
Prós:

-Vamos lá, foram 53 episódios: em quantos deles o meu figurino não foi o uniforme laranja de presidiário e essa bandana? Economia é isso aí.
-Vamos lá, foram 53 episódios: em quantos deles o meu figurino não foi o uniforme laranja de presidiário e essa bandana? Economia é isso aí.
A primeira cerimônia do Oscar que assisti data de 1991, quando tinha meros 7 anos de idade e implorava aos meus pais que me deixassem ver pelo menos uma parte. Desde aquela longínqua festa até hoje, datam 17 anos. E posso dizer então que, desde aquele dia no qual o insuportável Dança com Lobos foi agraciado, a cerimônia de ontem, que consagrou os Irmãos Coen, foi, disparada, a pior, mesmo para o já tradicional nível altíssimo de chatice que povoa as premiações. A greve dos roteiristas jogou por terra qualquer chance de se ter um evento de nível. Com apenas três semanas para preparar, os manda chuvas da Academia optaram pelo caminho mais simples, fazendo uma cerimônia rápida (3 horas e 17 minutos, para se ter uma idéia, a premiação de 1999 bateu nas 4 horas e 20 minutos) e brutalmente simples. Sério, em alguns momentos, lembrei do VMB, premiação paupérrima da nossa combalida MTV Brasil. Isso não pode, em momento algum, ser um bom sinal. No ano que a festa completava oitenta anos, eles tiveram a pachorra de entregar um negócio feito nas coxas. O "apresentador" (sic), Jon Stewart, poderia ter sido facilmente trocado por uma fita de gravação anunciando os apresentadores. Tá, eu sei, por culpa da greve ele teve apenas onze dias para preparar as piadas, mas o que acontece com o conceito de "improvisação"? O monólogo de abertura dele durou uns, vamos ver, 3 minutos, sem qualquer piada inspirada, sem os vídeos que zoavam os filmes indicados e proporcionavem bons momentos, principalmente quando o Billy Cristal apresentava (tiraram ele da premiação por ele supostamente estar velho para o público mais jovem, uma estultice sem tamanho). Imagino que ele zoaria pacas o Juno, vestindo até uma barriga postiça. Mas, os tempos são outros. Stewart se limitava a fazer o trivial, claramente instruído para não prolongar nada. Fomos poupados de suas insuportáveis piadas políticas, pelo menos. O momento que ele apareceu jogando um Nintendo Wii no palco figurará para sempre entre os momentos mais constrangedores da festa em todos os tempos (aliás, propaganda fácil é isso aí, triste). Para conseguir audiência, colocaram até a Hannah Montana (é assim que se escreve?) para apresentar um prêmio. Para atrair o "público jovem" (esse desconhecido), sacaram? Sim, isso deve ter resolvido. Todos os textos introdutórios dos apresentadores dos prêmios estavam absolutamente fracos, beirando o ridículo em alguns momentos. O único momento engraçado ocorreu quando o James MacAvoy e o Josh Brolin foram apresentar o prêmio de roteiro adaptado, e fugiram do script, dançando e zoando com a cara um do outro. Acho que o fato deles serem atores talentosos facilitou.
Os números musicais das canções indicadas ao prêmio de melhor música foram embaraçosos, de uma pobreza espartana. A Amy Adams cantando sozinha, sem qualquer acompanhamento, a música do filme Encantada (o filme teve 3 canções indicadas, e todas foram interpretadas no palco, haja saco), foi a hora na qual eu lembrei do VMB. Não, nem os diretores da MTV Brasil permitiriam algo tão simplório. Quando o Owen Wilson foi apresentar o prêmio de curta-metragem, achei que seria um bom momento para ele falar sobre sua recente tentavia de suicídio, já que era sua primeira aparição pública depois do fato. Que nada. Limitou-se a falar um texto clichezento sobre a importância dos curtas e anunciar os indicados e o vencedor, tudo com uma cara estranhíssima. Olha, pelo jeito, aquela tentativa não será isolada. Alguém interne o Owen Wilson urgente, por favor. O único momento belo gerado pelo Jon Stewart foi quando o casal de atores do filme Once, Glen Hansard e Marketa Inglova, ganhou o prêmio de melhor canção (venceram as três músicas do Encantada, rárárá. No mais, a música era bem bonita mesmo), e foram agradecer. Apenas o rapaz pôde falar, quando ele terminou o discurso e a Marketa ia para o microfone, a música cortou, abrupta e deselegantemente. Na volta dos comerciais, Stewart pegou a tímida garota pelos braços e a levou para o palco, para ela, enfim, poder agradecer pelo prêmio. Pelo menos educação o Jon Stewart tem, e será que não seria esse o problema? Mas foi um belo momento.
