sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Un souvenir de Noël

Essa é de um Natal há muito, muito tempo, quando eu tinha 11 anos. E eu andava por aí com uma edição pocket de Macbeth, tradução do Manuel Bandeira. Banquo, Banquo, Banquo, eu ficava repetindo, que nome legal.

No meio da noite, só o apito do Homem do Apito, que eu nunca descobri quem era ele, ouvi um barulho, de a quem falta a calha na qual apoiava a botinha esquerda. Era Papai Noel, entregando um Super Nintendo no andar de cima, o décimo, do meu prédio. E o elevador? vão perguntar. O síndico na Praia Grande e o zelador tinha sumido já na antevéspera do feriado.

Papai Noel e a chatinha da Michelle, em 1992.

Todo o mundo da classe sabia que ela era mó piolhenta.

Esperei uns minutinhos, logo ele estava pintando no meu quarto. Não, naquela época não tinha esse perigo de acharem que era pedofilia. Alusões e piadas nesse sentido definitivamente não colavam. Ele levou um susto comigo acordado. Como se nunca tivesse acontecido antes, né, Noel?

– Oi. – eu falei.

– Affff, garoto. Cê devia de tá dormindo. – Papai Noel achando que devia falar assim porque era Terceiro Mundo, o português dele carregado de sotaque que até parecia o Ingmar Bergman recitando Os Lusíadas pra Liv Ullmann (e depois eles se divorciaram).

– Papai Noel, o senhor gosta de Proust? – essa falta de traquejo social das crianças, já vão perguntando se a pessoa gosta de Proust, nem oferece assento, uns bolinhos.

– Que que foi, rapaz? – ele puxou uma cadeira e sentou ali, debaixo da janela, suado; é, eu desconfiei de um habitante do pólo Norte estar suando; parecia pouco europeu. Pólo Norte é Europa? eu me perguntava na minha cabeça de moleque. E eu, adulto, respondo que é, sim.

– Papai Noel, o senhor é filisteu? – nessa hora, o velhinho se irritou de vez. Não falou palavrão, porque acho que o professor dele de português, querendo fazer bonito do mundo lusófono, disse que era uma língua tão nobre que não tinha palavrão. Daí que o Noel começou a falar estrangeiro comigo.

Papai Noel bancando a Wanessa Camargo:

"Ler também é cultura". Não me diga!

Mas aí, bem nessa hora, a minha mãe entrou e espantou ele com a vassoura e me disse pra fechar direito a janela e que logo que amanhecesse ia reclamar na portaria de qualquer um poder ir entrando assim. É coisa dos pais resolverem assunto de criança com um toque kafkiano. E até hoje, eu, na noite de Natal, ainda deixo a janela bem aberta, mas ele nunca mais voltou, nem nunca contribuiu com nenhum volume pra eu completar o ciclo da Busca.

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