg melhor funcionou, diga-se de passagem.
Seth Cohen (Adam Brody em atuação que lhe rendeu uma estatueta) de braços dados com os Aliados naquela praia famosa.
Mas qual era a idéia do Polanski ao filmar O Pianista? Era o pianista? O piano não pode ser porque aparece muito pouco. Ah, era mostrar como os judeus sofreram muito. Então. O Polanski não deve ter TV a cabo em casa e por isso nunca viu na vida um documentário sobre Auschwitz. Mas a gente já, a gente já.
Confundo sempre o Adam Brody com o Adam Brody. Um fez The O.C.
É o filme mais gratuito que eu já vi. Ruim, ruim. Mas sou eu que não tenho sensibilidade, que não gosto de judeus. Posso até acabar na cadeia porque o Polanski e o moleque do The O.C. resolveram se juntar pra fazer um filme só pra me ferrar. A vida é muito injusta, muito mais do que qualquer totalitarismo.
A Questão
No sofá da minha casa, que é a resistência reaça da sociedade brasileira (tão entregue à licenciosidade) muito mais do que o Olavo de Azevedo e o Reinaldo Carvalho, minha mãe e eu vendo flashes da Parada Gay. Se bem que falar de Parada Gay, com a Parada Gay aí, é tão uó... hmm, quanto usar reticências.
Mas aí apareceu um go-go boy falando que era o Homem-Melancia porque tinha uma bunda enorme, que ele começou a sacudir num shortinho vermelho, só que a única coisa que eu e a minha mãe vimos foi o cofrinho dele aparecendo. Minha mãe horrorizada, mas eu garanti pra ela que o cofrinho do rapaz não tinha nada a ver com Parada Gay, que aquilo era Brasil. Aquilo era subdesenvolvimento. Culpa do Lula.
Ai, mas de repente fiquei tão político, e isso é tão over. Daqui a pouco estou falando do fim do preconceito, da Parada Gay como movimento social e evento político. Fazer esteira também é bem social e político. Pessoas se reunindo em torno da esteira pra discutir seu uso comum pela sociedade, a necessidade de cotas para seu acesso.
Ombudsmancia
Agora, há de vir algum jagunço aqui e chiar porque eu sou preconceituoso. Se morre, meu, se morre! Lê as palavra antes de abrir a boca.
Mas pelo menos ninguém reclamou ainda da gente falar de cinema não sendo obviamente connaisseurs. Graças aos conselhos de Lady Macbeth, deixei de falar de cinema, para falar a partir de cinema.
Manezão francês, cujo filme ganhou a Palma De Ouro. Esqueci o nome dele, devo ter escrito aí em cima, olhem lá
Cinebiografia musical é coisa de idiota. Amadeus é só meio burrinho e se salva porque fala de um negócio que cinema e cineastas não entendem, arte. Se bem que não dá pra ser mais burro que a música, a coisa mais próxima da pura forma. Pura forma é tipo a Isabeli Fontana ou também nome de academia em bairro de classe média. Ao passo que a escrita, essa coisa eminentemente cerebral, é a mais gentinha das artes.
Dito isto, fomos ao cinema ver Control, sobre Ian Curtis, vocalista suicidado do Joy Division.
Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.
Fez sucesso em Cannes ano passado. Até pior, ganhou prêmio em Cannes, o que nunca é bom, porque o júri de Cannes, como de qualquer outro festival de cinema, é formado por atores, e atores não prestam.
Sean Penn adverte que só vai premiar um filme político, antes mesmo do festival começar. É um filisteu. Deve por acaso queimar edições da Divina Comédia porque a obra defende uma visão de mundo medievalista. Cretinice.
Pior que ator, só músico. No primeiro, o ego é maior que a sensibilidade, isto é, a frescura. No segundo, é o contrário. Ninguém me compreende, buáááááááááááá, e sai daqui, seu pobre.
Os únicos músicos que têm direito de ser uns cretinos são os cantores líricos. E só as mulheres. Aliás, só algumas, as mais bonitinhas. Tipo, a Tebaldi e a Callas, pra ficar nas canônicas. E não me fala do nariz da Callas, se não eu te meto a mão na Callas, ha, ha, ha.
Cozinho, lavo, passo, costuro e canto “Casta diva”, da Norma de Bellini.
O filme é p&b, recurso muito comum pra fazer coisas ruins parecerem artisticamente ruins. É ingênuo, mas funciona com o público de filmes do tipo, gente que gosta de “cinema alternativo”.
