Sem mais nem menos, seco como os ventos do outono, trago aqui os dez melhores filmes dos anos 80, na minha opinião, Camarada Progressista, e que não necessariamente reflete a opinião dos outros Camaradas. Aqui vai a primeira parte, depois publico os cinco primeiros:
10- O Iluminado (The Shining, EUA, 1980), 119 minutos– Diretor: Stanley Kubrick; Elenco: Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd
Depois de cometer alguns dos filmes mais desafiadores já proporcionados pela sétima arte, elevando o debate sobre as possibilidades que um filme poderia atingir e o nível de exigência dado aos seus espectadores, Stanley Kubrick entrou na década de 80 assombrado pelo relativo fracasso financeiro do seu longa anterior, o genial Barry Lydon, longo e lento demais para a patuléia despreparada. Magoado (coitado), resolveu chutar o balde: como o filme Carrie tinha sido um sucessão em 77, leu os livros do Stephen King, escolheu aquele que achava ser o melhorzinho e resolveu ir para galera. Mas quando se trata de um Kubrick, não seria possível esperar um filme de terror comum, com gritos, sustos baratos, truques de trilha sonora e mocinhas com roupas mínimas e vilões estúpidos e rasos. Kubrick jogou tudo isso no lixo e concentrou-se naquilo que realmente lhe interessava: investigar a natureza humana, nosso lado mais obscuro e nossa capacidade de, em determinadas condições ou ambientes, dar vazão a comportamentos totalmente anti-sociais. No caso, um pai de família frustrado que, vendo-se no meio de uma situação de isolamento brutal, sufocado pelo tédio, pelo silêncio e pela opressão psicológica causada pela neve, usada como reflexo da crescente loucura do personagem, além de influências sobrenaturais de possíveis fantasmas do Hotel, resolve jogar todas as decepções e frustrações nas costas do filho e da mulher, atacando-os em algumas das seqüências mais aterrorizantes da história do cinema. Tudo isso com a inimtável classe Kubrickiana. Stephen King odiou o filme. É claro, como ele poderia gostar de um filme que transformava o seu lixo habitual em arte? Bom mesmo é a bomba do Apanhador de Sonhos, que ele vendeu por um dólar os direitos. Cala a boca King, por favor.
9-Veludo Azul (Blue Velvet, ,EUA, 1986), 120 minutos – Diretor: David Lynch; Elenco: Isabella Rossellini, Kyle MacLachlan, Dennis Hopper
David Lynch sempre nutriu um grande amor pelo grotesco. Mas ao invés de tornar-se um diretor preferencialmente trash, como um Peter Jackson no início da carreira, um Dino de Laurentis (produtor desse filme) da vida, sempre quis dar um verniz de classe aos seus filmes, preferindo apostar no surrealismo, numa atmosfera climática que dá aos seus filmes impressões de sonhos, de situações fora do alcance dos espectadores, como se assistíssemos um espetáculo fragmentado e tivéssemos de juntar todas as peças. Vindo na época do fracasso Duna, que quase enterrou a sua vida profissional, Lynch resolveu fazer um filme que fosse de acordo com as suas pretensões intelectuais e pessoais, um projeto que mostrasse ao público que aquele diretor de Duna era a verdade um pau mandado respondendo a executivos estúpidos e um rockstar pretensioso e vazio (Sting, muito prazer). No caso, uma história que expusesse a sua fascinação pelo ambiente interiorano norte-americano, já que ele, nativo do remoto estado de Montana, tinha verdadeira obsessão pela aparência pacata e lúdica desses lugares, mas que também jogasse com outra fascinação sua: a morbidez que pode existir num lugar tão pacato, a verdade por detrás de tanta hipocrisia e submissão. Na história, Jeffrey, um universitário de volta para casa depois de muito tempo e interpretado pelo Kyle MacLachlan, habituê nos projetos do diretor, descobre, ao caminhar para o lar, uma orelha jogada no chão. Os desdobramentos dessa descoberta acabam jogando Jeffrey num mundo de obscenidades, podridões, fêmeas fatais e perversões, tudo isso no coração de uma cidadezinha inócua americana. O diretor conta a história usando uma atmosfera neo-noir e fazendo-se valer de toques ácidos de humor, usados para retratar a incredulidade de Jeffrey com tudo aquilo que vivenciava. Destaque para Isabella Rossellini, perfeita como a mulher misteriosa e ao torno da qual desenrolam-se todos os mistérios da história, e para Dennis Hopper como o assassino psicótico que persegue o herói. Um grande momento na excelente carreira de Lynch, que voltaria ao tema “o que se esconde por detrás dos ambientes interioranos norte-americanos” na série cult Twin Peaks.
