quinta-feira, 24 de maio de 2007

Camarada Fundamentalista, Proust e as mulheres

Disseram que o engraçado do blog é o Camarada Progressista. Concordo. Que o charmoso é o Moderado. Se não pegar mal, também concordo. E que eu sou o profundo. Disso eu discordo.

Se eu fosse profundo, mandava vocês lerem Proust e ficava falando de Proust. Porque ler Proust deixa a gente mais inteligente e refinado. Pois, por exemplo, eu estava lendo hoje mesmo “À sombra das raparigas em flor”, segundo dos sete volumes do ciclo Em busca do tempo perdido, e me deparei com uma página que me levou a compreender as mulheres. Sim, eu estava lendo Proust e acabei entendendo as mulheres. E eu sou homem. E Proust era gay. Assim é a Camarada Vida.

Proust dizia (transcrevo-o):

“Esses obstáculos com que têm de lutar os amantes e que a sua imaginação, superexcitada pelo sofrimento, procura em vão adivinhar, residem muita vez nalguma singularidade de caráter da mulher que eles não podem atrair para si, na tolice dela, na influência que sobre ela tiveram e nos receios que lhe sugeriram certas pessoas a quem o amante não conhece, no gênero de prazeres que ela pede no momento à vida, prazeres que o seu amante, e a fortuna de seu amante, são incapazes de lhe oferecer.”

Para os proustianos, é sem dúvida espúrio e leviano o uso que faço da citação, como um mero índice para machos perdidos no adverso terreno do amor. Mas proustiano é tudo bonequinha, e eu não estou nem aí pra eles. Por isso, adiante.

Como sempre, me valho do método mais razoável, que é procurar entender a mulher por contraste ao homem, ou seja, partir de mim mesmo pra chegar nelas.

O que Proust me diz nessa passagem? Que o grande problema é a memória. Ora, que, diferente de mim, que sou um indivíduo de pouca ou nenhuma memória afetiva e emocional, que tenho necessidades pontuais, primárias, que sou totalmente absorvido pelo que estou sentindo agora, a mulher, ela não é assim. Diferente de mim, ela se lembra de tudo, e a verdade é que constrói um universo de sentimentos e disposições afetivas ao longo de anos, da acumulação de experiências as mais diversas, de experiências com outros de cuja existência sequer tomarei conhecimento. Uma mulher exige, então, que a gente tenha senso histórico, que a gente saiba que é só mais um numa sucessão de arqueólogos e paleontólogos que se aventuraram nessa topografia.

Não digo que a mulher raciocina em função desse passado que ela sempre mantém vivo, como a boa historiadora que é. Nada disso. Raciocinar é coisa de homem. O que a mulher faz é atender, de maneira bastante condicionada – já que gerações e gerações de mulheres que a precederam se assumiram como “seres emotivos”, e não racionais – e também muito vaga, a uma série de disposições que se criam em função dessas lembranças, que, na prática, formam um amontoado indiscernível.

Mulher é um bicho de memórias que se tornam impressões que se tornam reações que são tudo o que a gente vê quando leva um pé na bunda ou um simples fora sem saber muito bem por quê. É o que eles chamam de intuição feminina.
Em resumo: mulher lembra de tudo e sente em função de tudo que lembra - o desejo delas tem história; a gente, que é homem, só sente, não lembra de nada – a gente tem fome, sede, desejo, e pronto.
A memória é que criou a civilização, a literatura, as artes em geral, e essa criatura diferenciada do homem que é a mulher. Era pra gente morar no meio do mato, coçar o saco o dia todo, esperando o coco cair pra gente comer. Mas não, por causa da memória, criaram-se as cidades, o mullet, os blogs, o plano de carreira e a mulher, em vez da fêmea. Ou seja, era pra tudo ser simples e fácil, mas, por causa da memória, ficou tudo difícil e complicado.

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