O jovem Alex era um degenerado, apesar da boa educação que recebera. Fazia coisas terríveis, principalmente contra as minorias. E desde muito cedo. Aos oito anos, descobrira as minorias, para nunca mais deixá-las em paz.
Não descansou, até que tivesse aborrecido a todas elas – negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus, mulheres, ô, inclusive as mulheres. Para o mal, os homens costumam ser incansáveis.
Saíam pelas noites, ele e sua gangue, formada por jovens igualmente privilegiados e podres, para encontrar suas vítimas. Geralmente, mendigos, só porque eram sujos e bêbados. Mas logo a aparente impunidade que os poupava teria fim. Pois havia muitas investigações nesse sentido, para acabar com o abuso contra as minorias, como as cometidas contra os mendigos.
Quando, certa noite, encontraram outro mendigo fedido, jogado na sarjeta, sob a marquise de um prédio do governo, que horror, puseram-se a abusar dele como se abusava das minorias em geral. Cercaram o pobre diabo e começaram a lhe contar piadas politicamente incorretas sobre negros, bichas, chinas, retardados, gordos, fãs de Charlie Brown Jr., judeus e mulheres burras, enfatizando que mulher burra é redundância, ha, ha.
Mas dessa vez, não sabiam eles, sua vítima era um policial disfarçado, todo sujo e bêbado, para aparentar ser mesmo um mendigo. E estava bem real. Ora, prenderam Alex e seus comparsas. Como eram menores, e era esse seu primeiro delito, os pais compareceram em juízo e responderam por eles. A sentença foi que o rapaz fosse enviado a uma instituição competente de recuperação de jovens degenerados.
O jovem Alex seria submetido a inúmeras sessões de um filminho em que um homem escorregava numa casca de banana e caía muito seguramente num sofá deixado no meio da rua pelo pessoal de uma empresa de mudança, e estava escrito no caminhão que era uma empresa de mudança, era a Granero, pois era importante que todos soubessem que era uma piada. Aprenderia assim o que era humor saudável – o simpático –, o verdadeiro humor, que não ofendia ninguém e que, de quebra, ainda fazia amigos por onde quer que fosse. E que o humor físico – desde que as carnes não ficassem à mostra, com exceção dos comerciais de cerveja e programas humorísticos para a família brasileira – era também grandemente aceito e recomendado para animar festinhas, de casamentos a batizados.
Mas, dentre os maiores benefícios que o tratamento lhe legaria, estava o que os médicos e professores da casa de recuperação chamavam DSCS, Dispositivo de Segurança para Comicidade Social. Consistia em pospor ao fim de um dito ou comentário jocoso a frase “É só uma piada”, ou suas variantes, tais como: “Isto é uma piada”, e também “Só estou brincando” ou “É brincadeirinha”.
Após três meses, Alex foi devolvido à sociedade curado. A partir de então, toda vez que lhe vinha o desejo de proferir uma observação irônica ou sarcástica, começava a babar e entrava em choque. Era preciso aproximar-lhe do nariz um pouco de vinagre para que recuperasse a consciência. Entretanto, por causa desses acessos, ele é que começou a ser vítima de piadas politicamente incorretas.
Fora apelidado “Tremelique”, e quando andava pela vizinhança, as crianças se sacudiam inteirinhas, com a boca cheia de Coca imitando a baba saindo da boca dele. Mas todo homem tem seu limite. Ele devia ter tentado o suicídio, como se espera a essa altura numa história assim, mas não foi isso, não. Ele resolveu criar um blog.
A seguir é transcrito o trecho de uma postagem de maio do ano passado:
“Estava pela Paulista, esperando uma amiga. E mais uma vez confiro que esta cidade não é absolutamente detestável, ao menos não como o divulgam no usual tom alarmista dos noticiários. Uma cidade que nos premia com visões com a clareza e o didatismo de ilustrações tiradas a um volume escolar de estudos sociais não pode ser absolutamente detestável. Pois nos quinze minutos em que estive parado por ali, vi um grupo de gays carecas e de camisetas justinhas posando para fotos, enquanto um moleque de rua, devidamente descalço como os moleques de rua fazem questão de andar, certamente para que não sejam confundidos com quaisquer outros moleques que não os de rua, os observava com o sorriso malicioso de quem, diante de tanta viadagem, se conforta imaginando que, particularmente em seu caso, um simples banho resolveria. E devo concordar com ele, pois era disso mesmo que ele mais precisava, de um banho. É o que as autoridades precisam entender e, tendo entendido, implementar: o assistencialismo do pão substituído pelo do sabão. De todo modo, os tão falados contrastes sociais jamais foram tão bem sintetizados quanto nesta cena, apesar do componente queer, francamente caricatural. Neste sentido, tenho de confessar que a cidade me surpreendeu negativamente.”