8-Hannah e Suas Irmãs (Hannah and Her Sisters, EUA, 1986), 103 minutos; Diretor: Woody Allen; Elenco: Mia Farrow, Dianne Wiest, Michael Caine, Woody Allen
Woody Allen. Tava demorando. Eis um cara que, assim como um Michael Jackson, deixa pouco espaço para as pessoas defenderem. Sua predileção por filhas adotadas de ex-esposas não são exatamente um exemplo de comportamento. Mas, quando tratamos da obra por ele construída, não podemos deixar de mostrar admiração e respeito. Mesmo com uma carreira toda centrada num tipo de personagem, num único tipo de cenário e sempre com estruturas narrativas idênticas, mesmo com tudo isso ele sempre conseguiu tirar filmes sensacionais da cartola. Hannah e Suas Irmãs é o seu segundo melhor filme (Annie Hall imbatível), e trata com delicadeza e sensibilidade ímpar um assunto delicado, infidelidade e traições dentro de uma família. Tirar humor e acidez de algo assim é coisa para poucos e bons, e Allen com certeza seria o cara para fazer isso. Hannah, personagem de Mia Farrow, é uma atriz de sucesso com pouco tempo para a sua vida pessoal vê ao mesmo tempo o seu marido, Elliot (Michael Caine), apaixonar-se por uma de suas irmãs, Lee (Bárbara Hershey) e o seu ex, Mickey (o próprio Woody Allen), neurótico hipocondríaco amedrontado com a possibilidade de uma doença real, relembrar o seu casamento com ela e os seus encontros com outra irmã de Hannah, Holly (Dianne Wiest), viciada em cocaína. O filme concentra-se em três arcos narrativos, Hannah, Mickey e, no final, Holly, sem nunca soar disperso ou episódico. O filme guarda alguns dos diálogos mais sensacionais já vistos, algo comum na carreira de Allen, mas que aqui encontram um de seus momentos mais definitivos, destacando-se o momento que Mickey resolve procurar aconselhamento religioso para enfrentar melhor a sua “eminente” condição de doente terminal. Uma história que teria tudo para gerar dramalhões nas mãos de pessoas menos talentosas, mas que Woody Allen, um verdadeiro artesão na arte de criar roteiros, transforma num exercício de observação e humor como poucas vezes vimos no cinema.
