sábado, 7 de julho de 2007

Mas que nada (Ou Camarada Progressista, Jorge Ben e a minha brasilidade inconfessa)

Dante teve por guia, em sua jornada pelo Inferno e pelo Purgatório, seu mestre Virgílio. O Camarada Progressista é o meu Virgílio quando se trata de música. É ele quem me diz se estou me afastando da luz, em direção das trevas, quando ouço Amy Winehouse, Bettie Serveert ou High School Musical.

Mas, apesar de seu espírito nobilíssimo, Virgílio não pôde acompanhar Dante no Paraíso. Não podia adentrar no Empíreo. Morreu pagão, ignorante da Luz verdadeira. Assim também o Camarada Progressista. Como vocês mesmos puderam comprovar, através de textos muito sagazes, seu conhecimento musical é indiscutível, bem como sua sensibilidade, experimentada e autônoma. Entretanto, há certas coisas que seu espírito não penetrou, verdades a que não teve acesso.

Jorge Ben (Jor), no caso. Meu Virgílio reconhece a genialidade do músico. Ouve A Tábua de Esmeralda e, como qualquer crítico isento e agudo, diz que é das coisas mais altas de que Jorge Ben foi capaz. Pois é. Musicalmente, é isso.

Mas aí eu, lado a lado com ele, às margens do Aqueronte, canto baixinho, querendo porventura afastar da mente (impossível!) os terríveis gemidos dos que padecem eternamente por terem se excedido na audição a experimentalismos sem fim: “Mas que nada, / Sai da minha frente que eu quero passar...”. E, então, meu mestre se volta pra mim e diz: “Devo confessar-te que detesto ‘Mas que nada’ ”. Inicialmente desfalecido, depois indignado, tomo coragem e lhe retruco: “Pois, mestre, nisto te enganas; na verdade, nisto te mostras completamente ignorante. (Meu coração palpitante.) Sei que me dirás que não passo de um fã chato do tipo Samba Esquema Novo, mas não importa. Se for necessário, me assumo como tal. Pois não ignoro A Tábua de Esmeralda; entretanto, não posso deixar de assinalar que Samba Esquema Novo é a quintessência do que é Jorge Ben (Jor). Mais: do que é a brasilidade segundo Jorge Ben (Jor)”.

O Camarada Progressista não é reconhecido por seu profundo vínculo com Pindorama e as coisas de Pindorama. Se possui, em si, algum traço ufanista, tem-no dissimulado muito bem até hoje a mim e ao Camarada Moderado. Por isso, não pode ele entender que ouvir Jorge Ben (Jor) é o máximo de brasilidade a que alguém pode chegar. Que em Jorge Ben (Jor) seja lá o que signifique ser brasileiro encontra sua expressão mais acabada e transparente. Que seu lirismo vai mais fundo que toda a sociologia por aqui ensaiada. E que só esse lirismo abrange ao mesmo tempo a indigência e a leviandade (ou descontração) que marcam o Brasil tanto na escala individual quanto coletiva. E que nenhuma Tropicália sequer arranhou. Na verdade, perto de Jorge Ben (Jor), o resto dos tropicalistas não passam de um carnaval veneziano. E, enfim, que foi na sobriedade e economia de um Samba Esquema Novo e pares que isso se manifestou originalmente.

Jorge Ben (Jor) é toda a noção que eu posso ter do que é ser brasileiro. Nele se resume todo o meu nacionalismo (é isso mesmo, também eu guardo cá comigo algum nacionalismo). E aí eu, excepcionalmente humilde e reverente, me vejo diante de uma grande descoberta: “Hoje, superei meu mestre”.

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