quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pedro Almodóvar: um guia, e tão somente um guia

Semana passada foi aniversário da minha mãe, e dei para ela de presente um filme recente do diretor espanhol Pedro Almodóvar, A Má Educação. Isso me fez lembrar do quanto que esse blog vilipendia e marginaliza os diretores espanhóis. Lembram-se de alguma referência feita ao diretor e seus filmes nessas páginas virtuais? Eu não lembro. Esses camaradas indies, muito mais preocupados em babar o ovo para os enganadores do cinema alternativo norte-americano (lamentável, meu) do que reconhecer todas as cores e paixões dos filmes do diretor apaixonado pelos dramalhões do diretor alemão Douglas Sirk (que já morreu faz tempo, mas viveu uma bela e proveitosa vida). Chegou a hora de fazer um apanhado da carreira do espanhol. Como eu me preocupo com o bem-estar daqueles que descambam nesse universo excêntrico, e como a filmografia dele é extensa, farei um negócio bem leve, mas com muita consideração. A partir do seu filme de 82, Labirinto de Paixões, até os dias presentes. Te prezo aê, morô?

Cotações Fomos ao Cinema:
Lixo - Meia Boca - Bom -Excelente - Fundamental (meu estoque de adjetivos esgotou).

Labirinto de Paixões - 1982
Cotação Fomos ao Cinema: Meia Boca
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: zero. É mais fácil arranjar uma audiência com o Papa do que achar esse filme.
Filme mais absurdo feito por Almodovar, de fazer corar até o mais desavergonhado dos seres (hedonistas, where art thou?). Um dos personagens é um terrorista islâmico gay. E ele é o mais centrado de todos no filme. De bater a cabeça de tão engraçado. Mas prepare o estômago, vai por mim.



Maus Hábitos - 1983
Cotação Fomos ao Cinema: Meia Boca
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: zero também. Nem numa Livraria Cultura da vida tem. Isso não foi um elogio subliminar, não mesmo.
Almodovar achou que colocar freiras lésbicas e drogadas num filme apenas por colocar seria engraçado. Esqueceu apenas de escrever algo decente para amarrar a trama. Fraquinho. Ele voltaria ao tema religião (estudou num colégio católico quando moleque) com mais categoria anos depois.



Matador - 1986
Cotação Fomos ao Cinema: Bom
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: procurando muito, mas muito bem, é até possível de se achar, jogado em alguma prateleira por aí.
Primeiro filme de Almodovar no qual Antonio Bandeiras aparece como protagonista. Tão insano e polêmico como os outros, mas já se notava uma preocupação maior com o alcance da narrativa, mais complexa e profunda que nos outros filmes. Tons noir são sentidos por todo o filme, algo que voltaria com força em obras posteriores.



A Lei do Desejo- 1987
Cotação Fomos ao Cinema: Bom
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: mais difícil de achar que o anterior. Só com sorte mesmo. Bater em um ou dois vendedores poderia ajudar também.
Um Fellini 8 1/2 à moda Almodovar. Sim, já dá pra imaginar o que vem. Ainda mais na fase oitentista do espanhol. Mas é um filme vigoroso, sem dúvida, e corajoso, já que o personagem principal, um diretor gay envolvido num quadrilátero amoroso poderia facilmente ser confundido com a própria personalidade de Almodovar. Como se ele ligasse pra isso.



Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos - 1988
Cotação Fomos ao Cinema: Excelente
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: fraquíssima para um filme tão importante. Vergonhoso.
Primeiro clássico de Almodovar, filme que o jogou no rol dos diretores mais respeitados do cinema. Não sem justiça. Almodovar provou dominar com maestria os complicados meandros da alma feminina (seus melhores filmes tratavam desse tema). Carmen Maura deveria ter ganho um Oscar, mas nem lembrada foi.



Ata-me - 1990
Cotação Fomos ao Cinema: Meia Boca
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: boa. Fácil de achar. Não nas Americanas da vida, mas ainda sim facinho.
Filme que iniciou a parceria de Almodovar com a atriz Victoria Abril, não possui o mesmo nível dos anteriores, mesmo com uma boa perfomance de Antonio Bandeiras ( ele atua mal em filmes americanos por não conseguir falar inglês direito, mas é sim um ator competente).



De Salto Alto - 1991
Cotação Fomos ao Cinema: Bom
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: nem com reza braba.
Filme mais subestimado de Almodovar. Toca com rara sensibilidade num tema que poderia facilmente descambar para a comicidade, mãe e filha disputando o mesmo homem. Perfomance impecável da Victoria Abril.