Há alguma dissimulação nos modos tipicamente democratas de Jon Stewart? Não. Somente a bela e cada vez mais perdida gentileza. Agora, as piadas....
No tradicional clipe que lembra e "homenageia" os mortos do ano anterior (o famoso clipe fúnebre), tivemos de ver Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman colocados no meio de um monte de zé-ninguéns, com direito ao mesmo tempo dado para todos os outros incautos. E, logicamente, fecharam o clipe com o Heath Ledger. Sim, todo mundo ficou chocado com a morte dele, mas não existem parâmetros para se comparar a importância de um Bergman e de um Antonioni com a do jovem ator australiano. Terrível. Mas é normal para a Academia, exemplo disso é que Stanley Kubrick e Marlon Brando tiveram direito apenas a finalizarem o clipe no ano que morreram, sem direito a homenagens isoladas, algo dado para um Jack Lemmon, por exemplo, que embora seja um mito (merecidamente), era um notório puxa saco da Academia. Sério, Brando e Kubrick. Fazer o quê. Voltando à cerimônia desse ano, é hora de falar dos prêmios. Seguem aí embaixo comentários sobre os vencedores
Melhor ator coadjuvante: Javier Bardem ganhou, como era esperado. Justíssimo, seu personagem provavelmente entrará para o rol dos maiores vilões do cinema, sem exagero algum, e Bardem é um dos melhores atores do cinema contemporâneo. Mas eu ainda estou com medo do Anton Chigurh. Se eu ver o Bardem na rua, eu atravesso pro outro lado e saio correndo. Sai pra lá, tanque de oxigênio mortal!
Atriz Coadjuvante: Tilda Swinton venceu. Vergonhoso. Ela fez cara de quem não esperava, pareceu surpresa. Eu sei o motivo. Ela mais do que ninguém sabia que sua indicação tinha sido absurda. Terem a coragem de dar o prêmio para ela foi o tiro no pé. Triste. Mais uma atriz medíocre premiada nessa categoria que raramente prima pela justiça e coerência.
Roteiro Adaptado: Onde os Fracos Não tem Vez. Vitória que indicou que seria a noite dos Coen, ganhando a primeira disputa com o Sangue Negro. Vi pela primeira vez os irmãos, e eles são inacreditavelmente tímidos, superando o Charlie Kauffman quando ele foi pegar seu prêmio pelo Brilho Eterno. Mal queriam falar, loucos para saírem logo do palco.
Roteiro Original: Preparem o saco de vômito. Quando eu contar 1, 2, 3: BLAAAAARGGGHHHH!!!!!! Juno ganhou o prêmio. Tivemos de ver a Diablo Cody subir e pegar sua estatueta. Eu achava que o prêmio mais absurdo da história tinha sido o de coadjuvante para a Renée Zellweger pelo Cold Mountain, mas esse supera com honras. Juno é um filme que, quanto mais penso nele, mas vejo o quão revoltantemente medíocre é. Vamos ver se a garota continua enganando os incautos por muito tempo. Lembram quanto durou a Nia Verdalos, depois do Casamento Grego? Dez minutos, e vala do esquecimento pra sempre? Pois é, Diablo Cody, você é a próxima, vai voltar a dançar no queijo logo, logo.
Diablo Cody, mostrando que encara a matança de animais selvagens em nome da moda da mesma maneira que encara a gravidez infantil. "É tudo uma grande brincadeira! Hihihihihi!". Há, era uma imitação de pele? Sei. E tá rindo do quê, Harrison Ford?
