terça-feira, 10 de julho de 2007

Dez Melhores Filmes, Década de 80, Parte Dois

5- Amadeus (Amadeus, EUA, 1984), 160 minutos – Diretor: Milos Forman; Elenco: F. Murray Abraham, Tom Hulce
A década de 80 foi negra para o Oscar. Já criticado normalmente pela predileção eventual por filmes de maior apelo com o público em detrimento daqueles de maior mérito artístico, naquela bela e maluca década viu-se os maiores absurdos cometidos pela Academia. Filmes meia-bomba como Entre Dois Amores, Gandhi, O Último Imperador, Conduzindo Miss Daisy e, principalmente, o horrendo Rain Man (dói só de lembrar) foram laureados com o prêmio de Melhor Filme. O único filme naquela década agraciado com o prêmio máximo da Academia que realmente presta e único também a contar nessa lista elaborada por mim é esse aqui, Amadeus, ganhador da estatueta em 1985. Baseado na peça de Peter Shaffer, que também escreveu o roteiro do filme, fator vital para o sucesso do mesmo, o filme conta a biografia do mítico compositor Amadeus Mozart interpretado com brutal eficiência pelo sumido (nunca mais ninguém soube dele, coitado) Tom Hulce. A história é contada do ponto de vista do rancoroso e amargurado compositor Antonio Salieri, interpretado pelo F. Murray Abraham, naquela que é uma das maiores intepretações da história do Cinema. Aproveitando o belo potencial do personagem, um compositor medíocre que não consegue aceitar que um garoto tão despreendido e relativamente inconseqüente como Mozart tenha um talento tão assombroso para compor, Abraham encarna toda a dor do personagem e consegue fazer o espectador não odiar aquele ser patético, cujo amor pela música é tão grande que o leva as portas da loucura. Mais do que merecidamente, levou o Oscar de melhor ator. Milos Forman, excelente diretor tcheco que tinha realizado 7 anos antes o lendário Estranho no Ninho, realiza mais um trabalho soberbo, conduzindo o filme com rara elegância, destacando inteligentemente a trilha sonora e os cenários como reflexos das situações emocionais dos personagens, criando sempre atmosferas calmas e vívidas quando Mozart está em destaque, e ressaltando tons mais escuros e composições mais soturnas quando Salieri é o centro. Foi o único acerto na Academia em toda uma década, mas também, se eles ignorassem Amadeus, aí o negócio ia ser chutar o balde e sair indicando os Conans e Rambos da vida mesmo, se é pra esculhambrar, vamos fazer com estilo então...

4-Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, Alemanha, 1987), 127 minutos – Diretor: Wim Wenders; Elenco: Bruno Ganz, Otto Santer, Solveng Dommartin, Peter Falk
O maior crime da humanidade foi cometido em 1998, quando estúpidos produtores americanos resolveram refilmar essa obra-prima do Wim Wenders, cometendo o pavoroso Cidade dos Anjos, que colocou o careteiro e canastrão de plantão do Nicolas Cage para entortar boca e grunhir juras de amor com a Meg Ryan num filmeco água com açúcar que serviu somente para aumentar a minha descrença na humanidade. Quem esses pervos acham que são? Mas o consolo é que nem esses açougueiros conseguiram apagar a classe desse grande trabalho de Wenders, diretor talentosíssimo mas que tem a mania de querer ajudar os amigos, como quando dirigiu aquele filme com o roteiro do mala mor Bono Vox, o Hotel de Um Milhão de Dólares. No caso desse filme de 1987, que aproveita o cadáver do comunismo e a eminente destruição do Muro de Berlim para, através dos olhos de dois anjos que não podem se comunicar com os humanos nem serem vistos ou ouvidos por eles, mostrar todo o desalento e desencanto vivenciados pelos habitantes da cidade. Os anjos, Damiel, interpretado pelo Bruno Ganz (que depois viria a interpretar o anticristo e coisa ruim Hitler no recente filme A Queda), e Cassiel, interpretado por Otto Sander, podem somente trazer conforto e carinho para as pessoas, nunca influir nos atos delas, como quando um deles tenta confortar um jovem prestes a cometer o suicídio, não conseguindo impedir o ato do rapaz, mas conseguindo trazer um momento de paz para ele simplesmente por, de maneira absolutamente sensorial, ouvir os lamentos do rapaz, abraçando-o e dando um pouco de alívio para ele. A alegoria que o filme faz com a vida dos alemães no mundo pós-Segunda Guerra é clara, uma sensação de desconforto constante, de inadequação, de vazio, como se a eles não permitido celebrar a vida, somente viverem consternados e reprimidos como pena a pagar pelas loucuras de um homem. Os anjos representariam a esperança escondida no coração dessas pessoas, e quando Damiel começa a se sentir insatisfeito por não poder compartilhar seus sentimentos de maneira real com elas, sentir todas as sensações experimentadas por elas, vontade que atinge o ápice quando ele se apaixona por uma trapezista e começa desesperadamente a querer transformar-se num humano, é impossível não entendermos essa vontade e luta de Damiel como uma representação da insatisfação de todos os berlinenses e, por conseqüência, de todos os Alemães, e a vontade de derrubar um muro de valor muito mais ideológico do que meros tijolos um em cima do outro. Wenders tem um estilo lento de desenvolver suas histórias, concentrando-se sempre nas reações e interações entre seus personagens, algo que habitualmente gera resultados sublimes, já que quem quer correr para contar algo não acredita na força do que tem para dizer ao seu público.

3- Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, EUA, 1987), 116 minutos – Diretor: Stanley Kubrick; Elenco: Matthew Modine, Adam Baldwin, Vicente D’Onofrio
Não consigo entender certas convenções dos críticos. Esse filme é considerado, ao lado do De Olhos Bem Fechados, como a mais fraca das obras dirigidas pelo Stanley Kubrick (considerando logicamente que, por parâmetro, o pior filme do Kubrick é melhor que 99% dos filmes já feitos). Até aí, tudo bem. Mas os argumentos apresentados pelos incautos é que irritam demasiadamente. Falam que o Kubrick perdeu o trem da história e chegou atrasado, já que Apocalypse Now e Platoon tinham vindo antes e retratado a Guerra do Vietnã já, e que por isso o seu filme seria fora do contexto. Grande porcaria. Se filme bom fosse aquele que se antecipasse aos seus pares, então o World Trade Center, lixo lançado pelo Oliver Stone e primeiro filme que tratou dos atentados de 11/09, seria uma obra-prima. Situacionismo não significa nada em termos de alcance artístico, a velha história do efeito versus o conteúdo daquilo que se pretende como filme de arte. E esse filme, como todo esforço Kubrickiano, é um genial estudo dos lados mais obscuros do homem, a famosa desumanização, tema que era obsessão para o mestre. No caso, Kubrick observa atentamente os passos do soldado Joker (apelido do personagem pelo seu estilo sarcástico de humor, o nome verdadeiro dele jamais é revelado pelo filme) , interpretado pelo Matthew Modine, desde seu cruel treinamento com um sádico instrutor militar até suas experiências já no campo de Guerra no Vietnã. No começo da sua experiência na Ásia ele acaba escrevendo sobre a Guerra para a agência de notícias militar norte americana, sempre tentando disfarçar as eminentes perdas da campanha americana e o progressivo caos enfrentado pelas forças armadas, tentando com seus textos elevar a moral dos recrutas estadunidenses usando de metáforas e omissões de informações. Até o momento em que ele é mandado para o fronte para acompanhar uma missão, conhecendo de perto os horrores da Guerra e o efeito por ela causados naqueles soldados extenuados e perdidos, e, como não poderia deixar de ser, no próprio Joker, que cega a usar a teoria Jungniana de dualismo do homem, bem e mal vivendo num mesmo indivíduo, para justificar para si mesmo aquilo tudo. A mensagem de Kubrick é um tapa na cara: somente podemos aceitar uma Guerra quando reconhecemos que ela serve para nutrir o lado psicótico dos homens, para representar o mal que carregamos dentro de nós, e nunca como ação realmente válida e justa para resolver qualquer tipo de conflito. Não há heroísmo, não existe abnegação, luta ou ombriedade, somente homens patéticos (não somos todos nós?) conhecendo e entrando em contato com tudo aquilo de pior que as suas mentes poderiam gerar, e a primeira parte do filme com o treinamento exemplifica os esforços do governo americano para despertar esse lado sádico nos recrutas, criando soldados prontos para matarem sem questionar e com o mínimo de culpa possível, o que, bem sabem os estrategistas, é a chave para se ganhar uma guerra. O final do filme, com os soldados americanos marchando cantando uma música do clube do Mickey Mouse de cunho patriótico, é uma imagem tão poderosamente cínica, considerando que os EUA perderam a Guerra no final, que sozinha acaba tendo um efeito crítico muito mais eficiente que todos os filmes feitos pelo Oliver Stone falando sobre o assunto. Contra a sutileza e voracidade do cinismo Kubrickiano, não existiam, nem existirão jamais concorrentes.

