domingo, 23 de março de 2008

Fomos ao Cinema ver A Família Savage

Sorte pura a minha e do Fundamentalista. Conseguimos assistir ao filme A Família Savage (The Savages no original) na única data de pré-estréia nesse feriado, antes do lançamento oficial prometido para semana que vem (se é que eles não adiarão de novo). O filme foi indicado aos Oscars de roteiro original (para a sua roteirista-diretora, Tamara Jenkins) e melhor atriz (Laura Linney, que perdeu para a Marion Cottilard). E fôra elogiadíssimo em sua carreira de festivais no circuito europeu-americano. Segundo filme dirigido por Jenkins (sendo o anterior o pouco visto Os Subúrbios de Beverly Hills, que tinha o Alan Arkin e a Mena Suvari), pelo jeito marca uma virada na vida dessa diretora já quarentona. O roteiro conta a história de dois irmãos (uma dramaturga amadora e o outro professor de artes dramáticas) vivendo em cidades diferentes, marcados por uma infância de abandono (da parte da mãe que foi embora quando eram crianças) e abuso (da parte do pai), e que precisam se reunir para cuidar do mesmíssimo pai que os maltratou na infância, já que o pobre diabo se mostra às vias da demência, sendo despejado depois da morte da madrasta dos irmãos. Sim, já vejo você pensando ai: "família disfuncional? Irmãos separados e distantes se reunindo forçosamente por uma causa maior? Alarme de identificador de clichês do cinema alternativo americano, ativar!". Mas calma, filhão, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O roteiro não é um primor, chega a exagerar nas gracinhas em certos momentos (principalmente no meio do filme), mas acerta ao demonstrar o peso dramático da situação vivida pelos irmãos de uma maneira bem naturalista, evitando ao máximo climas demasiadamente soturnos. E, aí residindo o maior acerto de Jenkins, aposta todas as fichas em dois atores formidáveis, que conseguem construir tão organicamente seus personagens e a interação entre eles, que chega a parecer ser fácil atuar. Laura Linney e Philip Seymour Hoffman, os dois que na minha opinião ocupam facilmente o Top-10 de melhores atores em atividade. Muita sorte de Jenkins, mesmo, ter gente desse gabarito protagonizando seu filme.
Linney é o coração do filme, mostrando uma personagem à beira dos quarenta anos, longe de ter o domínio sobre suas emoções e sobre diversos aspectos na sua vida, mas que ao mesmo tempo nos comove o tempo inteiro com a sua inabalável (e na maioria das vezes desastrada) vontade de criar laços com seu pai e irmão, fazendo de tudo para ter algum peso e importância na vida deles (e seu caso com um homem casado reflete esse lado da sua personalidade). Considerando que Linney sempre se caracterizou por interpretar mulheres classudas e elegantes, marcando presença sempre com a inteligência que exalavam, é admirável ver como ela consegue com categoria fazer uma personagem tão imatura emocionalmente, embora obviamente culta. Realmente, a Marion Cottilard não venceu qualquer uma no Oscar não, tem que comemorar pra sempre esse prêmio (que foi merecido).
Philip Seymour Hoffman, depois de encontrar o Anton Chigurh pela frente. Pelo menos tá vivão. E a Laura Linney tá feliz: não perdeu para a Tilda Swinton. Disse ela: -Cate Blanchett, talk to the hand!
Quanto a Seymour Hoffman, seu personagem era ingrato, com seu racionalismo frio e nenhuma vontade de estabelecer relações mais profundas com sua irmã ou quem quer que fosse, e sua visão cáustica do pai poderia facilmente despertar a ojeriza do público. Mas Hoffman é outro que transborda talento, e consegue apenas com pequenos gestos e sutilezas (como numa bela cena na qual observa o pai na cadeira de rodas sendo arrumado por sua irmã num aeroporto) transmitir toda a dor e vazio da vida daquele homem. O roteiro de Jenkins, se protagonizado por atores menos capacitados, não teria tido tanto êxito. E nós, amanteigados, compramos a história desses dois irmãos quase que alienígenas na vida um do outro, e que acabam no final voltando a serem capazes de acrescentar algo, por menor que seja, nas suas vidas. Não dizia o outro que somente somos válidos como humanos quando fazemos alguma diferença ou importância na vida daqueles que nos são próximos? Linney e Hoffman, mas do que ninguém, sacaram isso com propriedade, e nos proporcionaram belos 117 minutos.

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