Atriz: Marion Cottilard. Um belo momento de clareza na Academia. Aliás, tirando a Tilda Swinton, os outros prêmios de atuação foram justíssimos, como raramente se vê na premiação. Como estou pegando raiva da Ellen Page, por ela ter feito aquela droga do Juno virado coqueluche, fiquei mais contente ainda que o sensacional retrato da cantora francesa Edith Piaf feito pela Marion Cottilard tenha sido agraciado com o prêmio. E a Ellen Page não merecia mesmo, por melhor que tenha sido sua atuação. Falam que a Cottilard disputou palmo a palmo com a Julie Christie, mas eu não acredito. A Julie Christie morreu de frio quando filmava o Doutor Jivago em meados de 66, e com certeza não chegou viva aos nossos dias. In memorian.
Ator: Daniel Day-Lewis. Junta-se ao rol que inclui Spencer Tracy, Fedric March, Gary Cooper, Marlon Brando, Dustin Hoffman, Tom Hanks e Jack Nicholson, como o dos atores com o maior número de prêmios na categoria principal, com duas estatuetas. Um olimpo, ao qual Day-Lewis se junta com toda a justiça. Gerou um momento engraçado, quando foi receber o prêmio da Helen Mirren, se ajoelhou, na pose que fazem aqueles que são condecorados pela rainha Elizabeth como cavalheiros do império britânico, numa referência ao papel dela no filme A Rainha no ano passado. Helen comprou a brincadeira, e com o Oscar que ia dar para o Daniel fingiu condecorar o irlandês. Vão saber improvisar assim lá no inferno!
Diretor: Como eu já havia antecipado (sou humilde, pô!), os irmãos Coen, Joel e Ethan, foram os vencedores. O filme é maravilhoso, mas se a estatueta tivesse ido para o Paul Thomas Anderson, seria justo também. Prêmio que reparou a injustiça de 1996, quando eles, representados pelo Fargo, perderam o prêmio para o péssimo Anthony Minghella com o Paciente Inglês.
Filme: Onde os Fracos Não Têm Vez foi o vencedor. É o melhor filme a ganhar o prêmio desde o Lista de Schindler, na minha opinião (aos que veneram o Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei: talk to the hand!). Mas eu, sinceramente, tinha uma queda maior pelo Sangue Negro. Não me levem a mal, são dois filmes estupendos (adjetivo tipicamente italiano), mas na ponta do lápis, daria os prêmios de direção e filme para o Thomas Anderson. Mas, pelo amor, depois de sermos torturados vendo nulidades como Crash, Chicago, Uma Mente Brilhante ganhando nos últimos anos, e vendo também anos nos quais o melhor que se achou foram filmes eficientes, porém longe de serem brilhantes como o Menina de Ouro (filme que está caindo em esquecimento) e o Os Infiltrados, a vitória do Onde os Fracos não Têm Vez é rendetora. Aliás, vamos falar a verdade aqui: a lista de filmes medíocres premiados como melhores filmes pelo Oscar, em toda a história do prêmio, é gigantesca. Foi muito mais difícil fazer a lista de piores filmes premiados, tamanha era a oferta, do que a dos melhores, para vocês terem uma idéia. O que aumenta ainda mais a importância da vitória do filme dos Coen.
Irmãos Coen, mostrando todo o conforto com os holofotes. Para melhorar, tiveram de subir três vezes no palco. É, talvez fazer o Matador de Velhinhas não tenha sido má idéia então... No Award For Bad Movies
O filme mais premiado na noite foi o Onde os Fracos Não Têm Vez, com apenas 4 estatuetas. O que confirma uma tradição recente da academia, que desde os 11 prêmios dados em 2003 ao Senhor Dos Anéis: blá-blá-blá do Rei, tem dividido muito mais os prêmios entre todos os competidores. O segundo filme mais premiado na noite de ontem? Adivinhem? Sangue Negro? Não, ganhou só 2. Conduta de Risco? Não. Desejo e Reparação? Que nada. O segundo filme mais premiado ontem foi o Ultimato Bourne, com três prêmios. Tá na hora da Academia rever os seus conceitos, urgentemente. De resto, nos vemos no ano que vem. E que tragam de volta o Billy Cristal. Em terra de cego, quem tem um olho é rei.