Como se vê, grotesco. Aristocraticamente grotesco. Quando ele escrevia, sentia um alívio absurdo, naturalmente seguido por espasmos, baba e coma. Mas, com o tempo, isso passou. Aparentemente, os efeitos do tratamento miraculoso estavam sendo revertidos, para horror da sociedade.
A foto destes dois gatinhos é só pra aliviar o post, cheio de piadas pesadas.
O pior, entretanto, veio quando ele escreveu:
“Só tem viado na Parada Gay”
(Isto é, nessa frase, duas coisas têm que ficar claras: a) se a Parada é gay, naturalmente se acharão “viados” nela; e b) a palavra “viado” tem o mesmo sentido ofensivo que quando empregada por um homem que preconceituosamente coloca em dúvida a masculinidade de outro. O humor resulta da aproximação desses dois fatos. Sem dizer que não tem só "viado" na Parada Gay; vão também familiares dos "viados".)
A casa veio abaixo. E-mails ameaçadores, scraps malcriados no Orkut. Ele foi novamente preso, só que dessa vez ele já era maior de idade, por isso o mandaram para o mesmo presídio em que o Nardoni estava. No dia em que lá chegou, a população indignada com o assassinato da menina Isabella dividia a calçada com militantes da causa gay, e eu vi pela televisão você lá também.
“Só tem viado na Parada Gay” virou uma divisa da campanha para o fim do humor politicamente incorreto, seguida da frase de indignação “Até quando isso?”, querendo dizer “Até quando as pessoas serão tão cruéis com as minorias?”, e não “Até quando haverá viados na Parada Gay?”.
Nos meses seguintes à prisão de Alex e à sua condenação à pena máxima, o governo ainda aprovaria uma lei segundo a qual todos eram obrigados a explicar uma piada que envolvesse qualquer tipo de ambigüidade, como constante nos parágrafos anteriores. Caso encerrado.
Homem de Ferro
Um herói coadjuvante! Precisa de um ator coadjuvante, de um diretor coadjuvante, e de atores do elenco de suporte acostumados a sempre serem.... coadjuvantes! Olha o exército de coadjuvantes aqui embaixo:
Robert Downey Jr.
Pô, bom ator! Tá limpaço, sem drogas, só na saúde, exercícios matinais, cereais no café-da-manhã, alimentação saudável e balanceada, muita água. Mas, olha... posso falar uma coisa, bem baixo, pra ninguém ouvir? Preferia quando ele atuava drogado. Foi até indicado ao Oscar na época! Chaplin, em 93, lembra? Perdeu pro Al Pacino, ceguinho no Perfume de Mulher. Mas foi quase. Coisa de uns 25 votos, pelo o que fontes me contaram. Nesse filme, O Homem de Ferro, domina bem a tela, mas... way over the top! Exagerado, jogado aos nossos pés! As drogas traziam o Betão Downey Jr. para um estado de introspecção agitada, era como se ele não estivesse lá, mas sim num mundo tão colorido, psicodélico! ELE VOAVA SOBRE AS NOSSAS CABEÇAS! Pega ele, lá em cima, pega! No Iron Man, não rola. Tá lá, e não deveria estar. Tira o pé do chão! Mas o que importa, o que realmente importa, é que ele tá benzão. Vai se adaptar! Vamos nos acostumar com ele assim, legal!
Gwyneth Paltrow
Muié do Chris Martin! Pô, ela traz o Homem de Ferro pro campo do amor! O que somos sem o amor? Não somos. Não estamos lá. Ela faz isso com o Homem de Ferro. Traz. Faz mal? Lógico que faz. Insossa! Desbotada! Você pegava? Mulheres, desconsiderem! Lapso! Odiei ela, mas sempre odeio ela, só no Tenenbaums não odiei ela! Gostei pacas dela lá. Aluga pra mim? Há, o Fundamentalista tem. Empresta! Empresta! Empresta!
Terrence Howard
Grande ator! Nova geração ai, pegando geral, e ele no comando! Coadjuvante de classe. Gostei da escalação; Função dele no filme é nula! Eu sei! Mas ele diz as linhas que lhe são cabidas com background! Um barato!
Há, se eu tivesse uma dessa na prisão... toma essa, Johnny Boy!
Jeff Bridges
Chegou a hora de falar do Jefferson Pontes! Ele é o vilão, bad guy, bad ass motherf#$5&*! Carecaço, barba na cara! Cadê a motivação do personagem? Vilão sem motivação? Maldade por maldade? Não! Ai entra outro aspecto: o...
