Dando prosseguimento à série "Eu, Camarada Fundamentalista".
A arte em geral é só uma desculpa pros marmanjos prolongarem indefinidamente a adolescência. Representa tudo em nós que é egocentrado e sentimental até a obtusidade e, se der, pra depois dela, pro genial, quem sabe. Nietzsche, Dostoievski, Kafka, Joyce, Guimarães Rosa, tudo uns moleques. Por isso, a adolescência preexistiu à forma como a entendemos hoje, e portanto Nietzsche e cia. podem ser colocados no mesmo saco, dos que adiavam o fim dela.
Imagina uma banda, então. É meio que assumir de vez que você não quer crescer, e o pop é a Terra do Nunca. Há mesmo casos extremos, que desembocam na caricatura: vide Hateen.
É tão verdade, que Los Hermanos acabaram. Queriam virar artistas sérios (acredita-se que isso exista), desistiram dos refrões, caíram na MPB e ficaram chatos. Fim da adolescência, fim da banda. Tinham que amadurecer musicalmente... Quando o sujeito, querendo posar de músico, se esquece do elemento adolescente-trouxa, está descuidando do principal. Banda não é pra isso.
Existem algumas bandas de longa data que, supostamente, contrariariam a tese - U2 e Rolling Stones, por exemplo: ou seja, os maiores mercenários do meio. Faz tempo que abandonaram o tipo adolescente, evitando o ridículo. Só que não foi em nome do "amadurecimento", mas pra encher o bolso de grana, essa é que é a verdade.
Estou falando isso tudo, pra chegar naquilo que eu acredito ser a vontade de todo o mundo quando senta pra ouvir música ou assistir à droga de um filme: ser filisteu em paz. Minha, tão logo diagnosticada, prontamente confessa preferência por baladas se explica por uma recalcada sentimentalidade justamente do tipo adolescente-trouxa, responsável por súbitos e constantes acessos de vislumbramento.
Vem daí meu gosto por indie rock. Em especial, Bettie Serveert, banda holandesa, mas de expressão inglesa, com vocal feminino, desconhecida até pelos meus amigos chatos que manjam de música. Seu primeiro álbum, Palomine (1992), houve quem o considerasse o London Calling do college rock. Como o meu filisteísmo é radical e ilimitado, eu nunca ouvi London Calling, e não estou nem aí pra isso, porque não manjo mesmo nada de música. Parece, de todo modo, que eles não convenceram muito aqueles entusiastas, com os trabalhos posteriores. Tanto melhor. Ficaram sendo só uma banda holandesa de indie rock, seja lá o que isso signifique.
E eu adoro esses caras. Não tem música ruim, todas agradam ao meu adolescente trouxa interior. ("Kid's alright", aliás, não podia ter uma letra mais emblemática.) Em Palomine, os arranjos eram mais crus, uma banda de guitarra. Canções maravilhosas. Fazem as lágrimas rolarem, de nostalgia dos anos 90. Nesse último álbum, Bare Stripped Naked (2006), o oitavo da banda, como prenuncia o nome, acústico, para o meu deleite. "Hell = Other People" é a minha favorita e o hit do disco.
Ah, é: traduzindo-se o nome da banda do holandês para o português, é literalmente "Bettie serve", nome de um programa de televisão, apresentado por Bettie Stöve, tenista holandesa que perdeu em Wimbledon, na final de 1977.
Em resumo, lá, na Holanda, onde as pessoas vivem entre moinhos, diques e vaquinhas malhadas, e usam tamancos de madeira, e, por isso mesmo, o consumo de entorpecentes é legalizado e a prostituição é regulamentada, eu, sendo fundamentalista, nunca pisaria, não fosse o Bettie Serveert.
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