7-Brazil (Brazil, EUA, 1985), 131 minutos; Diretor: Terry Gilliam; Elenco: Robert De Niro, Jonathan Price, Ian Holm
Abre a cortina do passado! Tira a mãe preta do serrado! Bota o rei congo no congado! Ê, Ary Barroso, quando é que você imaginou que a sua fabulosa Aquarela do Brasil inspiraria, sozinha, um filmaço como esse Brazil, do genial Terry Gilliam? Fascinado pela melancolia e classe exalada pela composição de Ary, Gilliam resolveu, por incrível que pareça, fazer um filme todo que passasse ao seu espectador a mesma sensação que ele sentia quando ouvia a música, a sensação de sonho que ela proporcionava a ele. Por isso o nome do filme, e eu acho que os desavisados deviam ter achado na época que o Terry teria feito uma pornochanchada com o David Cardoso no papel de um garanhão. Não, tolos incautos, o filme é um pesadelo futurista que trata de uma sociedade Totalitarista baseada na burocracia e na submissão dos seus habitantes, e centra a sua narrativa no personagem Sam Lowry (Jonathan Price, excelente), um solitário funcionário burocrata de baixo escalão que, oprimido pelo tedioso emprego e pela intromissão absurda do governo na vida dos cidadães, sempre tenta escapar para um mundo de fantasias românticas por ele criadas. O filme é claramente uma crítica as sociedades totalitárias que sugam a personalidade das pessoas, transformando-as em ferramentas para a expansão e propagação dos valores pregados pelo governo. O roteiro intrigante e inteligente, inspirado pelo clássico livro 1984 de George Orwell, é ajudado pelo apuro técnico da direção de Gilliam, com um belo trabalho de fotografia e cenários, sempre acentuando o clima de opressão vivido por Sam. Contando também com um excelente elenco de apoio (incluindo Robert De Niro, que na época era ainda um ator de verdade e não essa paródia dos dias atuais. Ele aliás brigou sempre com Gilliam nas filmagens, e os dois juraram nunca mais trabalhar um com o outro, muito feio), Brazil não foi um sucesso retumbante, mas virou um dos filmes de maior culto pelos fãs de cinema, obtendo hoje um reconhecimento que faz jus a classe do filme.
6- Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, Suécia, 1982), 188 minutos – Diretor: Ingmar Bergman; Elenco: Pernilla Allwin, Bertil Guve
Originalmente um filme concebido para a TV sueca de 312 minutos, depois foi adaptado e virou uma película de 188 minutos. Último filme dirigido por Bergman, que depois se dedicou ao Teatro e a escrever roteiros para a TV somente, e hoje curte uma bela aposentadoria na Suécia (vocês queriam o quê, pô? Ele tem 88 anos de idade, caramba!), obteve 4 Oscars, um dos maiores números já conseguidos por um filme estrangeiro, além de indicações a melhor Diretor e Roteiro para Bergman. No começo de sua carreira, a principal motivação de Bergman era fazer filmes que usassem de alegorias fantásticas e religiosas para fotografar o vazio da existência no homem e sua inerte procura por algo mais na vida. Depois, com o passar dos anos, acabou realizando obras que tratavam de problemas familiares, como a falta de comunicação entre os membros e os dilemas e conflitos por eles enfrentados. No caso do Fanny e Alexander, que conta a história de dois irmãos (as crianças do título) que perdem o pai e vêem a mãe criando laços com o Bispo local, casando-se com ele e mudando com eles para a sua casa, para então jogá-los numa assustadora situação de opressão e submissão, já que o Bispo transforma praticamente a mulher e os filhos em prisioneiros, vivendo sobre rígidas condutas morais e sem qualquer tipo de liberdade, até que uma família amiga resolve intervir para ajudá-los, então criando forças para eles conseguirem, por meios drásticos, saírem dessa situação desesperadora. Bergman, talvez o melhor diretor de atores da história, tira de todos os atores performances apaixonadas e únicas, especialmente do casal de irmãos, que transmitem espetacularmente ao espectador todo o desespero por eles vividos quando estão sob a chancela do Bispo. O Bispo é inspirado no próprio pai de Bergman, um Pastor luterano agressivo e dominador, que impunha a Bergman uma educação extremamente rígida e conservadora. Mas o olhar crítico que demonstrava quando tratava da religião, algo que sempre foi uma marca do diretor, jamais foi direcionado para as doutrinas religiosas em si, mas sim para aqueles que fazem uso delas para, por meio de distorções e livres interpretações das palavras, dominar e submeter os seus semelhantes. A crítica de Bergman sempre foi para os indivíduos que distorciam os ensinamentos religiosos, como no Sétimo Selo nas cenas que criticavam o clima de terror instaurado pelo Catolicismo na Idade Média. Bergman fez um milhão de filmes sensacionais, mas Fanny e Alexander talvez tenha sido o seu projeto mais pessoal, o que faz dele, por si só, um belo momento do cinema