Memórias. Copa de 94, Romário e Bebeto. O Bebeto fazendo o gesto de embalar seu recém-nascido, e a final decidida nos pênaltis, com o Taffarel transformado em herói nacional e o Itamar Franco ao lado do Dunga erguendo a taça FIFA. E tinha também o Plano Real. A gente era criança e nem suspeitava como a vida era esquisita, como sempre foi, mas não era algo que pudessem explicar pra gente. Dois anos depois, eu assistia Minha vida de cachorro (My so-called life), no SBT, com a Claire Danes antes de estragar a vida dela se envolvendo com o Billy Crudup. Tá lembrado?
(Aliás, quanta coisa as distribuidoras aqui, no Brasil, acharam que devia se chamar Minha vida de cachorro.)
O nexo entre as duas coisas, você pergunta. É que a série foi ao ar nos States em 1994. E, na verdade, outro dia comentaram comigo de um seriado com a Claire Danes adolescente, que só tivera 19 episódios, mas que era muito inteligente e que, até por isso, tinha sido cancelado, não sem virar cult. E eu não associei uma coisa com a outra. Daí, lembrei esses dias, fui pesquisar e descobri que era o Minha vida de cachorro que eu via quando era moleque, antes de ter idade pra me identificar com os dramas adolescentes Seattle-style da série.
Anos Incríveis anos 1990: Kevin Arnold versão feminina e sem-sal, Paul Pfeiffer porto-riquenho e Winnie Cooper que, em vez de ir pra França, vira emo.
E que triste que era, às vezes pesada. Predominava na atmosfera da série uma enorme fragilidade, de gente que não pára de pé, que está sempre prestes a desmoronar. Só pra você ter idéia, o melhor amigo da Claire Danes era hispano e gay, isso em 1994, quando nem bem tinha começado o período de Ilustração da era Clinton. E a personagem da Danes, Angela Chase, era apaixonada pelo Jordan Catalano (nome que deve ressoar na memória das menininhas), interpretado pelo Jared Leto, o que me fez pensar. Pensar que a vida não é como Terminator 2, e a gente não podia saber que o Catalano ia incomodar tanta gente ainda, nem contar com um cyborg do futuro pra eliminar o moleque e evitar maiores estragos. Mas o tempo passou, veio Requiem for a dream, veio Alexandre e finalmente a fase emo, então tá. Quando a gente abre o baú, aparecem essas coisas mesmo.
O problema da mulher é. Jovem leitora, quando você lê um texto que começa com “O problema da mulher é”, o que você faz?
Mas o problema das mulheres é que elas são convencionais, e as que não são estão mais ocupadas em deixar claro como são excêntricas e alternativas, e por isso são um saco. Além disso, provavelmente elas gostam é de mulher. O pensamento da mulher é composto de clichês. Um homem que não diz clichês pra ela é insensível, sem graça, não tem pegada. A pegada é um cara falando o mesmo que o cara ao lado pegando uma menina que pra você, jovem leitora, tá na cara que é piriguete.
Clichê: o uso desta imagem é um clichê.
O romantismo... E quando alguém te fala do romantismo pra explicar qualquer coisa, associando-o às mulheres, hein? Mas o romantismo inteiro, se não é invenção delas, pelo menos se mantém graças à insaciabilidade feminina por clichês. O romantismo do Hegel e o das telemensagens e loucuras de amor. Desde então, é imperativo (e o dedinho se levanta) que sejamos estritamente fiéis a nós mesmos; abandonam-se os ideais artificiosos, porque supostamente falsos. E todos dizem eu te amo.
O uso desta não.
E por isso o meu problema com as mulheres. Minha objeção recorrente. Tudo por causa do chamego, parte fun-da-men-tal de um relacionamento. Qual o valor de um chamego que qualquer uma pode te oferecer, um chamego que a gente vê em novela da Record? Jovem leitora, você sabe o que é isso, ter uma carência dessas insatisfeita? Um homem se isola, se deforma, some; e um dia, reaparece transfigurado em poeta concretista, ou em artista performático, falando de Godard, não sei. Um horror.