Roteiro
Isso! Roteiro. Não importa num blockbuster de verão? Importa, não me decepciona! Lógico que importa! Tenta ser que nem o Batman Begins: pés no chão. Não, tá tudo errado! O cara veste uma armadura biônica para combater o mal? O cara coloca uma fantasia de morcego com cueca por cima para combater o mal? Os dois milionários? Não! Tá errado! Pega o Tim Burton! Chama ele pra mim! Se for assim, faz um negócio pra teenagers, cheio de ingenuidade e fantasia bonita, que nem o Homem-Aranha! Adulto burro compra! Adulto cabeça, esperto: tá fora!
Direção
Jon Fraveau! O Gordinho bacana de tantos filmes, virou diretor respeitado! Elf com o Will Ferrel, eu lembro! Zathura! Que aventura, que filme bacana, quanta fantasia! Iron Man agora. Fez um bom trabalho? Lógico que fez! O roteiro não era Cidadão Kane não, jão! Ele tentou. Mas não é um Kubrick! Não é um Antonioni! Não é nem um Bryan Singer, coitado! Diretor gente fina, todo mundo adora, eu gosto pacas. Mas não salva o filme! Pô, finalzinho chinfrim! Show me what you've got!
Efeitos Especiais
Bons! Os de Matrix Revolutions também eram! Não, não eram não. Mas vocês entenderam? É que, deixa eu falar! Pera que eu preciso falar! É que, tipo, efeitos especiais deveriam ser um retoque de luxo! Para não tirar o espectador do filme, se eles fossem toscos que nem no Howard the Duck! Herói pato? Só você, George Lucas!
Conclusão final
Eu odiei! Eu adorei! Eu quis embora! Eu quis ficar! Eu... eu... preciso de um...
When i hold you, in my arms
And i feel my finger on your trigger
I know, nobody can do me no harm, because
Happiness, is a Warm Gun, mama!
John Lennon
Segunda Foto: Palhaço francês
Sob as bênçãos do Código Hays, uma deliciosa comedy of remarriage:
Quando o Amor Vem a Caráter.
Estrelando Katharine Hepburn como Mulher-Aranha,
Cary Grant como C.K. Dexter Haven.
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E participação especial de Gary Cooper como o Reverendo.
(Filadélfia, 1940. Sala de estar sudoeste da mansão dos Lord. Ao fundo, uma grande janela que revela o jardim. Trace Lord, ou Mulher-Aranha, de pé, bem atrás da poltrona onde está sentado o Homem do Campo de Força Invisível, com os sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido empilhados sobre o colo, mostrando como ele é erudito e tudo.)
Homem do Campo de Força Invisível: O velho Lord já sabe que você é uma mutante do mal, Trace?
Mulher-Aranha: É claro que não. Se soubesse, eu não teria o controle das empresas. Seria um escândalo para ele se descobrissem que eu, sua filhinha amada, sou uma mutante com os poderes e a força de uma aranha.
HCFI: Não sei até quando você vai conseguir sustentar essa farsa, minha querida. De qualquer forma, pode contar sempre comigo. Desde a primeira vez que eu te vi, eu quis te encher de beijo. E não vou te deixar na mão, não.
MA: (Beija-o) Obrigada, eu sei que sempre vou poder contar contigo, Homem do Campo de Força Invisível. Mas o que me preocupa mesmo é Dexter, que talvez queira impedir nosso casamento.
HCFI: C.K. Dexter Haven pode até ser seu primeiro marido, mas não tem mais direitos sobre você, desde que o bom juiz do Estado da Filadélfia lhe concedeu o divórcio. Com ou sem a preciosa ajuda do Hipnótico, a decisão não poderia ter sido outra, afinal, ele enfiou a mão na tua cara.
(Entra o Hipnótico.)
Hipnótico: Os dois pombinhos falavam de mim quando deveriam estar falando do casamento? (Cumprimenta Trace e o Homem do Campo de Força Invisível)
MA: Ah, Hipnótico, falávamos de como você nos ajudou no julgamento com seus olhos hipnóticos poderosíssimos.
Hipnótico: É mesmo. Mas a verdade é que nos arriscamos muito no tribunal. Mesmo meus poderes de hipnose sendo incríveis e devastadores, quase me pegaram naquele dia. É claro que se não houvesse outros mutantes do mal ali, ninguém teria desconfiado. Uma grande concentração de superpoderes se formou dentro da sala, desencadeando muitos efeitos colaterais terríveis. Mas tudo correu bem, graças ao bom Deus. (Senta-se) Mas e o casamento?