Kika - 1993
Cotação Fomos ao Cinema: Lixo
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: infelizmente altíssima. Já vi até em saldão na já citada Americanas por inacreditáveis 10 reais. Justíssimo, mas ainda sim inacreditável.
Da série "o que ele estava pensando?". Filme horroroso, pretendia ser um trashzão desavergonhado e com todas as cores e dramas que um filme do Almodovar teria direito. No papel seria infalivel, mas na verdade acabou sendo somente dolorosamente constrangedor mesmo. Disparado o pior filme já feito por Almodovar, e enterrou sua parceria com a Victoria Abril, nunca mais retomada.



A Flor do Meu Segredo - 1995
Cotação Fomos ao Cinema: Meia Boca

Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: baixa, mas quando você menos esperar, vai trombar com ele por aí.
Filme que passou desapercebido, funcionou mais como balão de ensaio para a nova fase que Almodovar iniciaria em seguida, mais séria e com pouco espaço para a comédia.



Carne Trêmula - 1997
Cotação Fomos ao Cinema: Excelente
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: fraca. Dá pra achar, mas vai te exigir muito mesmo.
Filme que lançou ao mundo um mito chamado Javier Bardem. Sua categoria combinada com o melhor roteiro escrito por Almodovar em anos (em parceria com Jorge Guerricaechevarria) e com uma direção densa e plasticamente bela proporcionaram um grande filme, que iniciou uma trilogia inspiradíssima do diretor espanhol.


Tudo Sobre Minha Mãe - 1999
Cotação Fomos ao Cinema: Excelente
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: alta, bem fácil de se achar.
Volta de Cecilia Roth (que foi fundamental na fase maluca de Almodovar nos anos 80) aos filmes do diretor, uma homenagem inteligente e classuda à força da alma feminina. Incrível ver o quanto Almodovar estava entregando roteiros impecáveis e fazendo o seu cinema amadurecer graciosamente, dominando suas narrativas com rara categoria. Tudo o que era propositalmente exagerado nos seus filmes iniciais aqui virava pura maestria.



Fale Com Ela - 2002
Cotação Fomos ao Cinema: Fundamental
Acessibilidade aos Consumidores Tupiniquins: ao lado de Kika, o mais fácil de se achar dos filmes dele no Brasil. Não seria uma grande ironia que os dois filmes com maior disponibilidade dele aqui sejam justamente a sua melhor e a sua pior obra? Penso nisso muito, muito mesmo.
Obra-prima de Almodovar, filme que garantiu o lugar dele no céu dos grandes diretores do cinema e de quebra lhe deu seu primeiro e até agora único Oscar, de melhor roteiro original(merecidíssimo, pena que recebeu a estatueta do boneco de Olinda, Ben Affleck). Também obteve sua única indicação ao Oscar de melhor diretor, perdendo para o Roman Polanski pelo O Pianista. Quem diria que o mesmo diretor do Labirinto de Paixões seria capaz de fazer um filme como esse. Belo de doer, e com uma complexidade digna dos Kubricks e Bergmans da vida.


A Má Educação - 2004
Cotação Fomos ao Cinema: Bom
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: baixa, suei pra achar o DVD da minha mãe.
Depois de atingir um nível tão alto, e de dominar completamente o seu estilo narrativo, era natural esperar que Almodovar fosse filmar obras de cunho mais pessoal e menos universalistas. Esse filme é claramente caro para ele, já que trata (ficcionalmente, logicamente) de sua infância num colégio católico e de seus traumas e medos que influenciariam sua vida como cineasta de maneira decisiva. Não tem o nível dos três anteriores, mas ainda sim notamos a classe de Almodovar.


Volver - 2006
Cotação Fomos ao Cinema: Bom
Acessibilidade para os consumidores tupiniquins: alta, fácil de se achar.
Grande desempenho de Penelope Cruz (indicada ao Oscar pelo filme), um exercício surreal que poderia se passar como homenagem a Luis Bunuel, mas que tem seu brilho próprio. A visão de Almodovar das mulheres sempre me deixa fascinado. Incrível como ele brinca com as cores, sempre refletindo o estado existencial de seus personagens. O negócio agora é ver para onde ele encaminhará sua carreira (seu próximo filme está previsto apenas para o ano que vem).

2 comentários:

  1. ótimo guia!
    e eu realmente amo almodóvar! os personagens falam coisas tão reais, do dia a dia... mas as situações são tão surreais, às vezes, hehehehe...

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  2. guia veio a calhar..é de impressionar como o mercado de dvd no brasil é tosco...digno de pena

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