Depois de cometer alguns dos filmes mais desafiadores já proporcionados pela sétima arte, elevando o debate sobre as possibilidades que um filme poderia atingir e o nível de exigência dado aos seus espectadores, Stanley Kubrick entrou na década de 80 assombrado pelo relativo fracasso financeiro do seu longa anterior, o genial Barry Lydon, longo e lento demais para a patuléia despreparada. Magoado (coitado), resolveu chutar o balde: como o filme Carrie tinha sido um sucessão em 77, leu os livros do Stephen King, escolheu aquele que achava ser o melhorzinho e resolveu ir para galera. Mas quando se trata de um Kubrick, não seria possível esperar um filme de terror comum, com gritos, sustos baratos, truques de trilha sonora e mocinhas com roupas mínimas e vilões estúpidos e rasos. Kubrick jogou tudo isso no lixo e concentrou-se naquilo que realmente lhe interessava: investigar a natureza humana, nosso lado mais obscuro e nossa capacidade de, em determinadas condições ou ambientes, dar vazão a comportamentos totalmente anti-sociais. No caso, um pai de família frustrado que, vendo-se no meio de uma situação de isolamento brutal, sufocado pelo tédio, pelo silêncio e pela opressão psicológica causada pela neve, usada como reflexo da crescente loucura do personagem, além de influências sobrenaturais de possíveis fantasmas do Hotel, resolve jogar todas as decepções e frustrações nas costas do filho e da mulher, atacando-os em algumas das seqüências mais aterrorizantes da história do cinema. Tudo isso com a inimtável classe Kubrickiana. Stephen King odiou o filme. É claro, como ele poderia gostar de um filme que transformava o seu lixo habitual em arte? Bom mesmo é a bomba do Apanhador de Sonhos, que ele vendeu por um dólar os direitos. Cala a boca King, por favor.
9-Veludo Azul (Blue Velvet, ,EUA, 1986), 120 minutos – Diretor: David Lynch; Elenco: Isabella Rossellini, Kyle MacLachlan, Dennis Hopper
David Lynch sempre nutriu um grande amor pelo grotesco. Mas ao invés de tornar-se um diretor preferencialmente trash, como um Peter Jackson no início da carreira, um Dino de Laurentis (produtor desse filme) da vida, sempre quis dar um verniz de classe aos seus filmes, preferindo apostar no surrealismo, numa atmosfera climática que dá aos seus filmes impressões de sonhos, de situações fora do alcance dos espectadores, como se assistíssemos um espetáculo fragmentado e tivéssemos de juntar todas as peças. Vindo na época do fracasso Duna, que quase enterrou a sua vida profissional, Lynch resolveu fazer um filme que fosse de acordo com as suas pretensões intelectuais e pessoais, um projeto que mostrasse ao público que aquele diretor de Duna era a verdade um pau mandado respondendo a executivos estúpidos e um rockstar pretensioso e vazio (Sting, muito prazer). No caso, uma história que expusesse a sua fascinação pelo ambiente interiorano norte-americano, já que ele, nativo do remoto estado de Montana, tinha verdadeira obsessão pela aparência pacata e lúdica desses lugares, mas que também jogasse com outra fascinação sua: a morbidez que pode existir num lugar tão pacato, a verdade por detrás de tanta hipocrisia e submissão. Na história, Jeffrey, um universitário de volta para casa depois de muito tempo e interpretado pelo Kyle MacLachlan, habituê nos projetos do diretor, descobre, ao caminhar para o lar, uma orelha jogada no chão. Os desdobramentos dessa descoberta acabam jogando Jeffrey num mundo de obscenidades, podridões, fêmeas fatais e perversões, tudo isso no coração de uma cidadezinha inócua americana. O diretor conta a história usando uma atmosfera neo-noir e fazendo-se valer de toques ácidos de humor, usados para retratar a incredulidade de Jeffrey com tudo aquilo que vivenciava. Destaque para Isabella Rossellini, perfeita como a mulher misteriosa e ao torno da qual desenrolam-se todos os mistérios da história, e para Dennis Hopper como o assassino psicótico que persegue o herói. Um grande momento na excelente carreira de Lynch, que voltaria ao tema “o que se esconde por detrás dos ambientes interioranos norte-americanos” na série cult Twin Peaks.