HCFI: Os convites foram enviados ontem, não é, querida?
MA: Sim. E é claro que Dexter não foi convidado. Nem ele nem seus mutantes criados em laboratório, muito diferentes de nós, que nos tornamos mutantes depois da explosão da usina nuclear. Foi quando meu relacionamento com Dexter começou a se desgastar. Não conseguimos lidar com o fato de eu ser uma mutante e ter estes enormes poderes. Não foi nada fácil. Eu, uma aranha, uma mulher. Uma mulher-aranha. (Com olhar melancólico) Com os poderes e a força de uma aranha. Insaciável, mas solitária como uma aranha em sua teia de desejo.
HCFI: (Volta-se para Trace) Mas agora você tem eu do seu lado. (Para o Hipnótico) A aranha é realmente uma criatura fascinante. São mais de 40.000 espécies diferentes. É um erro comum acharem que elas são insetos, mas, diferentes dos insetos, que possuem seis patas, as aranhas possuem oito patas. Além disso, elas produzem uma teia muito poderosa, cinco vezes mais forte que o aço.
O elenco de estrelas de Quando o Amor Vem a Caráter.
(Entra C.K. Dexter Haven, acompanhado da Coisinha Fofa, sua assistente na revista Spy.)
C.K. Dexter Haven: Vejo que a galera do mal está toda reunida.
MA: Não venha com seus sarcasmos, Dexter. Estávamos até agora entre amigos, até você chegar.
C.K. Dexter Haven: Por favor, desde quando éramos casados, eu temia ser picado por essa aranha ou por qualquer um desses mutantes horríveis. Não queria ser infectado. Podia ser um vírus, como a dengue ou a lequitospirose. Seja gentil pelo menos uma vez.
MA: Está bem. O que o traz aqui, Dexter?
C.K. Dexter Haven: Esta é Coisinha Fofa, eu a conheci em minha viagem à Itália. Ela estuda as Artes.
Coisinha Fofa: As Artes me interessam muito.
HCFI: Qual das Artes mais te interessa, senhorita Fofa?
Coisinha Fofa: Ah, todas as Artes me interessam muito. O Dexter aqui, ele sempre fala que detesta cinema, mas eu adoro ver filmes, muitos filmes.
HCFI: Pois Fomos Ao Cinema ontem mesmo. (Para Trace) Que filme vimos, querida?
MA: Não vamos aborrecer os convidados com nossas miudezas cotidianas. (Caminha em direção ao gramofone) Vocês já ouviram essa nova banda, Siouxsie and the Banshees? Parece que tem um ex-padre na formação. Particularmente acho o teclado em “Kiss Them For Me” sublime. Querem ouvir um pouco?
C.K. Dexter Haven: Agora me lembro por que costumava enfiar a mão na tua cara.
(Furiosa, Trace se transforma em Mulher-Aranha. Duas de suas patas gigantescas atravessam a parede do jardim. Avança sobre Dexter Haven.)
Coisinha Fofa: Mas eu adoraria.
HCFI: (Limpando os escombros do terno) Não se exalte, querida. Vamos, não quero ter que apelar aos poderes de hipnose do Hipnótico. Coloque a música para que todos possamos ouvir.
MA: (Para Dexter Haven) Pelo menos, sua amiguinha tem mais educação que você. (Para Coisinha Fofa) Querida, você é mais um casinho do Dexter ou uma de suas mutantes de laboratório a serviço dos desígnios de um louco?
Coisinha Fofa: Imagina, nem superpoderes eu tenho. Na verdade, estou aqui por sua causa, Mulher-Aranha.
Hipnótico: (À parte) Hum, será que vai rolar um beijinho? He, he, he.
C.K. Dexter Haven: (Assustado) Olhe o que você vai dizer, Coisinha Fofa.
Coisinha Fofa: (Maliciosa) O que foi, Dexter? Não quer que eles saibam que eu trabalho pra Polícia Especial dos Estados Unidos?
C.K. Dexter Haven: Não, que você trabalha comigo na revista Spy. (Dando-se conta do que ela acaba de dizer, fica confuso) Mas o que você disse? Polícia Especial dos Estados Unidos?
HCFI: A mesma que caça mutantes do mal como eu e minha querida Trace. Ora, ora.
MA: Como você pôde, Dexter? Trazer esta mulher aqui? Mas que golpe sujo!
