O mundo pop está em polvorosa. Sexta-feira estréia nos Estados Unidos o filme dos Simpsons, primeiro esforço cinematográfico daquele que é, indubitavelmente, o desenho animado mais famoso e influente de todos os tempos (embora respeite aqueles que acham que o sensacional Pernalonga mereceria tal honraria). Mas, ao contrário do clima de oba-oba que se instaurou na Internet, peço permissão para discordar do efeito dissonante. Eu não estou nada animado com isso tudo. Para mim, o que a Fox e os executivos fizeram com os Simpsons nos últimos dez anos poderia ser classificado facilmente como crime contra o patrimônio pop.
Vejamos. O desenho começou como uma série de esquetes no programa Tracey Ullmann Show, no na época recém-criado canal Fox, para depois virar um seriado integral, com os tradicionais 24 episódios. Isso ocorreu em 1989. Eu e os camaradas tínhamos cinco anos de idade. O Muro de Berlim ainda estava em pé, por mais clichezão que isso soe. E estamos aqui, 18 anos depois, com o show ainda em exibição, mais vivo do que nunca, e indo para um aguardadíssimo empreendimento cinematográfico. Essa é a parte bonita da história.
O Camarada Moderado, em seu rude texto no qual discordava do meu post sobre o Seinfeld, afirmou que as 8 primeiras temporadas dos Simpsons eram geniais. Obviamente, ele acertou (com relação aos Simpsons; se eu fosse colocar o Seinfeld no meio, manteria a minha opinião original): as 8 primeiras temporadas são sensacionais, firmando os dois alicerces sobre os quais Matt Groening, o criador, formataria a base e o coração do programa: a acidez que destruia impiedosamente todos os clichês do american way of life e a impagável relação criada com a cultura pop, sem dúvida nenhuma um grande amor na vida de Groening que nos Simpsons encontrava a sua maneira mais ousada de homenagem, criando sempre momentos que virariam pérolas de humor (minha favorita de todos os tempos é a participação do cantor Tom Jones no episódio Marge Consegue um Emprego, da quarta temporada).
A criação dos personagens sempre foi outro trunfo do desenho, já que sempre fugiu de caracterizações unidimensionais, sempre procurando encontrar em todos os habitantes de Springfield um senso de humanidade aguçado, já que nenhum personagem pode ser considerado mocinho, nem o contrário; todos, incluindo os membros da família, são capazes de empreender atos desprezíveis, encontrando depois uma conscientização que sempre foge de dramaticidades e pieguices, tudo isso logicamente inserido na ambientação non-sense e satírica do desenho. Mesmo o senhor Burns, impagável dono da usina na qual Homer Simpson trabalha, encontra a redenção dentro da sua realidade de vida, dos seus objetivos e desejos, fugindo do padrão maniqueísta barato. Ao quebrar a idéia do politicamente correto, Groening criou um panorama de humor inimaginável, dando a sustentação para a longuíssima duração do show, já batendo na sua décima nona temporada, maior número da história americana.
O que me incomoda é essa sensação de que, de uns tempos pra cá, Groening perdeu as rédeas do seu próprio show. A queda vertiginosa de qualidade, que começou a se sentir com mais força na nona temporada, e atinge o ápice hoje em dia, com episódios que fazem os fãs corarem de vergonha e se lembrarem saudosos da era de ouro do desenho, nos leva a crer que algo se perdeu no caminho. Fatos ocorridos recentemente, como fazerem o icônico personagem Barney Gumble se regenerar do vício do álcool, mostraram que as tendências conservadoras adotadas pelo dono da emissora Fox, o bilionário Rupert Murdoch, desde o iníco da era Bush, atingiram também a esfera do show. Groening, um sujeito quieto e afável, hoje é mera figura decorativa, uma rainha da Inglaterra, já que não mais influi no processo criativo do desenho, fato que remonta há anos atrás. James L. Brooks (Fundamentalista?) e David Mirkin, os outros dois produtores executivos, é que realmente controlam todo o processo.
O fato de Groening ter se dedicado tanto ao projeto paralelo Futurama, desenho que nunca decolou, mostrou a sua total insatisfação com os rumos dados pelos produtores aos Simpsons. Ou alguém acha normal que o criador de um mega sucesso, no ápice do show, deixe o processo criativo desse de lado para terceiros, dedicando-se a outro projeto? Fazer dezenove temporadas de um show com perspectiva temporal limitadíssima (os personagens nunca crescem) é pedir para entrar na auto-indulgência, algo que se agrava totalmente quando sabemos que cada episódio é escrito por uma equipe de dezenas de roteiristas sem qualquer influência de Groening, com a sombra do conservadorismo republicano de Murdoch a afrontar os criadores, e pronto: temos a receita da decadência.
Não digo com isso tudo que imagino o filme como um fracasso. Com uma coleção de personagens tão brilhantemente construída por Groening e fortemente fixada no imaginário popular, existe pouca margem para erros. Mas não pode-se ignorar que o Graal de Homer e companhia encontra-se naquelas primeiras oito irrepreensíveis temporadas, cujos episódios são citados de cor pelos fãs. Mas ao longo da semana, falaremos mais sobre tudo isso, com comparações entre o Bart e a Lisa com os filósofos franceses, rankings de personagens, entre outras coisas. Deixo aqui meu protesto: Groening, deixe a apatia de lado e traga os Simpsons de volta para o caminho da genialidade, ou então peite os executivos e acabe com o show, antes do dano ser maior.
hum, filósofos franceses, nossa! mal posso esperar!
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