E por isso você vai se casar com um cara medíocre, mas que não sumiu. Todas se casam. E quem dera isso fosse praga minha, mas é estatística.
Camarada Progressista já falou, já falou. É que eu também quero dar o meu palpite, deixa aí.
Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007) é um grande filme, contrariando as minhas expectativas muito legitimamente baseadas na filmografia pregressa do diretor, Paul Thomas Anderson. Então, não venha tirar satisfação comigo me chamando de otário, metidinho, contraditório e sem talento – coisas que eu sei que sou, mas só de vez em quando: quando estou cansado, quando imito alguém que não eu –, se agora eu digo que o filme é o mais importante dos últimos, vejamos, vinte anos, que não foram grande coisa, tá certo, mas com suas exceções, pois sim.
Ca-bum!
O filme já começa de maneira a espantar a audiência relaxada, que gosta de saber sempre o que está acontecendo. O mesmo pessoal, por exemplo, que chiou com o final de Sopranos. Uma paisagem rochosa e um terrível zunido; me lembrou 2001: Uma Odisséia no Espaço, os primatas se ajuntando em torno do misterioso monólito, e um zunido semelhante marcando a expectativa e a iminência de uma grande mudança, uma transformação da própria natureza. E da natureza humana na exploração do meio físico circundante. Exatamente o que transcorre em Sangue Negro: uma transformação radical da natureza humana, dessa vez pelo empreendedorismo norte-americano, representado por Daniel Plainview (interpretado por Daniel Day-Lewis, vocês já ouviram que brilhantemente), em busca de petróleo. Nasce o homem que há de erguer uma nação, e essa cena inicial deixa bem claro o self-made man que é Plainview.
E as críticas sobre o filme têm destacado como central a oposição entre poder religioso e secular, o que está parcialmente correto. Parece-me, no entanto, que a questão evolui da mera oposição para a moralização do poder religioso ironicamente operada pelo secular. A cena final (e não te preocupe, que não vou enfiar um spoiler a essa altura do campeonato) é a mais explícita formulação desse ponto, para a qual, afinal, o filme converge. O pragmatismo que construiu os Estados Unidos é necessariamente moralizador. Os negócios precisam de que as pessoas sejam diretas e honestas. Como de fato é Plainview. Na contramão, ou melhor, como um efeito colateral, o oportunismo de Eli Sunday (competentemente interpretado por Paul Dano). Naturalmente, Plainview, cujo materialismo e ceticismo são reflexos da racionalização indispensável aos empreendedores, há de se opor às mistificações e à hipocrisia de Sunday. O falso profeta desmascarado pelo capitalista inescrupuloso e assassino, quase uma linha de Adorno. Descontando-se muita coisa, como se tem de fazer quando se quer apor a indivíduos reais a categorização dos tipos, Daniel Plainview é uma espécie de anti-herói, na medida da América.
"Brother Daniel, ou dá, ou desce!"
Paul Thomas Anderson amadureceu e se reinventou, deixando de lado os maneirismos irritantes dos filmes anteriores. Mas o selo de qualidade é definitivamente conferido ao filme quando eu penso que os fãs de PTA vão detestar Sangue Negro. Eles não vão admitir, é claro, porque ia pegar mal dizer que não gostaram do evidentemente melhor filme do diretor. Só vai dar pra notar nas ressalvas sutis que eles vão deixar escapar aqui e ali, do tipo "mas Magnolia tem mais coração". E a gente sempre apela pro "coração" quando a coisa é ruim. Nessas horas, eu vou dar um sorriso desse tamanho.
Não chora não, Daniel. Eu achei o Gangues de Nova Iorque shaggadelic! Yeah, baby!