C.K. Dexter Haven: Mas Coisinha Fofa trabalhava comigo na revista Spy. Eu não sabia que ela era uma polícia disfarçada.
Coisinha Fofa: Exatamente. Disfarçada. Agente Especial Coisinha Fofa, da Polícia Especial dos Estados Unidos. Vocês estão todos detidos.
MA: Hipnótico, use seus poderes de hipnose sobre ela e nos salve mais uma vez com suas fantásticas habilidades!
Hipnótico: Pode deixar. (Para Coisinha Fofa, desafiador) Quero ver você resistir aos meus poderes hipnóticos, benzinho!
(Coisinha Fofa saca o revólver e o aponta para o Hipnótico.)
HCFI: Vamos ver se suas balas podem atravessar o meu campo de força invisível, senhorita Fofa.
(Coisinha Fofa dispara. Mas as balas se chocam contra o campo de força invisível.)
MA: Vou prendê-la com a minha poderosa teia cinco vezes mais forte que o aço. Ela não conseguirá se soltar.
(Mulher-Aranha lança sua teia. Coisinha Fofa fica completamente imobilizada.)
Hipnótico: Vou agora hipnotizá-la e fazer com que ela esqueça que nos conheceu e que somos mutantes do mal vivendo como aristocratas no grande e próspero Estado da Filadélfia.
HCFI: Faça isso, Hipnótico.
(Hipnótico sai, carregando Coisinha Fofa nos braços.)
C.K. Dexter Haven: (Angustiado) Eu sinto muito por tudo isso. Eu só queria me vingar de você, Trace, por você ter se divorciado de mim, porque eu não tinha superpoderes como o Homem do Campo de Força Invisível, que pode criar terríveis campos de força invisíveis e nos proteger de balas de revolverês. Por isso vim aqui fazer uma matéria para a revista Spy sobre o seu casamento.
MA: Mas Dexter, você é mesmo um bobo. Eu não me separei de você por você não ter superpoderes. Você é que não conseguia lidar com o fato de eu possuir esses incríveis superpoderes. Dexter, na verdade, eu ainda te amo. (Recolhe suas gigantescas pernas de aranha)
C.K. Dexter Haven: Eu também te amo, Trace Lord. (Beijam-se)
MA: (Para Homem do Campo de Força Invisível) Ô, meu querido Homem do Campo de Força Invisível, nós não podemos nos casar. Eu ainda amo o Dexter.
HCFI: Acho que eu sempre soube disso, mas só esperava ter mais tempo para conquistar seu coração e fazê-la esquecer de C.K. Dexter Haven.
(Hipnótico volta acompanhado de Coisinha Fofa restabelecida, mas visivelmente confusa, e do Reverendo.)
Hipnótico: Achei melhor trazer o Reverendo.
Coisinha Fofa: Quem são todos vocês?
HCFI: Não se preocupe, querida. Meu nome é Camarada Fundamentalista, e você está entre amigos. Com certeza nenhum deles um mutante abominável. (Todos riem) Agora, tratemos de começar essa cerimônia. (Para Trace) A noiva não se importa de casar em roupa de dia de semana?
MA: De jeito nenhum. Tudo o que me importa é poder passar o resto da minha vida com este homem maravilhoso.
HCFI: E o noivo?
C.K. Dexter Haven: (Para Trace) Por que me importaria, se você está absolutamente linda?
Reverendo: Bem, se todos estão portanto de acordo, vamos começar.
Hipnótico: Um momento, Reverendo. (Para o Homem do Campo de Força Invisível) E você, camarada? Temos aqui a senhorita Fofa, afinal de contas?
HCFI: O que acha, senhorita Fofa?
Coisinha Fofa: (Hesitante) Bem... mas é claro!
Hipnótico: Do contrário, eu dava um jeito, afinal eu tenho poderes de hipnose. (Todos riem)
Fim.
Fade out. Créditos.
Rockferry (2008) é o primeiro álbum da cantora galesa Duffy, sensação entre a imprensa internacional. “Comprei” ontem e já o ouvi umas três vezes. De recepção muito fácil, aliás. Com excelente produção e uma sonoridade deliciosa que nos remete à encantadora vida dos mendigos, Duffy realmente tem uma voz “mais branca” que a de Amy Winehouse, a quem é naturalmente comparada. A batida é também mais suave, com uma levada bem característica desse pessoalzinho que revira lixo atrás de restos de comida e assim tira a barriga da miséria.
Baladenha de mindingo.
