sábado, 16 de fevereiro de 2008

Kate Nash: nós, fundamentalistas, aprovamos!

O pop – além de descartável, vendido, descolado, experimental, artístico, etc – pode ser humano, qualidade da qual eu andava meio esquecido até ouvir, como sempre, muito descompromissadamente, Kate Nash. É um termo bem equivocado esse, humano, e que por isso mesmo acabou caindo em desuso, com a decadência do pensamento que o endossava, o humanismo, em lugar do qual seguiu-se o capitalismo, de zoeira o socialismo no meio e depois o capitalismo de novo. Não no mundo, mas na cabeça das pessoas pensantes dos pensamentos.

Esse elemento arcaico em Kate Nash, evocando uma imagem falsa mas bonita que nem só vendo do homem, soa apenas aos ouvidos daqueles que, como eu, ouvem música menos pela qualidade que pela capacidade de sugerir certas sensações muito elaboradas, porque definitivamente associadas a alguma vivência pessoal de difícil apreensão discursiva. O que estou querendo dizer é que, pra mim, ouvir música é uma atividade mnemônica admiravelmente proustiana, a que faltam critérios objetivos que forneçam aos meus juízos a credibilidade da mera recomendação. Trocando em miúdos, provavelmente quando você ouvir Kate Nash, não vai achar nada do que eu disse, porque ou eu, ou você é um tremendo filisteu.

Nash in natura: sardas e muita, muita autenticidade, bro!

À parte o impressionismo, pois, Kate Nash é o melhor dessa nova onda de cantoras-compositoras confessionais, entre as quais figura a similar e chapa Lily Allen, menos bem-humorada que Nash, característica decisiva para conquistar minha simpatia, confusamente relacionada à infinita complacência que devoto a todas as mulheres do mundo, exceto quando flagradas num instante de futilidade gritante.

Quando elas começam a falar euforicamente das confusões e desventuras aparentemente infinitesimais de sua vida, o que exaspera a planificada e rasa sensibilidade masculina é a completa ausência de autopercepção, que as constrangeria a ser minimamente lúdicas em sua exposição. Mas a virtude que a natureza negou ao gênero, parece que os meses que passou engessada em casa proporcionaram a Kate Nash, para compor canções na medida do meu ideal de uma mocinha com senso de humor refinado. Espécies cada vez mais raras, principalmente quando você passa metade do seu dia numa universidade, e brasileira, onde as meninas cumprem a vocação de tietes para com o Chico, e, eu não sei vocês, mas tietagem versão mpb é dose.

Kate Nash me bouleversou. Made of Bricks, seu debut, é inteirinho bacana. Um álbum pop inteirinho bom? Há quanto eu não tinha notícia de algo assim? E bom ser dar sono. Raríssimo. Até a velha ladainha da mulher de malandro de Foundations eu engoli sorrindo, quando o refrão diz “And I know I should let go / But I can’t”. Esse “I can’t” é uma coisa! é sinal de uma sem-vergonhice sem tamanho da parte dela, mas dito como é dito me desarma. Que a pessoa fale bobagem, mas que fale bonitinho, com jeitinho.

Ela é mó legal!

Pra sentar e escrever sobre Kate Nash, eu me debati durante dias, tentando não dizer trivialidades, sem me dar conta de que era simplesmente impossível. Eu já ia me esquecendo de que estava falando de música pop. Música pop, irmão! E música pop é absolutamente trivial. De modo que, claro, Kate Nash é talentosa e divertida, mas continua sendo só uma menininha botando em dia as desventuras amorosas da adolescência. Então é trivial mesmo. Mas honesto também. Por sinal, ela vende bem aquele velho produto da juventude em crise: a autenticidade.

Melodias nem um pouco óbvias, a que eventualmente falta uma produção mais bem acabada, emoldurando aquela voz, aquele sotaque, pelo qual eu tenho um fraco, tenho de te confessar. Mas o mais importante, sem o qual eu nem teria notado como Nash é talentosa e espertinha, fútil como eu sou, é que ela é uma gracinha, o que por si só a coloca anos-luz à frente do chato (leia-se feioso) Bob Dylan na minha cota pessoal de cronistas/trovadores do cotidiano. E você faça o mesmo.

Um comentário:

  1. Sugestão aprovada, seguida de sugestão da Mari - eu mesma -, que está com insônia e resolveu deixar vários comentáriosno blog de vocês hoje: ouçam Jenny Owen Youngs.

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