8-Hannah e Suas Irmãs (Hannah and Her Sisters, EUA, 1986), 103 minutos; Diretor: Woody Allen; Elenco: Mia Farrow, Dianne Wiest, Michael Caine, Woody Allen
Woody Allen. Tava demorando. Eis um cara que, assim como um Michael Jackson, deixa pouco espaço para as pessoas defenderem. Sua predileção por filhas adotadas de ex-esposas não são exatamente um exemplo de comportamento. Mas, quando tratamos da obra por ele construída, não podemos deixar de mostrar admiração e respeito. Mesmo com uma carreira toda centrada num tipo de personagem, num único tipo de cenário e sempre com estruturas narrativas idênticas, mesmo com tudo isso ele sempre conseguiu tirar filmes sensacionais da cartola. Hannah e Suas Irmãs é o seu segundo melhor filme (Annie Hall imbatível), e trata com delicadeza e sensibilidade ímpar um assunto delicado, infidelidade e traições dentro de uma família. Tirar humor e acidez de algo assim é coisa para poucos e bons, e Allen com certeza seria o cara para fazer isso. Hannah, personagem de Mia Farrow, é uma atriz de sucesso com pouco tempo para a sua vida pessoal vê ao mesmo tempo o seu marido, Elliot (Michael Caine), apaixonar-se por uma de suas irmãs, Lee (Bárbara Hershey) e o seu ex, Mickey (o próprio Woody Allen), neurótico hipocondríaco amedrontado com a possibilidade de uma doença real, relembrar o seu casamento com ela e os seus encontros com outra irmã de Hannah, Holly (Dianne Wiest), viciada em cocaína. O filme concentra-se em três arcos narrativos, Hannah, Mickey e, no final, Holly, sem nunca soar disperso ou episódico. O filme guarda alguns dos diálogos mais sensacionais já vistos, algo comum na carreira de Allen, mas que aqui encontram um de seus momentos mais definitivos, destacando-se o momento que Mickey resolve procurar aconselhamento religioso para enfrentar melhor a sua “eminente” condição de doente terminal. Uma história que teria tudo para gerar dramalhões nas mãos de pessoas menos talentosas, mas que Woody Allen, um verdadeiro artesão na arte de criar roteiros, transforma num exercício de observação e humor como poucas vezes vimos no cinema.