Uma cena em especial demonstra o talento colossal do irlandês. Quando em determinado momento Plainview precisar mostrar arrependimento por um ato diante de Eli e dos fiéis da igreja por ele criada, o personagem precisa se ajoelhar humilhantemente e declarar sua culpa aos berros, fervorosamente, sempre forçado por Eli de maneira brusca. Com apenas jogos de olhares e sutis mudanças de expressões, podemos notar que o personagem faz tudo aquilo apenas por conveniência, em nenhum momento mostrando acreditar realmente nas confissões que bradava a plenos pulmões. Só mesmo o Daniel Day-Lewis conseguiria algo assim. Imaginei depois de ver o filme um Ben Affleck fazendo a mesma cena. Tá, eu sei, é que nem comparar o Pelé e o Betão, mas é reconfortante saber que o Thomas Anderson tinha em mente que tal complexidade somente seria realçada com brilhantismo se Day-Lewis aceitasse fazer o filme. Antes, Anderson se achava tanto que se dava ao luxo de enfiar um Adam Sandler na nossa goela. Hoje, ele espera por um Daniel Day-Lewis, e realiza um filme que é, sem dúvida, o merecedor do Oscar, até mais que o brilhante Onde os Fracos Não Têm Vez. Seria essa a verdadeira chuva de rãs de Paul Thomas Anderson, então? Há, tá, tem gente achando que o Juno merece o prêmio na verdade. Aqueles que querem "abraçar" o filme. Se isso acontecer, aí sim que there will be a lot of blood. A lot. I'm finished.
O pop – além de descartável, vendido, descolado, experimental, artístico, etc – pode ser humano, qualidade da qual eu andava meio esquecido até ouvir, como sempre, muito descompromissadamente, Kate Nash. É um termo bem equivocado esse, humano, e que por isso mesmo acabou caindo em desuso, com a decadência do pensamento que o endossava, o humanismo, em lugar do qual seguiu-se o capitalismo, de zoeira o socialismo no meio e depois o capitalismo de novo. Não no mundo, mas na cabeça das pessoas pensantes dos pensamentos.
Esse elemento arcaico em Kate Nash, evocando uma imagem falsa mas bonita que nem só vendo do homem, soa apenas aos ouvidos daqueles que, como eu, ouvem música menos pela qualidade que pela capacidade de sugerir certas sensações muito elaboradas, porque definitivamente associadas a alguma vivência pessoal de difícil apreensão discursiva. O que estou querendo dizer é que, pra mim, ouvir música é uma atividade mnemônica admiravelmente proustiana, a que faltam critérios objetivos que forneçam aos meus juízos a credibilidade da mera recomendação. Trocando em miúdos, provavelmente quando você ouvir Kate Nash, não vai achar nada do que eu disse, porque ou eu, ou você é um tremendo filisteu.
Nash in natura: sardas e muita, muita autenticidade, bro!
À parte o impressionismo, pois, Kate Nash é o melhor dessa nova onda de cantoras-compositoras confessionais, entre as quais figura a similar e chapa Lily Allen, menos bem-humorada que Nash, característica decisiva para conquistar minha simpatia, confusamente relacionada à infinita complacência que devoto a todas as mulheres do mundo, exceto quando flagradas num instante de futilidade gritante.
Quando elas começam a falar euforicamente das confusões e desventuras aparentemente infinitesimais de sua vida, o que exaspera a planificada e rasa sensibilidade masculina é a completa ausência de autopercepção, que as constrangeria a ser minimamente lúdicas em sua exposição. Mas a virtude que a natureza negou ao gênero, parece que os meses que passou engessada em casa proporcionaram a Kate Nash, para compor canções na medida do meu ideal de uma mocinha com senso de humor refinado. Espécies cada vez mais raras, principalmente quando você passa metade do seu dia numa universidade, e brasileira, onde as meninas cumprem a vocação de tietes para com o Chico, e, eu não sei vocês, mas tietagem versão mpb é dose.
Kate Nash me bouleversou. Made of Bricks, seu debut, é inteirinho bacana. Um álbum pop inteirinho bom? Há quanto eu não tinha notícia de algo assim? E bom ser dar sono. Raríssimo. Até a velha ladainha da mulher de malandro de Foundations eu engoli sorrindo, quando o refrão diz “And I know I should let go / But I can’t”. Esse “I can’t” é uma coisa! é sinal de uma sem-vergonhice sem tamanho da parte dela, mas dito como é dito me desarma. Que a pessoa fale bobagem, mas que fale bonitinho, com jeitinho.
Ela é mó legal!