Eu me vi encapuzado numa noite fria, caminhando pelas ruas ainda molhadas pela chuva e vendo o rosto da minha amada nas vitrines, nos outdoors, em toda a parte. Quando, de repente, um mendigo me estende a mão, mas eu digo que não tenho nada e sigo adiante, transtornado, com as mãos no bolso. Mas então surge outro mendigo, e depois outro, e depois mais outro. Num instante, estou cercado por uma multidão de mendigos com as mãos estendidas em minha direção, e eu tentando me desvencilhar deles. É quando começa a tocar “Stepping Stone”, quarta faixa de Rockferry.
Os mendigos que dançavam na minha análise impressionista de Rockferry.
Todos nós cantamos. Rola uma coreografia básica, e começa a circular um fuminho pra rapaziada relaxar. E na última faixa, “Distant Dreamer”, já tá todo mundo bem doido. Jogando os braços pro alto, daqui pra lá, de lá pra cá, a gente canta “I'm a dreamer / A distant dreamer / Dreaming for hope / From today”, antes da polícia vir e dispersar a gente na base da porrada. Bem bonito.
Esse espírito gregário se traduz principalmente na voz de Duffy, que seduz tanto o povo das ruas como engravatados querendo chegar logo em casa. O lirismo soul, falando de amores mal curados, completa o pacote aquecendo os corações solitários debaixo dos trapos enxovalhados.
Vale por uma obra social. Recomendado.
Ante as ruas desertas, Frank era levado embora. It turned out so right, for Strangers in the Night
Mes amis, ainda na esperança de civilizá-los, quero compartilhar mais uma teoria muito fina que acabei de conceber. Diagnostiquei, para horror da comunidade médica, que negligenciou fenômeno tão gritante, mais um complexo, que ora chamo complexo de Orfeu, para preservar a tradição freudiana de se remeter à vigorosa potencialidade simbólica do mito, apesar de Freud ser um filisteu. Adiante.
Camarada Fundamentalista demonstrando, por meio de fotos, como o complexo de Orfeu prejudica nas práticas esportivas.
Conhecem a história de Orfeu e Eurídice? Creio que não. De todo modo, facilitarei para vocês. Diz a Wikipédia: apaixonados, Orfeu e Eurídice se casam. No entanto, em razão de sua grande beleza, Eurídice começa a ser assediada por Aristeu, apicultor (profissão em voga naquela época), cujos favores são por ela recusados, o que o leva a persegui-la. Fugindo dele, Eurídice tropeça numa serpente, é mordida e morre. Em desespero, Orfeu toma sua lira e desce aos infernos para trazer sua amada de volta. Nesse meio-tempo, terá ele de convencer Caronte, o barqueiro, a conduzi-lo pelo rio Estige; enfrentar Cérbero, o cão de três cabeças; e, finalmente, apelar junto a Hades pela vida de Eurídice. Perséfone, esposa do deus, intercede em favor de Orfeu, e Hades se compadece. Sob uma condição, entretanto: ao longo de todo o caminho de volta, Orfeu irá à frente de Eurídice, sem poder, em momento algum, olhar para trás. Mas, quase ao fim do trajeto, para se certificar de que Hades não o enganara, Orfeu se vira. No mesmo instante, o fantasma de Eurídice dissipa-se na escuridão. Bravo.
Toni Garrido e Patrícia França no filme de Carlos Diegues, Orfeu (1999).
Mes amis, o que eu chamo de complexo de Orfeu integra a própria constituição da masculinidade dos homens decentes, incluindo os cafajestes de bom coração, como as mulheres crêem existir, porque não é o momento para derrubarmos falsos ídolos. Trata-se de um complexo de salvador, quando o indivíduo pretende que sua parceira (efetiva ou em potencial) corre algum perigo e que ele é responsável por protegê-la. Observem que o fenômeno é estreitamente ligado ao já exaustivamente assinalado papel de protetor que primitivamente o macho exerce em relação à fêmea. No entanto, enfatizamos a diferença, sendo o complexo de Orfeu uma especialização, ou refinamento. Uma especialização das sociedades complexas, em que o perigo quase sempre não é real. Mas não nos adiantemos.
Para que fique claro, preparei uma pequena lista de sete filmes que exemplificam o fenômeno. Espero que vocês tenham visto todos, pois não vou incluir sinopses para os ignorantões.
Como disse, e creio ser essa a característica distintiva do complexo, o suposto perigo a que está submetida a mulher, no caso, Eurídice, é em grande parte construído na mente do homem, no caso, Orfeu.
Eurídice costuma ser indiferente ou mesmo resistente à salvação, como em Au Hasard Balthazar. No final do filme, Marie foge das únicas pessoas que lhe quiseram bem em toda a sua trajetória auto-destrutiva. Infelizmente, nesta singela obra-prima de Bresson, Orfeu é um bundão.