7-Brazil (Brazil, EUA, 1985), 131 minutos; Diretor: Terry Gilliam; Elenco: Robert De Niro, Jonathan Price, Ian Holm
Abre a cortina do passado! Tira a mãe preta do serrado! Bota o rei congo no congado! Ê, Ary Barroso, quando é que você imaginou que a sua fabulosa Aquarela do Brasil inspiraria, sozinha, um filmaço como esse Brazil, do genial Terry Gilliam? Fascinado pela melancolia e classe exalada pela composição de Ary, Gilliam resolveu, por incrível que pareça, fazer um filme todo que passasse ao seu espectador a mesma sensação que ele sentia quando ouvia a música, a sensação de sonho que ela proporcionava a ele. Por isso o nome do filme, e eu acho que os desavisados deviam ter achado na época que o Terry teria feito uma pornochanchada com o David Cardoso no papel de um garanhão. Não, tolos incautos, o filme é um pesadelo futurista que trata de uma sociedade Totalitarista baseada na burocracia e na submissão dos seus habitantes, e centra a sua narrativa no personagem Sam Lowry (Jonathan Price, excelente), um solitário funcionário burocrata de baixo escalão que, oprimido pelo tedioso emprego e pela intromissão absurda do governo na vida dos cidadães, sempre tenta escapar para um mundo de fantasias românticas por ele criadas. O filme é claramente uma crítica as sociedades totalitárias que sugam a personalidade das pessoas, transformando-as em ferramentas para a expansão e propagação dos valores pregados pelo governo. O roteiro intrigante e inteligente, inspirado pelo clássico livro 1984 de George Orwell, é ajudado pelo apuro técnico da direção de Gilliam, com um belo trabalho de fotografia e cenários, sempre acentuando o clima de opressão vivido por Sam. Contando também com um excelente elenco de apoio (incluindo Robert De Niro, que na época era ainda um ator de verdade e não essa paródia dos dias atuais. Ele aliás brigou sempre com Gilliam nas filmagens, e os dois juraram nunca mais trabalhar um com o outro, muito feio), Brazil não foi um sucesso retumbante, mas virou um dos filmes de maior culto pelos fãs de cinema, obtendo hoje um reconhecimento que faz jus a classe do filme.
6- Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, Suécia, 1982), 188 minutos – Diretor: Ingmar Bergman; Elenco: Pernilla Allwin, Bertil Guve
Originalmente um filme concebido para a TV sueca de 312 minutos, depois foi adaptado e virou uma película de 188 minutos. Último filme dirigido por Bergman, que depois se dedicou ao Teatro e a escrever roteiros para a TV somente, e hoje curte uma bela aposentadoria na Suécia (vocês queriam o quê, pô? Ele tem 88 anos de idade, caramba!), obteve 4 Oscars, um dos maiores números já conseguidos por um filme estrangeiro, além de indicações a melhor Diretor e Roteiro para Bergman. No começo de sua carreira, a principal motivação de Bergman era fazer filmes que usassem de alegorias fantásticas e religiosas para fotografar o vazio da existência no homem e sua inerte procura por algo mais na vida. Depois, com o passar dos anos, acabou realizando obras que tratavam de problemas familiares, como a falta de comunicação entre os membros e os dilemas e conflitos por eles enfrentados. No caso do Fanny e Alexander, que conta a história de dois irmãos (as crianças do título) que perdem o pai e vêem a mãe criando laços com o Bispo local, casando-se com ele e mudando com eles para a sua casa, para então jogá-los numa assustadora situação de opressão e submissão, já que o Bispo transforma praticamente a mulher e os filhos em prisioneiros, vivendo sobre rígidas condutas morais e sem qualquer tipo de liberdade, até que uma família amiga resolve intervir para ajudá-los, então criando forças para eles conseguirem, por meios drásticos, saírem dessa situação desesperadora. Bergman, talvez o melhor diretor de atores da história, tira de todos os atores performances apaixonadas e únicas, especialmente do casal de irmãos, que transmitem espetacularmente ao espectador todo o desespero por eles vividos quando estão sob a chancela do Bispo. O Bispo é inspirado no próprio pai de Bergman, um Pastor luterano agressivo e dominador, que impunha a Bergman uma educação extremamente rígida e conservadora. Mas o olhar crítico que demonstrava quando tratava da religião, algo que sempre foi uma marca do diretor, jamais foi direcionado para as doutrinas religiosas em si, mas sim para aqueles que fazem uso delas para, por meio de distorções e livres interpretações das palavras, dominar e submeter os seus semelhantes. A crítica de Bergman sempre foi para os indivíduos que distorciam os ensinamentos religiosos, como no Sétimo Selo nas cenas que criticavam o clima de terror instaurado pelo Catolicismo na Idade Média. Bergman fez um milhão de filmes sensacionais, mas Fanny e Alexander talvez tenha sido o seu projeto mais pessoal, o que faz dele, por si só, um belo momento do cinema
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