Pra sentar e escrever sobre Kate Nash, eu me debati durante dias, tentando não dizer trivialidades, sem me dar conta de que era simplesmente impossível. Eu já ia me esquecendo de que estava falando de música pop. Música pop, irmão! E música pop é absolutamente trivial. De modo que, claro, Kate Nash é talentosa e divertida, mas continua sendo só uma menininha botando em dia as desventuras amorosas da adolescência. Então é trivial mesmo. Mas honesto também. Por sinal, ela vende bem aquele velho produto da juventude em crise: a autenticidade.
Melodias nem um pouco óbvias, a que eventualmente falta uma produção mais bem acabada, emoldurando aquela voz, aquele sotaque, pelo qual eu tenho um fraco, tenho de te confessar. Mas o mais importante, sem o qual eu nem teria notado como Nash é talentosa e espertinha, fútil como eu sou, é que ela é uma gracinha, o que por si só a coloca anos-luz à frente do chato (leia-se feioso) Bob Dylan na minha cota pessoal de cronistas/trovadores do cotidiano. E você faça o mesmo.
Eu tinha um amiguinho imaginário que, por uma confusão terrível de que só mesmo o inconsciente by Freud da gente é capaz, era a cara do Adorno, o Teodoro, aquele da Escola de Frankfurt, internato pra onde os alemães do entreguerras mandavam os filhos, que saíam de lá aos 17 doutorados em Filosofia, mas magrinhos, porque proibiam as crianças de comer chucrute e beber cerveja. Um dos pilares do espírito do colégio era a erradicação total do sorriso no mundo, tão fundamental que era a marca registrada indisfarçável do pensamento e da cara de qualquer um de seus ex-alunos.
A luz.
("My fingertips are holding onto the cracks in our foundation...")
Sintomaticamente, o Adanoninho, como o apelidei, só me aparecia quando eu começava a flertar, mais do que o normal, com o mainstream. Aliás, só de tocar no assunto, pipocava um vultozinho dele aqui e ali, no canto do meu olho, mesmo entre os meus colegas superalternativos, totalmente endossados em seu estilo de vida pelo velho espírito carrancudo da Teoria Crítica. Ultimamente, o nome do flerte é Kate Nash, bijuzinho irlandês que já figurou aqui como Tetéia da Semana, escolha luminosa do Camarada Progressista.
A coisa melhor do mundo é saber que se está sendo enganado, mas deixar, porque é gostoso. Posso te enumerar pelo menos uns três vícios universais que não são senão variações disso: arte, música pop e amor. Agora, posso te citar verbatim a passagem da Minima Moralia em que o Adorno himself condena esse prazer leviano e irresponsável como o riso que acoberta o choro e ranger de dentes da multidão. Pois absolutamente toda vez que, diante da Farsa, você dá de ombros, muito jovialmente, e morde um Big Mac, cai uma bigorna bem grandona na cabeça de um chinezinho oprimido pela ordem do Trabalho.
Prevendo o tom zombeteiro de posts como este, é que Adorno, em vez de reencarnar – gesto crítico dialético contrário a seu materialismo em vida –, totalmente organicamente perpetuou-se em brotos alucinatórios (e não ectoplasmáticos!) na cabeça de jovens universitários incautos como eu, sob a forma de amiguinhos imaginários como o Adanoninho, para me lembrar que até isto é vaidade e há de passar.
As trevas.
Só que outro dia, depois de baixar, quer dizer, comprar um Compact Disc original de Made of Bricks e pagar em dinheiro no caixa da Fnac Paulista, pena que eu perdi a notinha, senão eu te mostrava, passei pro meu mp3 player pra avaliar a sonoridade da artista em outras faixas que não seu hit Foundations, teste que consiste em quanto uma música consegue me fazer sorrir em público esquisitamente, logo pela manhã, apesar do ônibus e metrô lotados que me levam prum serviço que paga mal. Estava mais do que aprovada a menininha.