Orfeu e Eurídice, de Bresson.
Convidei uma feminista, perspectiva a mais distinta possível da minha, para assistir comigo a cada um dos filmes, a fim de referendar a isenção das minhas observações. Coçando o queixo peludo, ela assentiu. Ao final das sete sessões, realizadas ao longo de uma semana, tendo eu feito minhas considerações, concluímos ambos o seguinte:
“A mulher precisa ser salva.”
“O homem é o salvador da mulher.”
Foi o que a filmografia selecionada propunha e o que o complexo de Orfeu por mim identificado circunscrevia com a elegância peculiar às teorias geniais. O complexo de salvador responde ao príncipe encantado que as mulheres fantasiam. São tolices complementares.
***
Superestimado: como se James Stewart pudesse com duas Kim Novak, pff!
Em Vertigo, de Hitchcock, e Solyaris, de Tarkovski, vamos encontrar a mulher morta e seu duplo, introduzido como uma segunda chance para Orfeu. No entanto, em ambos os casos, o duplo se mostra falho em substituir a original, e a insistência nessa última constitui um estado doentio, com conseqüências trágicas, ainda que libertadoras. Embora eu sempre tenha preferido Judy Barton, claro que sem a sombra verde, por favor, a Madeleine Elster, muito governanta alemã pro meu gosto.
Há que se salvar Eurídice de muitas coisas, inclusive da confusão mental. Para tanto, em Hiroshima, mon Amour, Orfeu torna-se terapeuta e faz sua Eurídice elaborar indefinidamente, até que se tenha libertado da amargura do passado. A breguice enrustidíssima dos franceses, isto é, de Duras e Resnais. Se filme de nouvelle vague tivesse final, diria que, aqui, Orfeu foi bem-sucedido.
Eis agora um filme que ameaçou derrubar completamente o conceito do complexo de Orfeu, que a princípio admitia exclusivamente a devoção de Orfeu a Eurídice. Com Rocco e i suoi Fratelli, percebi que Eurídice não é o elemento nuclear da fabulação que o complexo engendra, óóó, engendra. Antes, ela é só uma peça da constante aspiração humana ao Ideal.
A fantasia corre independentemente de Eurídice, que é uma resposta idealizada a uma existência confusa, sem perspectivas; a mulher é tomada como um escape e ao mesmo tempo como uma promessa de ventura, como a Sylvia, de La Dolce Vita. Na cena mais célebre do filme, na Fontana di Trevi, Marcello Mastroianni faz juras de amor a uma mulher que não entende uma só palavra do que ele diz. Nessa mesma linha, temos o protagonista de La Prima Notte di Quiete, de Valerio Zurlini, interpretado por Alain Delon, um professor que se apaixona por uma aluna na qual ele enxerga um ideal de pureza, contra todas as probabilidades. Nhami, nhami.
Ah, perva mia! Perva mia!
A propósito do filme de Zurlini, fica também claro que Orfeu é um idealista sem ideologias. Não raro acontece de ser um cético, próximo ao niilismo, como é o personagem de Alain Delon, ainda que a contragosto. Pois céticos são freqüentemente senão idealistas radicais, e niilistas invariavelmente se refugiam na estética. Acreditam na Beleza. E como lhes é fácil, principalmente para os desgostosos, ir da Beleza à Pureza, ao Bom, e daí ao Transcendente, o que secretamente buscavam. Mas noto que já bocejam, meus beócios leitores.
Assim, em Rocco e i suoi Fratelli, as obrigações familiares ficam à frente de Nadia, que é inutilmente sacrificada por Rocco em lugar do irmão canalha, Simone. Porque o anseio de se fazer salvador é constantemente indiferente a quem será salvo. E há quem ache justo colocar a família acima da justiça. Deixo que vocês mesmos o julguem, meus caros.
Annie Girardot e Alain "Filhinho-da-Mamãe" Delon.
Pretender que a mulher precise ser salva é uma forma de se tornar merecedor do Ideal que ela representa. Mas, melancólico epílogo, o desejo de salvá-la não se concilia com o desejo de possui-la. Como o mito e os casos – sim, os filmes são casos – mostram, Orfeu sempre fracassa. Por isso, quero encerrar com aquele que considero o anti-Orfeu, na medida em que não fracassou: Rick, de Casablanca. A ética do “Sempre teremos Paris” nos diz que, para merecer o Ideal, é preciso renunciar a ele. Nossa.