2- Touro Indomável (Raging Bull, EUA, 1980), 130 minutos – Diretor: Martin Scorcese; Elenco: Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty
Eu não vou perdoar nunca o Martin Scorcese. As três concessões desesperadas feitas por ele para abocanhar um Oscar, Gangues de Nova York, O Aviador e Os Infiltrados, o último no caso finalmente dando o prêmio para ele, quase fizeram todo o respeito que eu nutria pelo diretor ir água abaixo. Lógico que não são filmes ruins (hã... bem...deixa pra lá), mas são obras que destoam na carreira dele quase que de maneira grotesca. Agora que finalmente deram pra ele o prêmio, e justamente pelo que deve ter sido o seu pior filme, Os Infiltrados, quem sabe ele não relaxa e volta de uma vez a produzir filmes que façam jus ao seu talento? Lembro-me dos dias que Martin produzia filmes que escolhiam, corajosamente, observar o comportamento de personagens com claras predisposições sociopatas, seres sem qualquer tipo de adequação ao meio social que viviam, mas que, através da visão precisa do diretor, conseguiam dentro das suas lógicas torpes encontrar alguma espécie de redenção, sendo a violência o catalisador de todo o processo de tortura enfrentado pelos personagens. A culpa católica, o efeito que os pecados podem ter na vida e na mente de um homem, e a expiação através do sangue, sempre usado como metáfora em suas películas. No caso do Touro Indomável, que contava a biografia do pugilista Jake de La Motta, sua lenta ascensão até o título de campeão mundial dos pesos Meio-Pesados, e seus problemas enfrentados pelo temperamento impulsivo e auto-destrutivo, sua rebeldia contra a ordem estabelecida no boxe, e os inevitáveis reflexos na sua vida pessoal, quando suspeita de um caso amoroso entre a sua mulher e seu irmão, que o leva a praticar rompantes de violência que o isolam de todos. Robert De Niro foi o primeiro a se interessar pelo projeto, lendo a biografia de Jake e convencendo Martin Scorcese a dirigir um filme baseado no livro. Martin viu uma bela oportunidade para contar uma história que tudo tinha a ver com o mundo dos seus personagens, e que até representou uma curiosa semelhança com sua vida pessoal na época, já que depois do fracasso do musical New York, New York (quem mandou ficar amiguinho da Liza Minnelli?) ele estava se afundando cada vez mais nas drogas, vendo na procura por redenção do boxeador um belo contraponto com o momento que vivia. No caso, um talentoso boxeador que não consegue compreender o mundo que o cerca, nem se relacionar com as pessoas ao seu redor, mesmo aquelas que ele ama. A interpretação de De Niro é assombrosa. Sua obsessão por reproduzir com excelência todas as nuances do boxeador o fez engordar 27 quilos para retratar a decadência do personagem, e as lutas mostradas no filme foram todas autênticas, De Niro não quis usar golpes coreografados e foi pro pau de verdade, todas as feridas no rosto dele eram reais. Tamanha dedicação gerou uma perfomance que virou referência para todos os atores, que até hoje, quando dedicam-se inteiramente para compor um personagem, dizem que fizeram o “processo De Niro”. A narrativa lenta e gradual de Scorcese capta brutalmente toda a fúria e inadequação do personagem, e a medida que a fúria de Jake cresce durante a projeção, a câmera e a fotografia ficam mais claustrofóbicas, isolando Jake cada vez mais aos olhos do espectador. Um filme maravilhoso, sem dúvida a melhor película com esportes em primeiro plano já feita, e uma lembrança do que foi Martin Scorcese um dia, um diretor autoral e sem medo de contar histórias que podiam ferir o gosto dos mais sensíveis. Não esse Scorcese bunda mole que tão tristemente temos de aturar refilmando filmezinhos policiais vagabundos pra ganhar um prêmio que nada significa em termos de reconhecimento artístico. VENDIDO!