Só sei que quando, em Skeleton Song, Kate Nash diz que vai acabar com a raça do seu amiguinho esqueleto, no meio de uma gigantesca barulheira, on that delicious British accent, o Adanoninho deu sinal, desceu do ônibus e se enfiou num boteco fedido, cheio da mais renitente e ascética resistência ao glamour hollywoodiano, já que não podia haver na terra cenário mais diverso daquele de Casablanca, em que Bogart amarguradamente mamado ouvia As time goes by. Casablanca, que ninguém, a não ser o Adanoninho, notara que endeusa um bebum agindo que nem fosse sóbrio. Como todos os filmes com o Bogart, você diz maldosamente, mas façamos que não vimos, né?
Desde então, não houve mais aparições do Adanoninho, que antes eram quase diárias. Isso foi há mais de uma semana.
Epílogo – New about me: lia Adorno e ouvia Kate Nash. Im-pu-ne-men-te.
Ô, sim, isso tudo foi um prólogo, porque de Kate Nash mesmo eu não falei nada, reme(n)dando o mal no post seguinte, pois não.
Eu sou muito jovem e heterossexual pra ter, ao invés de simular, bom-gosto. No futuro, quando eu for tiozinho, num casamento frustrado ou na solteirice indesejadamente prolongada, aí sim vou dar o devido valor a ouvir Station to Station, a ler Declínio e Queda e a assisir a Irma, la Douce. Por enquanto, eu sou indie. E entre as constantes hesitações, que me fazem duvidar seriamente da minha capacidade crítica e intelectual, como o Marcel de (e esfrego na tua cara o engodo só mais uma vezinha) À sombra das raparigas em flor, blogo, reunindo em torno da persona que agora você sabe por que difusa do Camarada Fundamentalista um fã-clube que não ousa dizer o nome.
Mas Sangue Negro (There Will be Blood, 2007) estréia 16 de fevereiro por aqui. O novo filme do Paul Thomas Anderson é favorito ao Oscar, considerado por muitos melhor que o prodigioso No Country for Old Men, dos irmãos Coen. Mas como é a PTA feature, há muito a ser descontado daí, vai por mim. Relembrando sua filmografia em conjunto, a impressão mais forte que eu tenho é de um cinema campy e muito glamour estudadamente blasé.
Stand-up de Tom Cruise em Magnolia (1999): "Então, um sujeito chegou pra mim no Planet Hollywood e me perguntou se eu era cientólogo, e eu respondi que sim. Daí, ele falou que também era, e só aí eu vi que estava falando com o John Travolta." (Risos.)
Mas é um cinema de sensações, já ouvi dizer. Sensações com o William H. Macy, no entanto, o que passa bem a idéia do constante anticlímax (ai, essa linguagem sem vergonha de ser involuntariamente ambígua) que a gente experimenta, por exemplo, em Magnolia, que entra pra lista dos filmes-quase, porque é cheio de coisinhas que não deixam a gente se envolver com todas aquelas personagens, a não ser que você nunca tenha visto na vida, ou tenha visto mas não prestado atenção, uma pessoa de verdade frustrada ou sofrendo. Sem dúvida, o maior obstáculo entre nós e os personagens e seus dramas é o próprio PTA, cuja sensibilidade dramática se formou com canções pop de três ou quatro minutos, como em parte ele já confessou atribuindo à música sua principal fonte de inspiração. Muita Aimee Mann, então.
William H. Macy cercado de pessoas que, como eu, não dão a mínima pra ele.
"And the rain is coming, oooooh..."
Antes que você proteste contra o que acredita ser preconceito meu, deixa eu colocar assim. Tem a música, tem a literatura, tem o teatro e tem também o cinema. Música é música. E na música tem às vezes letra, que é parecido com poesia, que é literatura. E teatro tem literatura também. Tem. Só tem. Porque literatura é literatura. Teatro nasceu com música. Então, tem música no teatro. Tem. Só tem. Porque teatro é teatro. E música é música. Mas teatro e cinema são bem parecidos, mais que música e teatro. No cinema, também tem música. Tem. E tem literatura, menos que no teatro. Mas também só tem. Porque cinema é cinema. O que leva a gente a concluir que: 1) música é música, 2) literatura é literatura, 3) teatro é teatro e 4) cinema é cinema. E essa forma de exposição é quirky que nem um filme do PTA, e por isso me dá raiva, mas tem gente que adora.