A Prairie Home Companion (2006) foi o último trabalho de Robert Altman, que faleceu ano passado, aos 81 anos. Aqui, no Brasil, recebeu o título A Última Noite, que me recuso a usar, já que leva todos a confundirem-no com o filme do Spike Lee. Trata-se de uma reflexão sobre como morrer com dignidade. Pra Altman, que então parecia pressentir o próprio fim, isso significa morrer trabalhando, e fazendo um trabalho bem feito. E foi o que ele fez, deixando-nos um daqueles filmes que, como eu disse numa postagem anterior, cada vez que a gente assiste gosta mais.
Retrata a última transmissão de um programa de rádio. E como à medida que as personagens vão tomando conhecimento disso, vencem o sobressalto inicial e passam a resignar-se, dando lugar àquele velho chavão: "O show deve continuar". Novamente Altman faz aquela que era a sua especialidade: narrar a vida de várias personagens cuja principal coisa em comum é o fato de estarem no mesmo lugar.
Durante seus 105 minutos, a gente ouve muita, mas muita música country. Só que de raiz, prestem atenção. E sem playback. É a Meryl Streep mesmo que canta (e nos comove em alguns momentos). A surpresa, no entanto, fica por conta de Garrison Keillor, que é, aliás, também fora da ficção apresentador do programa, que realmente existe, e até hoje. Sua serenidade e indiferença (que fazem inveja a qualquer adepto do estoicismo) é que conduzem o show, com a eficiência e naturalidade de todos os dias, até o fim que, como infelizmente escapou a TODOS os comentários feitos a este filme, na verdade aponta para a continuidade. Eis a mensagem cifrada de Altman, a semente que ele plantou, mas que ninguém reconheceu como tal.
Atentem a uma ambigüidade que só mesmo a arte possibilita. Para encerrar aquilo que é, não somente a derradeira transmissão do programa, mas também o gesto final de uma carreira cinematográfica única, Garrison Keillor e Robert Altman chamam ao palco Lola Johnson, interpretada por ninguém mais, ninguém menos que Lindsay Lohan.
A história da participação dela nesse filme é à parte. Foi ela que insistiu pra fazer esse trabalho – esperta, muito esperta –, mas nem havia um papel que se adequasse ao perfil da mocinha. Mas o Altman, que era esperto e meio, fez questão de escrever um só pra ela. Apesar de um papel pequeno, a menininha resplandeceu, em todo o seu talento, interpretando uma adolescente melancólica, sem cair no estereótipo.
Muito nuançada, Lola nos comunica que seu pessimismo é apenas uma defesa, hesitação de alguém que, na verdade, tem sede de viver e de brilhar. E como, ao fim, podemos confirmar, Lola desabrocha – nesse ponto, ela veste o xale rosa para ir ao palco, sinalizando simbolicamente a suavização da perspectiva depressiva que ela mantivera até o momento e que se desfaz imediatamente, tão logo ela aceita o desafio de mergulhar de cabeça nessa aventura que é viver.
É como se Altman dissesse "eu vou, mas ela fica". É isso mesmo, minha gente, estamos muito bem acompanhados quando ressaltamos a singularidade dessa garota. E parece que nem Altman nem nós nos engamos, já que Lindsay se sai com um dos papéis secundários mais marcantes da história do cinema.
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