1- Paris, Texas (Paris, Texas, 1984, EUA-Alemanha), 147 minutos – Diretor: Wim Wenders; Elenco: Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell
O filme abre com um homem de aparência quase fantasmagórica, esquálido e imundo, bebendo uma garrafa de água numa paisagem desértica no interior americano. Quando acaba de beber a água, ele corre em direção ao horizonte, e a câmera permanece estática, sem movimento algum, observando aquela figura patética desaparecer na cálida imensidão desértica. Pronto. Já na primeira cena, Wim Wenders nos mostra uma rima poética brilhante, estabelecendo, sem qualquer palavra ou movimento, a situação desesperadora de um homem perdido, totalmente alienado do mundo, sem nem ao menos saber quem é, a condição mais baixa que alguém poderia atingir. A partir da cena, o filme começa, lenta e categoricamente, a desvendar os mistérios que envolvem aquele homem, quem ele é e o que levou a tamanha situação. Tudo se revela a partir do momento que o irmão o encontra, depois de muito procurar, o homem se chama Travis Henderson, tinha uma esposa e um filho, o casamento começou a desmoronar, até que a mulher um dia sai de casa num briga e ele, sem qualquer tipo de explicação, resolve desaparecer, vagando até chegar no estado triste que se encontrava no começo do filme. A obsessão que Travis mostra no decorrer do filme com um lugar no qual os seus pais teriam um terreno e para onde ele gostaria de ir, numa cidade chamada Paris, no interior do Texas, é um inteligente jogo metafórico: o irmão ao ouvir o relato de Travis pensa se tratar da capital da França. No caso, a busca e obsessão em encontrar essa cidadezinha reflete a própria vontade de se ver junto da sua família de novo, filho e mulher, sendo que a Paris francesa seria um retrato ideal da vida que ele gostaria de levar junto deles, mas a Paris texana, árida, inóspita e perdida no meio do nada, revela-se o reflexo verdadeiro do que acabou se transformando a vida de Travis. O filho dele viveu com o irmão e a mulher, já que a mãe também fugiu. Depois de reencontrá-lo, Travis e o filho decidem, contra a vontade do irmão e da esposa, que tinham cuidado do menino por tanto tempo e se apegado com ele, procurar a mãe, numa clara referência feita por Wenders a força que existe nos laços entre pais e filhos, que seriam mais fortes do que variáveis frias como tempo e distância. Eventualmente a encontram, numa aparição exuberantemente bela de Nastassja Kinski, gerando momentos sublimes, sempre filmados com sobriedade e inteligência por Wenders. O final do filme, que poderia ser encarado como frustrante por alguns, na verdade acaba engrandecendo ainda mais o filme, já que evita saídas obvias e encontra-se firmemente de acordo com a narrativa e tom da obra. A fotografia do filme é exuberante, um trabalho perfeito do cinematógrafo Robby Muller, e todos os atores, em especial Harry Dean Stanton, retratando a lenta redenção do personagem com muita categoria, oferecem perfomances memoráveis. Inacreditavelmente, anão indicaram o filme para nenhuma categoria no Oscar de 1985, mais uma vergonha a perseguir a Academia para todo sempre. Mas a Palma de Ouro em Cannes fez justiça para esse filme, maior momento do cinema na década de 80.

Um comentário:

  1. que vergonha! o único desses filmes, que consegui ver inteiro, foi o nascido pra matar... pois tenho essa caixa de DVDS... os outros somente pedaços na net... mas quero me redimir...

    do paris texas, gostei da vinheta de entrada do DVD, que deve ser essa primeira cena... o cara ficava indo e voltando, bem interessante!
    bjus!

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