sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Porque não é que eu tenha me equivocado

Camarada Progressista já falou, já falou. É que eu também quero dar o meu palpite, deixa aí.

Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007) é um grande filme, contrariando as minhas expectativas muito legitimamente baseadas na filmografia pregressa do diretor, Paul Thomas Anderson. Então, não venha tirar satisfação comigo me chamando de otário, metidinho, contraditório e sem talento – coisas que eu sei que sou, mas só de vez em quando: quando estou cansado, quando imito alguém que não eu –, se agora eu digo que o filme é o mais importante dos últimos, vejamos, vinte anos, que não foram grande coisa, tá certo, mas com suas exceções, pois sim.

Ca-bum!

O filme já começa de maneira a espantar a audiência relaxada, que gosta de saber sempre o que está acontecendo. O mesmo pessoal, por exemplo, que chiou com o final de Sopranos. Uma paisagem rochosa e um terrível zunido; me lembrou 2001: Uma Odisséia no Espaço, os primatas se ajuntando em torno do misterioso monólito, e um zunido semelhante marcando a expectativa e a iminência de uma grande mudança, uma transformação da própria natureza. E da natureza humana na exploração do meio físico circundante. Exatamente o que transcorre em Sangue Negro: uma transformação radical da natureza humana, dessa vez pelo empreendedorismo norte-americano, representado por Daniel Plainview (interpretado por Daniel Day-Lewis, vocês já ouviram que brilhantemente), em busca de petróleo. Nasce o homem que há de erguer uma nação, e essa cena inicial deixa bem claro o self-made man que é Plainview.

E as críticas sobre o filme têm destacado como central a oposição entre poder religioso e secular, o que está parcialmente correto. Parece-me, no entanto, que a questão evolui da mera oposição para a moralização do poder religioso ironicamente operada pelo secular. A cena final (e não te preocupe, que não vou enfiar um spoiler a essa altura do campeonato) é a mais explícita formulação desse ponto, para a qual, afinal, o filme converge. O pragmatismo que construiu os Estados Unidos é necessariamente moralizador. Os negócios precisam de que as pessoas sejam diretas e honestas. Como de fato é Plainview. Na contramão, ou melhor, como um efeito colateral, o oportunismo de Eli Sunday (competentemente interpretado por Paul Dano). Naturalmente, Plainview, cujo materialismo e ceticismo são reflexos da racionalização indispensável aos empreendedores, há de se opor às mistificações e à hipocrisia de Sunday. O falso profeta desmascarado pelo capitalista inescrupuloso e assassino, quase uma linha de Adorno. Descontando-se muita coisa, como se tem de fazer quando se quer apor a indivíduos reais a categorização dos tipos, Daniel Plainview é uma espécie de anti-herói, na medida da América.

"Brother Daniel, ou dá, ou desce!"

Paul Thomas Anderson amadureceu e se reinventou, deixando de lado os maneirismos irritantes dos filmes anteriores. Mas o selo de qualidade é definitivamente conferido ao filme quando eu penso que os fãs de PTA vão detestar Sangue Negro. Eles não vão admitir, é claro, porque ia pegar mal dizer que não gostaram do evidentemente melhor filme do diretor. Só vai dar pra notar nas ressalvas sutis que eles vão deixar escapar aqui e ali, do tipo "mas Magnolia tem mais coração". E a gente sempre apela pro "coração" quando a coisa é ruim. Nessas horas, eu vou dar um sorriso desse tamanho.

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